segunda-feira, 14 de março de 2016

Isto é democracia, Por Marcelo Rubens Paiva, in OESP


Marcelo Rubens Paiva
13/03/2016, 8:16...
Continuo um cara de esquerda.
Não sou comunista.
Me divirto quando me mandam ir pra Cuba.
Já fui e adorei, apesar de lamentar ver o socialismo fracassar numa ilha linda, com muita censura e perseguição política.
Rechaço os excessos da Justiça, do MP, a coerção, a imprensa monolítica e tendenciosa, a direita homofóbica, a violência contra o cidadão.
Mas parabéns ao povo brasileiro.
Coxa ou não, são brasileiros. Classe-média branca ou diversa, não interessa mais.
Numa data infeliz, 13 de março, que coincidiu com um comício radical que há 52 anos detonou o Golpe de 64, conseguiu-se uma manifestação enorme, histórica e, aplausos, pacífica.
Para encerrar uma semana tensa, com uma terrível rede de boatos nos afligindo dia a dia, post a post.
Não teve torcida organizada do Fla se encontrando com a do Flu no meio de avenidas e praças, deteriorando um cenário político já polarizado, numa batalha campal descontrolada.

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Não teve bomba, como se chegou a noticiar.
Não teve tropa nas ruas.
Não teve provocação generalizada ou brigas.
Não teve conflito armado, como se sugeriu pelas redes sociais e de amigos.
Grupos pró-PT, que organizavam a manifestação Sem Medo de Ser Feliz na região da Praça Roosevelt, a cancelaram prudentemente e em tempo.
Podemos dormir em paz.
Uma guerra civil não começa no Brasil.
Uma batalha jurídica, sim.
A manifestação de hoje foi serena.
Quem é pró-Dilma é obrigado a admitir: a manifestação de hoje coloca combustível na lutaconstitucional pelo impeachment.
O Brasil amadureceu.
Não fui à manifestação. Não acho que a culpa seja apenas do PT.
Mas aplaudo a capacidade de organização dos opositores.
E me surpreendi, como todos os analistas, pelas vaias que Aécio e Alckmin (que aliás não tinha nada que estar lá) receberam na Paulista, e por barrarem João Dória, candidato a candidato do PSDB à Prefeitura
Fora PT não significa Viva PSDB!
Fora PT não é mais Viva Cunha, como foi no começo.
A prepotência do partido, a dificuldade em reconhecer seus erros, a arrogância de quem está há 14 anos na Presidência, a desastrosa administração Dilma, seu embate entre a necessidade de reformas e as escrituras partidárias da base, os rolos com o livro-caixa e as escrituras de Lula e sua família, a radicalização do seu discurso, a violência contra a imprensa, especialmente contra repórteres de TV, especialmente contra repórteres de uma TV que, sim, erra em ser tendenciosa, levou mais aliados às manifestações.
O cenário não é o mesmo de 1950, 1954, 1962, 1964, 1966 ou 1968, quando golpistas enfrentavam uma rebelião de militares, capitães faziam greve, soldados e sargentos se rebelavam, generais se colocavam contra marechais, e civis foram vencidos pela linha-dura, diante de uma desordem militar.
Temos instituições, Poderes, Constituição, imprensa livre, eleições diretas e controle civil dos militares.
Temos uma democracia.

domingo, 13 de março de 2016

É com essa que eu vou - FERNANDO GABEIRA


O Globo - 13/03

Dilma tem respirado à custa da nossa asfixia. O governo cairá, está podre. Esse era o título de uma coluna em que falava da manifestação de hoje. Os fatos correm tão rapidamente neste capítulo final que sou obrigado a escrever novas versões a cada dia. Dois acontecimentos, entre tantos, representam uma espécie de salto na linha de notícias: a denúncia de Lula, seguida de um pedido de prisão, e os documentos que a Andrade Gutierrez entregou à Justiça sobre doações ilegais à Dilma, em 2014.

A denúncia de Lula se dá no contexto daquela cooperativa Bancoop que lesou três mil famílias e terminou com a cúpula em apartamentos no edifício Solaris, em Guarujá. Ainda não ouvi ninguém defendendo a trajetória da Bancoop, exceto um lacônico depoimento de João Vaccari. Para um partido igualitarista é um movimento mais condenável ainda, salvar a pele enterrando os outros. Ao ler o texto que pede a prisão de Lula, constato que o famoso vídeo feito pela deputada Jandira Feghali foi anexado a ele. No vídeo, Lula aparece ao celular dizendo que quer que enfiem o processo no cu. O vídeo rodou pela internet e parece revelar o oposto do que dizem os defensores de Lula sobre sua boa vontade para atender à Justiça.

