quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Como transformar tijolos em baterias e a sua parede em um carregador, MARIANA PEZZO, FSP

 

Tijolos de barro são usados para construção há milhares de anos, e raramente tiveram outras finalidades. Agora, cientistas propuseram uma aplicação que une dois dos maiores desafios tecnológicos da atualidade: materiais de construção inteligentes e, principalmente, dispositivos de armazenamento adequados à transição energética para modelos mais sustentáveis.

Os pesquisadores, da Universidade de Washington em St. Louis, nos Estados Unidos, aproveitaram três características dos tijolos: porosidade, resistência mecânica e a presença de hematita (Fe2O3, óxido de ferro, ou a popular ferrugem). A partir delas, testaram uma rota de síntese para transformar pares de tijolos em eletrodos e, assim, armazenar energia, como em uma bateria.

Mais precisamente, a transformação resulta em um supercapacitor, mas quem sabe o que é um supercapacitor (eu, ao menos, desconhecia até bem pouco tempo atrás)?

Supercapacitores, como as baterias, são dispositivos para armazenar energia. No entanto, cada um tem suas propriedades e, assim, diferentes aplicações. Baterias armazenam maiores quantidades de energia, e supercapacitores são mais rápidos na carga e descarga. Em um veículo elétrico, por exemplo, supercapacitores são responsáveis pela entrega rápida da energia necessária ao início do movimento, mas quem mantém o carro andando é a energia armazenada nas baterias.

Outra vantagem dos supercapacitores é a sua durabilidade, já que suportam mais ciclos de carga e descarga. No caso dos tijolos, os pesquisadores estimaram essa capacidade em até 10 mil ciclos.

Embora chame a atenção o produto final, ou seja, o tijolo-supercapacitor, o principal resultado do estudo, publicado recentemente no periódico Nature Communications, é mostrar a viabilidade da rota de síntese. A rota adotada resulta na deposição de nanofibras de um polímero condutor de energia na superfície do tijolo e, assim, em um revestimento plástico que possibilita o armazenamento dessa energia.

Nesse processo – chamado de síntese em fase de vapor –, ácido clorídrico (HCl) vaporizado passa pelos poros do tijolo e interage com a hematita liberando um íon de ferro (Fe3+). Assim, é desencadeada a polimerização de monômeros (chamados de EDOT e disponíveis também como vapor) por uma rota que leva à deposição de um polímero (PEDOT, com o P acrescentado vindo justamente de polímero) com as características desejadas: baixa resistência elétrica e estabilidade química e física.

Polimerização é o nome dado justamente à reação química que leva moléculas menores, os monômeros, a formarem cadeias maiores, os polímeros. São várias as formas de polimerização e, neste caso, o controle da reação para que se obtivesse o material condutor e estável foi o grande avanço da pesquisa.

Novos materiais – e novas rotas de síntese para materiais já existentes – são centrais no desenvolvimento de dispositivos de armazenamento que concretizem todo o potencial de fontes mais limpas de energia, como a solar e a eólica. A pesquisa da Universidade de Washington é um avanço nesta direção, embora seja o que se chama, em ciência, de prova de conceito, uma vez que o supercapacitor testado acendeu apenas uma pequena lâmpada de LED.

No entanto, segundo os autores, o método é escalonável, viável economicamente e versátil. Algumas das aplicações já sugeridas são na alimentação de sensores, etiquetas (tags) de sistemas de comunicação RFID (identificação por rádio frequência), microrrobôs e outros microdispositivos embutidos em edifícios e cidades inteligentes.

Metáfora cruel: a perda de uma luta contra o câncer, FSP

 

‘Menino morre de Covid enquanto lutava contra câncer’. ‘Atriz da Disney morre após lutar contra câncer’. ‘Morre Neill Peart, baterista lutava contra um câncer no cérebro’. ‘Médico que lutava contra câncer há 20 anos morre nesta segunda-feira’.

Algumas doenças podem não ter cura, mas apresentam diagnósticos longos,  como 20 anos por exemplo. É frustrante considerar esse tempo todo como uma batalha perdida.

Não basta estar doente, é preciso estar em um combate. Os parentes não bastam ter perdido uma pessoa amada, eles precisam ter perdido, também, uma guerra. Fica aí um fardo aos médicos e aos familiares.

Essa metáfora está enraizada em nossa cultura, mas penso se não é um bom momento para trocarmos o imperativo da guerra pela força da paz. A cultura de uma sociedade é formada em seu linguajar. A escolha de palavras perpetua hábitos. 

A injustiça muitas vezes não está na perda da batalha, mas sim na falta de acesso a exames, medicamentos e tratamentos. Seria melhor se fosse: após diagnóstico tardio da doença, Bia morre com metástase no cérebro. Ou: após a falta de acesso a um medicamento, Marcos morre dez anos antes do prognóstico. 

