terça-feira, 1 de outubro de 2024

Caso Amazonas Energia provoca vários espantos, Jerson Kelman, FSP

 

A área de concessão da Amazonas Energia (AE) é campeã nacional no índice de perdas não técnicas de energia (um eufemismo para furto). Com arrecadação claudicante, a AE ficou insustentável, inclusive deixando de pagar pela energia que compra das térmicas da Eletrobras.

O governo teve de fazer escolhas. Uma possibilidade seria intervir na concessionária ou declarar a caducidade da concessão. Faria sentido se as atuais dificuldades de AE fossem devidas somente à má gestão. Não parece ser o caso.

Outra possibilidade seria ajudar a concessionária, pelo menos transitoriamente. Idealmente essa ajuda deveria se materializar como despesa no Orçamento da União. Porém, dada a situação fiscal do país, realisticamente o custo da ajuda se materializará encarecendo a conta de luz de todos os brasileiros.

A ajuda deveria ser dada ao atual ou a um novo controlador da AE? A escolha, aliás, correta, foi pela segunda opção. Quem deveria ser o novo controlador e qual deveria ser o tamanho da ajuda? O razoável teria sido estabelecer uma competição entre eventuais candidatos a controlador, selecionando aquele que oferecesse a continuidade do serviço para os amazonenses e mínimo custo para os consumidores de todo o país. Em vez disso, o governo, ao que tudo indica, escolheu a Âmbar.

Fachada Aneel
Sede da Agência Nacional de Energia Elétrica, em Brasília - Aneel/Divulgação

"Ao que tudo indica" porque, num primeiro movimento, a Âmbar comprou as térmicas "micadas" da Eletrobras. Poucos entenderam. Para a Eletrobras, parecia um excelente negócio se livrar de unidades de energia cujo único cliente, a AE, era inadimplente. Mas, para a Âmbar... por que fazer tão mau negócio? A resposta veio pouco depois da transação, por meio da edição da medida provisória 1.232/2024, que transformou os contratos "micados" entre as térmicas e a AE em contratos de energia de reserva, com garantia de adimplemento. Explicação oficial para essa sequência de eventos: mera coincidência. Se foi isso mesmo, a Âmbar é muito sortuda!

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A medida provisória também determinou que a Aneel examinasse o plano de transferência do controle acionário preparado pela dupla AE-Âmbar e o aprovasse caso fosse demonstrado que sua implementação ensejaria a recuperação da sustentabilidade econômico-financeira da concessionária, com o menor impacto tarifário possível. A área técnica da Aneel examinou o plano e o rejeitou, porque oneraria as contas de luz de todos os brasileiros em R$ 16 bilhões. O necessário, segundo técnicos da Aneel, seria apenas a metade dessa quantia.

A AE entrou na Justiça e obteve uma liminar decidida por juíza de primeira instância da Justiça Federal no Amazonas dando prazo de 48 horas para a diretoria da Aneel "aprovar imediatamente o plano de transferência de controle societário na forma apresentada... pela autora ...". É isso mesmo: a liminar não determina que a Aneel decida sobre o plano, e sim que o acate como proposto, em implícita manifestação de desprezo pelo conhecimento técnico dos servidores da Aneel. Um espanto!

A diretoria da Aneel se reuniu pouco antes do término do prazo da liminar, mas não conseguiu chegar a uma decisão. Ocorreu um empate entre duas posições. O governo remanesce sem indicar o quinto diretor que teria desempatado essa e outras decisões. Um espanto!

Maria Lucia Karam - Presunção de inocência também vale para acusações de cunho sexual. FSP

 

Maria Lucia Karam

Juíza-auditora na Justiça Militar Federal e defensora pública no Rio de Janeiro; foi juíza de direito no TJ-RJ

atribuição ao ex-ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos), logo exonerado, de condutas de importunação e assédio sexual sugere uma advertência.

Não é possível se prosseguir corroendo a garantia da presunção de inocência em nome de uma superproteção a mulheres que se dizem vítimas de ofensas relacionadas a seu gênero ou sexualidade.

Sustenta-se que sua palavra seria inquestionável, sempre verdadeira e suficiente até mesmo quando sob anonimato. Assim advogam-se condenações sem processo, simplesmente desprezando o princípio "nulla poena sine judicio" ("nenhuma pena sem lei"). O processo se tornaria uma farsa, pois, antes mesmo de seu início, já se teria estabelecido a verdade, a ser veiculada por uma acusação incontestável.

Silvio Almeida, ex-ministro dos Direitos Humanos, que foi demitido após acusações de assédio sexual - Silvio Almeida no Instagram/Silvio Almeida no Instagram

Já nas primeiras eras de elaboração do direito questionava-se não apenas a solitária palavra de autoproclamadas vítimas, mas a própria palavra de uma só testemunha. É lição do direito romano: "testis unus, testis nullus" ("testemunha única, testemunha nula"). Mas, há lição mais recente, consagrada com os direitos humanos fundamentais: dispõe a garantia da presunção de inocência que a acusação não passa de hipótese a ser ou não comprovada. Como os demais elementos trazidos pela acusação, a palavra da apontada vítima nada mais é do que uma versão do alegado fato, sujeitando-se a questionamentos e dúvidas que, submetidos ao contraditório, serão ou não desfeitos. Antes e no curso do processo não há verdade, toda palavra de qualquer apontada vítima sempre sendo questionável. Verdade sobre a alegada prática de um crime só é algo possível de ser reconhecido se e quando acontecer condenação definitiva ao final de processo regularmente desenvolvido.

