Por que o ideal iluminista de uma racionalidade universal está fazendo água?
“Tudo o que era sólido desmancha no ar.” A frase, de Karl Marx e Friedrich Engels, publicada no “Manifesto Comunista”, de 1848, referia-se ao impacto da revolução burguesa nas relações sociais. Há motivos, contudo, para acreditar que a dupla foi modesta. O que está se desmanchando no ar é o próprio consenso em torno do que significam fatos, objetividade e verdade.
Essa é, só com um pouco de exagero, a tese de William Davies em “Nervous States” (estados nervosos). Trata-se de um livro engenhoso, no qual o autor percorre 400 anos de história das ideias para tentar mostrar por que o ideal iluminista de uma racionalidade universal, desvinculada de emoções e alcançável através da ciência, está fazendo água.
Ele começa com pensadores como Thomas Hobbes e René Descartes. Visita ciências como a medicina e a estatística, que ensaiava seus primeiros passos. Mostra como foi se construindo uma noção de realidade objetiva que serviu então de base para a política, os negócios e a própria democracia modernos.
Esse arranjo vai dando sinais de esgotamento, visíveis no descrédito de especialistas e na ascensão de líderes populistas. Isso ocorre em parte porque o ideal iluminista tinha problemas mesmo. Um exemplo: emoções nunca deixaram de fazer parte da razão. Mas a crise do modelo se estendeu. Uma combinação de ansiedades sociais com ressentimentos, turbinados por erros de especialistas, tecnologias disruptivas e pela cada vez mais conspícua desigualdade, faz com que até os avanços proporcionados pelo consenso iluminista sejam agora questionados.
O livro é instrutivo e gostoso de ler, ainda que Davies, em alguns momentos, recorra a doses generosas de especulação. Um deles é quando o autor liga a crise de opioides nos EUA à ideia de que dor crônica favorece o autoritarismo. Não vale como prova científica, mas passa numa obra que arrisca hipóteses para tentarmos entender o que diabos está acontecendo no mundo.
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