Morrer fracassado em uma luta é um cenário desanimador. E injusto porque essa pessoa não fracassou. Ela e sua família fizeram o que foi possível dentro do contexto tecnológico e social em que vivemos. Uma pessoa doente procura se curar, agrega e transforma ao invés de desejar assassinar para não ser assassinada.

Troquei ideias sobre esse tema com a co autora desse blog, Jessica Moreira.  Ela me encaminhou uma ponderação feita por sua prima, a atriz Caroline Alves,  que perdeu o irmão há 7 meses. “O processo de finitude de uma pessoa por conta do câncer não é um processo de luta nem de paz, mas sim de (re) existência. Existir de outras maneiras e persistir. Esses dois pólos são complicados. O polo da guerra culpabiliza quem está do lado. O de paz cobra do paciente uma positividade que às vezes é difícil ter”.

Importante esse ponto. Aproveito para expandir a abordagem da paz não ser confundida com passividade. Ao contrário, eu a compreendo como uma atitude bem ativa. Energética, mas sem o heroísmo da guerra.

Junto à essa metáfora da guerra está o conceito de heroísmo. Quem vence uma doença é aplaudido como herói. Quem perde “morreu lutando contra o câncer”. Isso pode trazer um peso a mais para o luto dos que ficam. A tristeza em sentir, em um nível mais sutil, a pessoa amada como a não-herói.  

Ernest Becker, em “A Negação da Morte”, livro muito comentado por aqui, coloca os desafios da nossa visão heróica do ser humano. Ele defende as consequências negativas de nos sentirmos seres figurados do herói em combate contra o mal. Sendo o mal, no caso, a morte. De buscarmos vencer o fim, garantindo a permanência do ego.

A “Jornada do Herói” é uma estrutura narrativa do autor Joseph Campbell (1904-1987) muito popular entre os contadores de histórias justamente por trazer nossa identificação com essa fantasia. Na realidade, quem não alcança o heroísmo, se frustra  na quebra de uma expectativa ficcional, mas culturalmente imposta. A decepção consigo mesmo, desse legado inalcançável, estaria na raiz do crescimento de alguns distúrbios mentais.

O presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, André Junqueira, considera o cenário de guerra e o uso de termos bélicos prejudiciais para o acolhimento da dor. Ele me encaminhou uma pesquisa sobre essa metáfora, conduzida pela Dornsife Mind and Society Center para entender o efeito desse linguajar na saúde das pessoas e na percepção do câncer.

Os resultados indicaram que ao invés de estimular as pessoas a se prevenirem, elas sentiram-se inibidas pelo medo de precisarem enfrentar uma batalha. Concluiu-se “ser claro que essa metáfora desencoraja alguns comportamentos preveníveis por sugerir que ter câncer é tão ruim quanto estar em guerra. Isso pode tornar as pessoas mais assustadas e menos propensas a ter um diagnóstico, por sugerir que o tratamento será muito cruel”. 

André prefere falar com seus pacientes sobre jornada, ou  caminhada, no tratamento oncológico, “pois qualquer travessia tem altos e baixos e ninguém sabe quando e como termina”. 

O médico me encaminhou uma busca que fez no Google. “Pesquisei o termo no ‘morre após luta contra o câncer e achei 11.800 resultados. Pesquisei ‘morre após luta contra o Alzheimer’ e achei somente 1”. 

As razões para não ser tão comum o uso de termos bélicos para Alzheimer ou doenças cardíacas é porque são doenças de evolução mais lenta se comparado a alguns tipos de câncer.  Ele também comenta que “a oncologia evoluiu muito nas últimas décadas, o arsenal terapêutico ampliou muito”. A palavra arsenal terapêutico é usado no meio médico e em publicações como essa aqui.

Por fim, André tem um desejo. “Espero que mudemos essa visão, pois não existe vencedor e derrotados em doenças”. 

Fica aqui sugestões alternativas: 

‘Menino morre de Covid enquanto tratava um câncer avançado’. ‘Atriz da Disney morre de câncer no cérebro’. ‘Morre Neill Peart, baterista tinha câncer no cérebro’. ‘Médico que convivia com o câncer há 20 anos morre nesta segunda-feira’.

Lula diz que é ‘plenamente possível’ PT não ter candidato à Presidência em 2022, OESP

Ricardo Galhardo, O Estado de S.Paulo

20 de agosto de 2020 | 15h40

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu nesta quinta-feira, 20, que o PT pode não lançar candidato à Presidência em 2022 desde que outro partido de oposição apresente um nome com melhor desempenho nas pesquisas de opinião.