Curiosamente, os celulares de Jandira e de Lula só foram possíveis com a quebra do monopólio nas teles, que eles tanto combateram. A antena da Oi em Atibaia mostra como passaram de adversários a intérpretes radicais da privatização das teles. Ela serve apenas ao sítio de Lula, os vizinhos não têm sinal. Se o vídeo foi mesmo usado pelos promotores, voltaremos ao poeta Jorge de Lima: “o mundo começa nos seios de Jandira”. E diremos que o mundo acaba no celular de Jandira. Mas ainda não acabará assim: o pedido de prisão será avaliado por uma juíza e pode ser rejeitado.

Ao longo desses anos, consumi muita energia combatendo os erros do PT e satélites. Uma de minhas expectativas, após o domingo, é de olhar para frente, imaginar que Lula, Dilma e o PT em breve podem sair da agenda. Os adversários definem muito o que somos.

Combater gente mentirosa, cheia de truques, mastigando vulgarmente alguns conceitos marxistas, talvez tivesse sentido no fim do século passado. Hoje, isto me dá uma sensação de perda de tempo, como se tivesse de fazer um giro pelas aldeias chinesas que acham que a ida do homem à lua não aconteceu, foi apenas propaganda mentirosa dos americanos.

Olhar para frente é apenas uma necessidade. Não vislumbro nada de grandioso. Pelo contrário, uma dura fase de transição, em que será preciso ajustar a economia para deter a queda livre do nosso PIB. Se as pessoas que saírem às ruas hoje compreenderem isto, vão querer se manter unidas mesmo depois da queda de Dilma. Não será tão fácil assim: caiu, soltamos fogos e voltamos ao nosso cotidiano.

Estamos diante de desafios que dependem de todos. Impossível reestruturar a economia sem uma base responsável na opinião pública. Impossível combater o mosquito e seus estragos sem uma ponte entre governo e sociedade. Mosquitos e, certamente, ratos multiplicam-se com nossa passividade. Dilma está fora do baralho. Ela vive um único objetivo: o de não cair. E todos, inclusive o PT, sabem que ela não tem experiência política, capacidade de articulação nem habilidade para conduzir a crise.

O PT e alguns delinquentes do PMDB, que estão em busca da quadrilha ideal, usam Dilma apenas para continuar no poder, usufruir os últimos instantes de um projeto que sabem condenado. Eles não se importam com o tamanho do buraco. A experiência recente da Espanha, por exemplo, mostrou como certos processos econômicos são devastadores para a juventude. O alto nível de desemprego impediu que uma geração realizasse seu potencial.

Lá, pelo menos, os jovens compreenderam isso e se revoltaram. Por causa disso também vou à manifestação. Não a limito apenas ao desejo de punir a corrupção, atropelar o cinismo e botar os saqueadores na cadeia. Eu a vejo como um feixe de compromissos. O primeiro deles é com a credibilidade que nos dê a chance de crescer. O segundo, e também importante: como foi possível que o Brasil tenha chegado a esse ponto, onde estávamos todos que não impedimos o país de ser levado ao abismo?

Sinais de incompetência não faltaram. Evidências de desvios tampouco. O país foi incapaz de deter o processo e até hoje há quem pense que os bandidos vão vencer no final: PT e PMDB continuarão nos assaltando pela eternidade. Como foi possível conviver com tanta ladroagem? Como foi possível aceitar versões tão enganadoras? Como foi possível cultuar o cinismo que nos corrói? Ainda agora, surgem as velhas trapaças. O PT ameaça soltar nas ruas barbudos de camisa vermelha, e há garotas fazendo gestos obscenos com o dedo.

Ao PT interessa a hipótese de conflitos. Se as pessoas tiverem medo, não sairão às ruas. E alguns cronistas vão dizer: caiu o ímpeto do impeachment, Dilma respira de novo. Dilma tem respirado à custa da nossa asfixia. O governo cairá, de qualquer maneira, porque está podre. Abundam provas contra ele por ter usado dinheiro roubado nas eleições. A delação de um diretor da Andrade Gutierrez comprova isso, assim como as transferências da Odebrecht para o marqueteiro João Santana.

Lula será preso em algum momento, porque também contra ele avolumam-se os indícios de ser o chefe da quadrilha. Para que Dilma, Lula e o PT prossigam incólumes, é preciso que o Congresso desapareça na podridão, que o Supremo se revele petista, que a própria Polícia Federal e o Ministério Público engulam suas investigações. E que todos fiquem em casa com medo dos homens de barba.

Deslizamentos e enchentes: culpar as chuvas mais uma vez?


