domingo, 15 de dezembro de 2019

A morte do lateral, Ruy Castro, FSP

Folha deu (6/12): "Morre Coronel, lateral ídolo do Vasco e último 'João' de Garrincha". "João", no sentido de como-é-mesmo-o-nome-dele?, era o modo com que, segundo os jornalistas da época, Garrincha se referia aos laterais esquerdos que tentavam marcá-lo. Na verdade, a história do "João" fora uma invenção do repórter Sandro Moreyra na Copa do Mundo de 1958 e adotada gostosamente por seus colegas.
Garrincha não usava e não gostava dessa expressão, que desmerecia o adversário. Sabia que, chamado de "João", seu marcador viria com tudo para cima dele --tudo para não ser mais um "João".
Coronel, lateral esquerdo do Vasco em fins dos anos 50, foi o mais folclórico dos supostos "Joões" de Garrincha. Jordan, do Flamengo (pronunciava-se Jordã, não Djórdan), era um lateral clássico, que jogava na bola, e Altair, do Fluminense, apesar de mirrado, abusava dos carrinhos. Coronel era duro, mas leal, e, como não existiam cartões amarelos, corria atrás de Garrincha puxando-o pela camisa. Eles o enfrentavam no Maracanã pelo menos três vezes por ano cada um, e, em seu apogeu, de 1957 a 62, Garrincha os destroçava um a um.
Às vésperas de todo Vasco x Botafogo, Coronel ouvia na rua: "E aí, vai levar mais um baile do Garrincha?". E respondia, rindo: "Vou. Mas quem vai ganhar o bicho sou eu". Queria dizer que, com ou sem baile, o Vasco derrotaria o Botafogo --o que acontecia. É que, depois de deixar Coronel para trás, Garrincha ainda tinha pela frente Bellini e Orlando, dois zagueiros de seleção brasileira e, como ele, também campeões do mundo. 
Coronel morreu na semana passada, aos 84 anos, na pequena Porto Real (RJ). Como ele, todos os dias morre um jogador que, no passado, levou anos encantando (ou irritando) multidões nos estádios. Mas são raros os que merecem obituários nos jornais. 



É como se, disputada sua última partida, eles entrassem no vestiário para morrer.

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