A declaração de Lula foi recebida positivamente, mas com cautela por líderes de outras siglas da esquerda. Já no próprio PT a possibilidade de o partido não ter candidato a presidente pela primeira vez desde a redemocratização é vista como improvável. Lula admitiu que o PT pode abrir mão da cabeça de chapa em 2022 em entrevista ao canal do YouTube TV Democracia, do jornalista Fabio Pannunzio.

“Acho plenamente possível ter uma eleição em que o PT não tenha candidato a presidente. O PT pode ter candidato a vice, a outra coisa. Isso é plenamente possível. Acontece que tem que ter um candidato com a habilidade de tratar os partidos com o respeito que os partidos merecem. Não adianta as pessoas querem brigar com o PT porque o PT aceita briga, mas é o maior partido de esquerda da América Latina”, afirmou Lula.

O ex-presidente disse “lamentar profundamente” que o PT não faça parte de um grande processo de aliança contra o bolsonarismo, mas lembrou que o partido chegou em primeiro ou segundo lugar em todas as eleições desde 1989 e que, para abrir mão da cabeça de chapa, depende de um “grande acordo”.

Lula diz que é ‘plenamente possível’ PT não ter candidato à Presidência em 2022
O ex-presidente Lula durante entrevista ao canal do YouTube TV Democracia

“As pessoas não podem querer que o PT abra mão dessa grandeza que o povo brasileiro lhe deu a troco de nada. Ou apresenta um candidato maior do que o PT ou não tem chance. Para poder ir para o segundo turno tem que passar pelo primeiro. Se não passar pelo primeiro, acabou. O Barcelona achava que era bom, mas perdeu de 8 a 2 para o Bayern de Munique (na semifinal da Liga dos Campeões da Europa). Você não pode prescindir de um partido que tenha no começo de uma campanha 30% a troco de que? Você não pode dar para outro partido sem um grande acordo”, disse Lula. 

Para petistas, Lula ratificou hegemonia do partido na esquerda

Segundo dirigentes petistas e assessores de Lula, não foi a primeira vez que o ex-presidente traçou este cenário. No partido, a leitura foi de que Lula mais ratificou a posição de hegemonia do PT na esquerda do que acenou com a possibilidade de uma composição com as demais forças de oposição. 

Petistas lembram que quarta-feira, 19, em entrevista à rádio Folha de Pernambuco, Lula admitiu a possibilidade de ele mesmo ser candidato em 2022, caso consiga reaver na Justiça o direito de disputar eleições (ele foi condenado em segunda instância em dois processos por corrupção e lavagem de dinheiro). Além disso, ele foi o principal incentivador da estratégia de o PT lançar o maior número de candidatos possível na eleição municipal deste ano

Líderes da oposição que trabalham há anos pela construção de uma frente ampla contra o bolsonarismo, viram a declaração de Lula com otimismo e cautela. “A defesa de uma frente progressista é altamente positiva. Estou muito confiante de que vamos unir forças e vencer a próxima eleição presidencial. Quanto ao papel de cada partido, temos tempo para debater”, disse o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).

O presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, também disse que ainda falta muito tempo até 2022. Segundo ele, primeiro a oposição precisa ter bons resultados nas eleições municipais.

“A eleição de 2022 ainda está distante e a oposição precisa ter um bom resultado eleitoral esse ano para só depois pensar em eleição presidencial. Mas é positivo que haja esse desprendimento por parte do ex-presidente Lula, porque reconhece que o ciclo de hegemonia de um único partido na esquerda acabou. Seja como for, unidade eleitoral só se discute a partir de projeto de país e persistem diferenças importantes entre os partidos de esquerda e centro-esquerda”, disse ele.

Na entrevista de mais de duas horas Lula não mostrou arrependimento quanto à campanha agressiva contra Marina Silva (Rede) na reeleição de Dilma Rousseff, 2014, e criticou Ciro Gomes (PDT). “Ciro deveria ter ficado no Brasil e declarado apoio ao (Fernando) Haddad (no segundo turno de 2018), mas ele preferiu, num gesto de rebeldia, ir para Paris”, disse Lula.

 

PARA ENTENDER

Calendário Estadão

As datas, definições partidárias, candidaturas e a cobertura especial do jornal das campanhas pelo País e nos Estados Unidos

O petista avaliou que o presidente Jair Bolsonaro é um nome competitivo para a reeleição em 2022 e defendeu calma por parte da oposição na hora de traçar uma estratégia de combate eleitoral ao bolsonarismo.

“Quem tem o poder, quem está no exercício do governo tem muita chance de ser competitivo na próxima eleição. Temos que trabalhar com essa certeza. É preciso saber qual o discurso que vamos construir, qual é a proposta alternativa que vamos fazer para disputar as eleições. E não adianta ficar nervoso nem chutando a parede. É com muita tranquilidade, sabedoria e inteligência que a gente vai construir a estratégia de retomada do desenvolvimento neste país”, disse ele.