A rua do Triunfo, na região chamada de Boca do Lixo, próxima da estação da Luz, é uma das vias de fluxo da cracolândia, mas já foi um importante polo de produção cinematográfica no Brasil. De lá, entre meados dos anos 1960 e a década de 1980, saíram centenas de filmes, desde pornochanchadas, até longas-metragens de terror e obras experimentais.
Era ali o epicentro paulista do chamado cinema marginal ou cinema de invenção, que se desenvolveu entre 1968 e 1973 e se associava à contracultura. Fazia oposição ao Cinema Novo e se rebelava contra o regime ditatorial com filmes de alto teor sexual e violência explícita e também com fortes críticas sociais e políticas.
Produzidas com poucos recursos essas obras alcançavam resultados brilhantes, como no filme "A Margem", de Ozualdo Candeias ou em "O Bandido da Luz Vermelha", de Rogério Sganzerla, no qual o anti-herói diz a frase emblemática da chamada estética do lixo: "Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha"
Pela rua do Triunfo, especificamente pelo bar e restaurante Soberano, recentemente reformado e reinaugurado no número 155, circulavam produtores, diretores, atores e profissionais técnicos de cinema, que discutiam as novas produções e se misturavam à população de prostitutas, cafetões e desalojados do bairro.
A rua era um lugar de ruptura e fervilhava de ideias sobre cinema e projetos de filmes quase sempre com parcos recursos. Nela se praticava a liberdade intelectual e se tentava conciliar o experimentalismo com soluções de mercado, como foram as pornochanchadas.
Andavam pela região todos os cineastas que trabalhavam em São Paulo, como José Mojica Marins, o Zé do Caixão, Ozualdo Candeias, que homenageou o local com o curta-metragem chamado "Uma rua chamada Triunfo", Andrea Tonacci, Walter Hugo Khouri, Carlos Reichenbach, Ody Fraga, Roberto Mauro, Fauzi Mansur, Jean Garret, José Miziara e Silvio de Abreu, entre outros realizadores. Vários cineastas que faziam filmes autorais nos anos 60 dirigiram pornochanchadas nos 70.
Apesar de, às vezes, ser alvo de preconceito, a pornochanchada foi um sucesso mercadológico e sustentou o negócio na Boca do Lixo. Entre as 25 maiores bilheterias entre 1970 e 1975, nove foram desse gênero. Em São Paulo se produziram obras como "A Virgem e o Machão", "Escrava do Desejo", "A Filha de Calígula", "O Analista de Taras Deliciosas", "O Cafetão" e "Desejo Proibido".
As produções da rua do Triunfo dominaram o cinema nacional nos macabros anos da ditadura, sendo responsáveis por quase metade dos filmes produzidos no país na década de 70. Construíram também um "star system" brasileiro no qual se destacavam atrizes como Nicole Puzzi, Matilde Mastrangi, Helena Ramos, Zilda Mayo, Adele Fátima e Selma Egrei. Entre os atores, o nome mais destacado foi David Cardoso, que também era produtor e diretor.
O principal endereço da rua era o número 134, o edifício Soberano, com dez andares. No primeiro andar ficava a produtora e distribuidora Cinedistri, de Oswaldo Massaini, que ainda hoje funciona no mesmo local. No segundo andar estava instalada a Fama Filmes e no terceiro, a Distribuidora Ômega e a Paramount.
Mais produtoras ocupavam o edifício como a Imperial Filmes, a locadora Nacional Cinematográfica e a Screen Gems Columbia Pictures, que depois tornou-se Columbia Fox. No nono andar estavam a Herbert Richers, a rede exibidora São Luiz e a Price Distribuição de Filmes.
Outro prédio importante no mesmo quarteirão era o de número 150, onde estava a Luna Filmes e a Servicine, de Alfredo Palácios e Antonio Galante, que, juntos com Massaini , se destacaram pela grande quantidade e variedade de filmes realizados.
Diante da grande efervescência produtiva, a região ganhou o apelido de "Hollywood Paulistana", embora as produtoras cinematográficas, os cineastas e os atores locais tivessem que lidar com condições muito desfavoráveis se comparadas às da Hollywood americana. O cinema da Boca do Lixo, porém, teve uma história gloriosa.