quarta-feira, 12 de junho de 2019

Advogado banca, pelo 'prazer de ter prazer', R$ 10 mi em cultura, FSP

Advogado banca, pelo 'prazer de ter prazer', R$ 10 mi em cultura

Crítico à Lei Rouanet, paulista fomenta projetos sem recorrer a incentivos públicos ou terceiros

Carlos Bozzo Junior
SÃO PAULO
Nascido em São José do Rio Preto (SP), o advogado Ernesto Tzirulnik, 60, é um mecenas.
Mecenas é a qualificação dada a quem protege artistas e intelectuais. O termo vem do nome do cavaleiro romano Caio Cílnio Mecenas, que servia-se, no século 1º a.C., de seu crédito com o imperador Augusto para proteger escritores e artistas, patrocinando a produção de diversos poetas, entre eles Virgílio, Horácio e Propércio.
Mecenato é o termo usado para indicar o incentivo e patrocínio de artistas e literatos e, de maneira geral, de atividades culturais e artísticas.
Tzirulnik, que mora em São Paulo desde 1973, é advogado especializado em direito do seguro. Por meio dos recursos obtidos nessa área, em seu escritório --com faturamento anual médio em torno de R$ 20 milhões a R$ 30 milhões--, pratica o mecenato fomentando a cultura por meio do Projeto Ceará 202, criado por ele sem recorrer a incentivos públicos ou patrocínio de terceiros.
"Sempre vi com maus olhos transformar o apoio a atividades [culturais], quaisquer que sejam, em fonte de renda. A Lei Rouanet, para mim, parece ser um ataque ao erário, porque vou lá e tiro do Tesouro, em vez de fazer uma contribuição independente, autônoma", disse à Folha, na sede de seu escritório, localizado na rua Ceará, 202, no bairro do Pacaembu, em São Paulo.
"Nunca usei a Lei Rouanet ou subsídio público. Por exemplo, no dia em que a prefeitura me ofereceu um local para a apresentação de um show, não aceitei. Prefiro pagar para a prefeitura. Às vezes, por causa disso, não consigo fazer no local onde quero."
O Projeto Ceará 202 é responsável pela restauração da residência do arquiteto modernista Jayme C. Fonseca Rodrigues (1905-1946) --atual sede do escritório de Tzirulnik-- e por outras formas de expressão artística, como cinema, fotografia, artes plásticas e música.
O advogado já gastou cerca de R$ 10 milhões praticando o mecenato. O que ganhou com isso? "Financeiramente nada, nenhum retorno. Mas o prazer, para mim e para meus colegas, de ouvirmos, por exemplo, cinco violonistas maravilhosos em uma só noite, durante o lançamento de um livro de direito constitucional, é único. Ganho o prazer de ter prazer."
Entre as gravações e shows dos 22 CDs que apoiou, Tzirulnik já investiu cerca de R$ 2 milhões. Artistas como os instrumentistas, compositores e arranjadores Nelson Ayres, acompanhado por uma big band, Toninho Ferragutti (sanfona), Hercules Gomes (piano), Ulisses Rocha (violão) e Salomão Soares (piano), entre outros, figuram em meio aos registros fonográficos bancados por Tzirulnik.
Livros foram mais de 30; exposições e shows, o advogado perdeu a conta.
Tzirulnik patrocinou mais de cinco filmes. O mais recente foi "Marighella" (2019), dirigido por Wagner Moura, mas o advogado não tem ideia do quanto investiu.
"Daria para fazer entre 10 e 20 CDs, porque produção cinematográfica é cara. Um bom CD, com 2.000 cópias, custa por volta de R$ 20 mil. Depende do projeto, pois uns têm orquestras, big band, e outros são de duos. Cada projeto musical apoiado por nós custa em torno de R$ 20 mil a R$ 30 mil. Com shows, gastamos um pouquinho mais", disse o mecenas, que usa um critério "aleatório e intuitivo" para apoiar obras artísticas.
Quando lhe foi perguntado se não teme que esta reportagem estimule o assédio de futuros proponentes de projetos culturais, respondeu que não.
"Isso já acontece. Todo mundo tem um grande projeto, mas não patrocinamos grandes projetos", falou o advogado, que tem a casa modernista onde trabalha aberta a visitação, além de manter uma das maiores bibliotecas na América Latina sobre direito do seguro, também aberta ao público para consultas.
retrato de Ernesto Tzirulnik
O mecenas e advogado especializado em seguros Ernesto Tzirulnik, 60 - Bruno Santos/ Folhapress

GUIA PARA PRATICAR O MECENATO

Veja as regras de ouro do advogado Ernesto Tzirulnik para se tornar um mecenas
Fazer alguma coisa de que você goste 
"No caso da música, tem que ser uma que você goste de ouvir. Se ouvir o som e ficar na dúvida e começar a levar em consideração só porque alguém falou que é bom, não vai rolar. Além disso, devemos nos cercar de pessoas confiáveis. Se você está com o pé atrás com um cara ou outro, não é gostoso. Tem que ser gostoso de ser feito."
Nunca usar o mecenato como forma de reivindicar, ser reembolsado, reduzir carga tributária ou qualquer coisa nesse sentido
"É preciso sempre praticar essa ação com recursos próprios."
Como ser mecenas em um país que passa por uma crise econômica?
"Costumo dizer aos meus vizinhos de condomínio, que às vezes reclamam por não terem dinheiro para pagar o salário do porteiro e do zelador, que, se eles não tivessem ido naquela noite à Bela Cintra [rua nos Jardins, em SP] e tomado aquele vinho caro, pagariam fácil tudo isso. É só não tomar o [vinho português] Barca Velha. Toma outro mais simples, da Casa Ferreirinha, por exemplo, o Quinta da Leda, que está bom. Só na diferença de preços entre esses vinhos está quase saindo um CD."
Erramos: o texto foi alterado
Ernesto Tzirulnik é crítico à Lei Rouanet e não contrário a sua existência, como destacou erroneamente o subtítulo da reportagem "Advogado banca, pelo 'prazer de ter prazer', R$ 10 mi em cultura". A informação foi corrigida.

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