quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Jogo arriscado, Delfim Netto, FSP

Segundo lenda urbana, sucesso da reeleição depende dos bons resultados na economia.

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Há alguns ministros da área "sombria" do governo Bolsonaro que exemplificam a descrição do gênio Millôr Fernandes: "Sua excelência chegou ao limite da ignorância e, no entanto, prosseguiu". Ela detém controle do poder palaciano e, com razão, assusta toda a "intelligentsia" acadêmica e boa parte da burguesia esclarecida, que estão convencidas de que a reeleição de Bolsonaro será o caminho livre para a construção de um oximoro: a democracia iliberal.
Qual é a principal consequência dessa racionalização do futuro? Tentar diminuir de todas as formas, mas com sutilezas que as escondam, a probabilidade de sua reeleição. Mas é preciso fazê-lo aumentando a probabilidade de eleger o candidato do "meio", um ectoplasma do "progressismo neoliberal" gestado em reuniões acadêmicas literomusicais com partidos que, por sua dimensão atual, precisariam de uma dezena para se organizarem num governo majoritário.
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O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro - Pedro Ladeira - 15.nov.2019/Folhapress
Estão fortíssimos (os gigantes fundos públicos mais as emendas parlamentares), têm donos e controlam o Congresso, mas estão desconectados tecnologicamente da grande massa eleitoral. Nenhum deles, até agora, parece ter musculatura para chegar ao segundo turno.
Então, o que fazer, como diria o companheiro Ulyanov?
Se acreditarem na lenda urbana de que o sucesso da reeleição depende dos bons resultados na economia, a solução é complicar a vida de Guedes reafirmando, cinicamente, todo o apoio ao seu programa.
O conhecimento dessa operação poderá ter consequências político-eleitorais devastadoras para quem deixar sua digital comprometida com um projeto que, para tentar voltar ao poder, propõe o sacrifício de todos os brasileiros.
À lenda urbana há pelo menos uma exceção. Dilma se reelegeu depois da maior destruição da economia produzida de 2012 a 2014, cumprindo o seu programa anunciado no longínquo 2005, quando disse: "Essa história de que investimento é bom e despesa corrente é má é outra simplificação grotesca. Despesa corrente é vida: ou você proíbe o povo de nascer, de comer ou de adoecer, ou vai ter despesa corrente".
Bingo! Deixou uma queda de 9% do PIB per capita, 14 milhões de desempregados e pelo menos 40 milhões de famílias comendo menos. E se reelegeu!
Esse é um jogo arriscado que precisa ser jogado abertamente sob as regras do Estado democrático de Direito, sob pena de a sociedade se voltar contra o Legislativo se lhe for atribuída a responsabilidade de continuar a proteger a "casta corporativista" porque seu desejo é "redistribuir entre seus membros" o excedente produtivo de que ela se apropriou, com direitos "mal adquiridos", desde a Constituição de 88.
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

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