O discurso que não se acanha em violentar a presunção de inocência, pretendendo tornar inquestionável a palavra de mulheres vítimas, apela para uma suposta posição de fragilidade e opressão em que estariam. Mas, no processo penal, vítimas não são frágeis ou oprimidas. Estão sim alinhadas com o Estado, com o Ministério Público, com a acusação; isto é, com o lado forte da relação ali estabelecida, visando impor o poder punitivo —poder dado ao Estado de, através da imposição da pena, deliberadamente infligir sofrimento a autores de condutas criminalizadas.

Pena significa sofrimento. No processo penal, quem é frágil é o réu, ameaçado de sofrer o peso desse poder. Esclarece o jurista italiano Luigi Ferrajoli: "O direito penal, em seu modelo garantista, equivale à lei do mais fraco que, se no momento do crime é a vítima, no momento do processo é sempre o réu, cujos direitos e garantias são —essas sim— leis do mais fraco".

Constrangimentos ao livre exercício da sexualidade, desigualdade entre os gêneros ou quaisquer outras relações hierarquizadas e discriminatórias jamais poderão ser superados com o sacrifício de direitos fundamentais. Ao contrário. Direitos fundamentais, como a garantia da presunção de inocência, pilar do Estado democrático de Direito, hão de ser sempre reafirmados. Só assim poderemos ter sociedades mais iguais e mais justas.

União Europeia informa que não vai adiar implementação da lei anti desmatamento, O ECO

 

A União Europeia (UE) informou, esta semana, aos membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) que não adiará a aplicação de sua regulamentação sobre desmatamento. O anúncio foi feito em meio a objeções de grandes exportadores agrícolas, incluindo o Brasil. O assunto foi discutido durante a reunião do comitê de agricultura da OMC, realizada nos dias 25 e 26 de setembro em Genebra, na Suíça. A Regulamentação Anti-Desmatamento da União Europeia (EUDR, na sigla em inglês), está prevista para ser implementada a partir de 30 de dezembro de 2024.

A União Europeia argumenta que o adiamento exigiria mudanças legislativas e não proporcionaria previsibilidade jurídica aos operadores. 

No dia 11 de setembro, o governo Brasileiro enviou uma carta à cúpula da UE pedindo que a legislação não seja aplicada ao final deste ano. No documento, os membros do Executivo brasileiro alegam que a medida é  “unilateral e punitiva”, viola as regras multilaterais de comércio e encarece custos da produção rural.

“O Brasil é um dos principais fornecedores para a UE da maioria dos produtos objetos da legislação, que correspondem a mais de 30% de nossas exportações para o bloco comunitário. De modo a evitar impacto em nossas relações comerciais, solicitamos que a UE não implemente a EUDR a partir do final de 2024 e reavalie urgentemente a sua abordagem sobre o tema”, diz o documento, assinado pelos ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

Na semana seguinte ao envio da carta, dia 16 de setembro, organizações da sociedade civil brasileira que integram a rede do Observatório do Clima enviaram à presidente da Comissão Europeia, Ursula Van der Leyen, uma nota de resposta ao comunicado dos ministros de Lula, argumentando que o documento “sabota a liderança climática do Brasil”.

“É inadmissível que, com o país inteiro em chamas e às portas da COP30, autoridades do governo brasileiro se comportem como porta-vozes de parte de um setor da economia bastante implicado na perda de biodiversidade e nas mudanças climáticas para defender que a UE atrase a implementação da legislação, o que, em última análise, prejudica o próprio agronegócio brasileiro”, diz a nota do OC.

EUDR

A EUDR determina que importadores europeus de uma série de commodities, como carne, soja, couro e madeira, façam uma auditoria em seus fornecedores para que nenhum produto produzido em área desmatada – legal ou ilegalmente – após dezembro de 2020 entre no mercado europeu.

Além disso, os produtos devem ser produzidos de acordo com as leis e regulamentações do país de origem e os exportadores devem cumprir requisitos de due diligence, com uma declaração de conformidade, confirmando que foram tomadas medidas necessárias para garantir o cumprimento da nova legislação.

A EUDR enfureceu o setor, que alega que a lei tem intenções protecionistas e não ambientais. Para Camila Trigueiro, analista de pesquisa do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), no entanto, o não cumprimento da norma pode implicar sérios danos ao Brasil, incluindo o reputacional.

“Ainda que não esteja entre os maiores importadores de carne bovina brasileira, a União Europeia é a que paga melhor a tonelada exportada. O não cumprimento da UEDR implica em perder nosso melhor pagador e representa um grande risco reputacional. Se não conseguirmos atender a EUDR, significa que não conseguiremos atender a critérios mais rigoroso, o que nos faria perder, indiretamente, também outros mercados”, disse, em entrevista a ((o))eco.

Para o OC, ao contrário do que argumentaram os ministros brasileiros na carta enviada à União Europeia, o Brasil tem plena capacidade de se beneficiar da legislação. “[A UEDR  apenas implementa algo com que [o Brasil]  já se comprometeu – de forma soberana, por reconhecer que o desmatamento é ruim para o país, e temos áreas degradadas em quantidade suficiente para multiplicar a produção agropecuária com mais tecnologia, produtividade e valor agregado, sem necessidade de nenhum desmate”.