As tragédias são recorrentes e anunciadas, resultado do descompromisso do poder público na questão, defende geólogo em artigo

ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS*
11/03/2016 - 15h48 - Atualizado 11/03/2016 16h42
A cada novo período chuvoso voltam às manchetes as mortes e sinistros associados a deslizamentos de encostas e enchentes. Tragédias insistentemente anunciadas, mas anualmente recorrentes dado ao descompromisso com que a administração pública em seus três níveis tem lidado com a questão.
Alagamento no Centro de Caieiras, na Grande São Paulo, na madrugada desta sexta-feira (11). Pessoas ficaram ilhadas, veículos ficaram submersos e alguns foram arrastados pelas águas (Foto: Nivaldo Lima/Futura Press/Folhapress)
Todos estão cansados de saber que esses fenômenos decorrem diretamente das formas equivocadas com que se expandem nossas cidades, impermeabilizando seus territórios, canalizando e retificando seus rios, ocupando terrenos como encostas de alta declividade e margens de córrego que não poderiam nunca ser ocupados dada sua já altíssima suscetibilidade natural a riscos, mas também ocupando terrenos de média declividade, onde a ocupação urbana seria aceitável, com a utilização de técnicas construtivas e urbanísticas totalmente inadequadas, que acabam transformando mesmo essas áreas em um verdadeiro canteiro de situações de risco.
E com toda essa realidade, escancarada anualmente pelo meio técnico e repercutida pelos meios de comunicação, a pungente verdade é que nossas autoridades sequer tomaram a providência mínima e cristalina de parar de errar, ou seja, parar de cometer os erros que estão na exata origem causal dessas tragédias de cunho geológico, geotécnico e hidrológico. Por conseqüência, o que se vê é,em vez da redução do número de áreas de risco, a sua contínua multiplicação.
Como resultado, uma perspectiva de futuro assustadora: as tragédias em áreas de risco tendem a crescer em frequência e letalidade, na exata proporção do crescimento de nossas cidades.
Dentro desse panorama é preciso que se compreenda que do ponto de vista técnico não há lacuna alguma nos conhecimentos básicos de geologia, geotecnia e hidrologia necessários para a boa solução desses problemas. Os fenômenos de enchentes e deslizamentos nos mais variados contextos geológicos do país são já bastante estudados e conhecidos. Os instrumentos que permitirão um correto planejamento do uso e ocupação do solo urbano são dominados, como a essencial Carta Geotécnica, um mapa municipal que informa sobre os locais que não poderão nunca ser ocupados e as áreas que poderão ser ocupadas caso sejam utilizadas as técnicas adequadas para tanto. Por paradoxal que possa parecer, o Brasil é liderança internacional nesse campo tecnológico.
Vale registrar apenas que não possuímos no país uma cultura técnica arquitetônica e urbanística especialmente adequada à ocupação de terrenos com maior declividade. Isso se verifica tanto nas formas espontâneas utilizadas pela própria população de baixa renda na auto-construção de suas moradias, como também em projetos privados ou públicos  de maior porte que contam com o suporte técnico de arquitetos e urbanistas e têm, apesar do erro básico e grave de concepção, sua implantação autorizada pelos órgãos municipais responsáveis para tanto.
Em ambos os casos, ou seja, no empirismo popular e nos projetos mais elaborados, prevalece infelizmente a cultura técnica da área plana. Isto é, através de cortes e aterros obtidos por operações de terraplenagem nas encostas obsessivamente se procura produzir platôs planos sobre os quais irá ser edificado o empreendimento. Um fatal erro técnico de concepção. Esse tem sido o cacoete técnico que está invariavelmente presente na maciça produção de áreas de risco nas cidades brasileiras que, de alguma forma, crescem sobre relevos mais acidentados.
Vale insistir, no entanto, a maior dificuldade para a boa solução desses problemas continua a residir na falta de vontade  e no descompromisso das administrações públicas em finalmente decidir ordenar corretamente a expansão urbana de suas cidades. Nesse mister é fundamental perceber que as populações mais pobres somente deixarão de optar por áreas de risco para instalar suas moradias quando o poder público, através de ousados Programas Habitacionais, lhes oferecer alternativas dignas e seguras de moradia na mesma faixa de custos que ela hoje só encontra na ocupação das áreas de risco. Essa é a verdade nua e crua da questão. Ou essa equação básica é resolvida ou a instalação de novas situações de risco sempre superarão em muito o esforço em desarmar as já instaladas.
Em resumo, é preciso que as autoridades públicas deixem de irresponsavelmente ver a questão das áreas de risco como um problema de Defesa Civil e Corpo de Bombeiros, por mais heróicas que sejam essas corporações, e passem a entendê-la como um elemento próprio do campo das Políticas Habitacionais e de Planejamento Urbano. Somente sob essa ótica a administração pública passará ao comando ativo da situação, deixando de agir apenas a reboque das tragédias, situação em que lhes sobra apenas a descompostura esperta de, como sempre, culpar as chuvas pelos infortúnios.
O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos (Foto: Arquivo Pessoal)

*Álvaro Rodrigues dos Santos é geólogo, ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT  - Instituto de Pesquisas Tecnológicas e autor do livro “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, entre outros. E-mail de contato: santosalvaro@uol.com.br