Haddad persistiu, até o último minuto de seu governo, em sua atitude de aproveitar todas as oportunidades para exercitar sua vocação para o marketing e a demagogia
O Estado de S.Paulo
01 Janeiro 2017 | 05h00
O prefeito Fernando Haddad persistiu, até o último minuto de seu governo, em sua atitude de aproveitar todas as oportunidades – as que se apresentaram e as que ele criou de caso pensado – para exercitar sua vocação para o marketing e a demagogia. Raro ponto, infelizmente negativo, em que sua competência deve ser reconhecida. É o que aconteceu com o decreto por meio do qual pretende viabilizar e facilitar a transferência da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) da Vila Leopoldina, na zona oeste, para Perus, na zona norte.
Como mostra reportagem do Estado, esse decreto estabelece as diretrizes para que se faça aquela mudança, na qual está interessado um grupo formado pelas empresas Votorantim, SDI Desenvolvimento Imobiliário e o Instituto de Urbanismo e de Estudos para a Metrópole (Urbem). Ele pretende assumir os serviços hoje prestados pela Ceagesp, uma empresa controlada pela União, a maior do gênero na América Latina, que tem 13 unidades em São Paulo. A da capital representa 80% do total de seus negócios.
A mudança de local da Ceagesp é vista como necessária pela maioria dos especialistas na questão, principalmente tendo em vista as grandes transformações pelas quais passou a Vila Leopoldina nas últimas décadas. O problema está na forma, no momento e nas razões alegadas por Haddad para isso. Alega ele que a mudança é necessária para permitir o desenvolvimento das margens do Rio Tietê, dentro do chamado Arco do Futuro, um de seus principais projetos. Ela permitiria a verticalização da área, que seria de uso misto, com comércio e moradias.
Segundo Haddad, a área, que se tornaria um novo bairro, é uma das “âncoras” do desenvolvimento da cidade, ao lado do Complexo do Anhembi, do Autódromo de Interlagos e dos Estádios do Pacaembu e do Canindé, que também passariam por transformações. O principal critério que deve nortear a mudança da Ceagesp é tornar mais fáceis as operações das quais dependem o abastecimento da capital, e não favorecer os projetos que Haddad não conseguiu implementar como queria. Nesse contexto, o seu decreto não passa de jogada demagógica para dar a impressão de que está completando uma tarefa que mal tirou do papel.
Isso é reforçado pelo fato de que a mudança da Ceagesp não depende da Prefeitura, um ponto essencial da questão que Haddad espertamente deixou na sombra. Tanto a Ceagesp como o terreno que ela ocupa são de propriedade da União. O máximo que a Prefeitura pode fazer é criar condições para aquela mudança, não promovê-la, já que evidentemente ela não pode dispor de um negócio que não lhe pertence, seja para mudá-lo de lugar, seja para repassá-lo a grupos privados.
Tanto Haddad sabe disso, é claro, que tentou se entender a respeito com o governo federal, sem sucesso. Não por acaso, a Ceagesp já esclareceu, em nota, que o projeto de transferência para Perus “é uma iniciativa privada da qual (a Ceagesp) não faz parte” e que o novo complexo seria concorrente. E concluiu: “Não nos cabe manifestar sobre um assunto do qual conhecemos pouco e sequer somos partícipes”.
Mesmo que tudo tivesse sido acertado com a União, haveria outros aspectos da questão que não recomendariam a execução da transferência neste momento. Especialistas ouvidos pela reportagem, embora concordem com a saída da Ceagesp da Vila Leopoldina, discordam da forma como a Prefeitura propõe que ela seja feita. Para o arquiteto e urbanista Lúcio Gomes Machado, “é muito estranho esse decreto às vésperas do fim da gestão. Não se vende um terreno sem projeto, a cidade não pode deixar para o mercado imobiliário a tarefa de planejar o que vai ser feito ali”. E segundo seu colega Valter Caldana é “melhor aguardar um reaquecimento do mercado imobiliário” para pôr à venda ativo tão valioso.
Nada disso ocorreu a Haddad? Ou, o que é mais provável, ocorreu e ele se deixou levar, mais uma vez, pela demagogia?