O foro por prerrogativa de função se aplica a promotores de Justiça mesmo por delitos cometidos fora de sua atuação funcional. Com base nesse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou um termo circunstanciado assinado por um delegado de Polícia durante uma audiência de conciliação envolvendo um promotor de Justiça que atropelou uma idosa.
Para a maioria dos desembargadores, a autoridade policial não pode instaurar inquérito contra magistrados e membros do Ministério Público, nem elaborar termos circunstanciados, uma vez que esses são atos de investigação sumária.
Segundo os autos do processo, em nenhum momento da audiência o promotor informou que integrava o Ministério Público. Ele chegou a um acordo com a vítima, que foi oficializado pelo delegado conciliador. Em seguida, ao revisar o caso, o delegado seccional percebeu que se tratava de um promotor e enviou os autos à Procuradoria-Geral de Justiça.
A PGJ, então, acionou o Órgão Especial em razão do foro por prerrogativa de função do promotor. O relator sorteado, desembargador Torres de Carvalho, não vislumbrou ilegalidades no ato conduzido pela Polícia Civil por entender que os fatos que não dizem respeito a crimes praticados no exercício da função pública devem ser julgados em primeiro grau, conforme decisões do STF nas Ações Penais 937 (na qual ficou decidido que deputados e senadores somente devem responder a processos criminais no STF se os fatos imputados a eles ocorrerem durante o mandato, em função do cargo) e 4.703 (que estendeu o mesmo entendimento para ministros de Estado).
Entretanto, prevaleceu o entendimento do desembargador Damião Cogan de que existe foro privilegiado mesmo em um crime de trânsito cometido por promotor de Justiça fora de serviço. "O foro especial por prerrogativa de função existe por amor aos cargos e não às pessoas", afirmou Cogan.
Segundo ele, o foro privilegiado visa proteger o cargo eletivo ou de efetivo exercício por autoridade pública e evitar constrangimentos nos atos judiciários. Cogan afirmou ainda que, nos dois precedentes citados pelo relator sorteado, não se discutiu a situação específica de magistrados e membros do MP e nem houve unanimidade no Supremo.
"Não se discutiu a tempo algum se para membros de cargos efetivos e vitalícios, como magistratura e Ministério Público, o foro por prerrogativa de função sofreria redução somente para ser reconhecido nos casos em que o delito fosse praticado no exercício desses cargos. A matéria não está deliberada pelo C. Supremo Tribunal Federal com relação a magistrados e membros do MP", disse.
Assim, na visão do relator do acórdão, está mantido o foro por prerrogativa de função para promotores de Justiça, ainda que por delitos ocorridos fora do campo funcional, como é o caso dos autos. Portanto, Cogan disse que o delegado de Polícia não poderia ter conduzido uma audiência de composição entre o promotor e a vítima do atropelamento.
Além disso, o magistrado afirmou que o próprio promotor, ao não se identificar como membro do MP, compareceu indevidamente perante uma autoridade com poderes inexistentes para promover a audiência de conciliação, "que é privativa do juiz de Direito e não pode ser delegada".
"Só acrescento que, diversamente do que alguns pensam, o foro especial por prerrogativa de função não é um 'privilégio' odioso, mas sim um ônus imposto àqueles que exercem funções públicas relevantes, eletivas ou vitalícias, sendo muito mais gravoso do que o procedimento comum, pois afasta o julgamento perante o Tribunal do Júri, garantia constitucional nos crimes dolosos contra a vida, assim como afasta também o duplo grau de jurisdição no mérito", acrescentou Cogan.
Dessa forma, por maioria de votos, o Órgão Especial acolheu o requerimento da Procuradoria para que o relator sorteado designe nova audiência de conciliação entre o promotor e a vítima, "visto que a outra foi feita perante autoridade sem jurisdição, sendo nula de pleno direito, justificando-se em face da existência de foro especial por prerrogativa de função".
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2055928-67.2021.8.26.0000