sábado, 18 de maio de 2013
A difícil abertura dos portos - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 18/05
Na mais longa deliberação parlamentar dos últimos tempos, criaram-se condições para a modernização de um elo-chave da infraestrutura
Apesar de todos os percalços, da ação feroz de lobbies e da falta de coordenação política da base por parte do governo — base que se esfacela quando estão em jogo interesses de grupos e corporações —, aprovou-se um conjunto de normas capazes de abrir um novo ciclo de modernização num elo estratégico da precária infraestrutura brasileira.
Mas que necessitarão de um esmerilhamento por parte do Planalto, talvez por meio de vetos e/ou regulamentações, para que se restaure na integralidade o espírito da MP original, destinada a dar um choque de eficiência no setor, pelo estímulo à concorrência entre terminais, via ruptura de cartórios de empresários e sindicatos, e mais investimentos. Deverá levar algum tempo a decantação de tudo o que foi aprovado, em meio a uma guerra de emendas e contraemendas, para se ter um mapa real da nova regulação portuária, a fim de que o Planalto decida com segurança o que fazer em alguns pontos alterados na Câmara.
Um dele é a renovação de contratos de exploração de áreas em portos públicos, assinados com grupos privados depois da lei de 1993. A versão original da MP 595 revogava os contratos, para se fazer novas licitações. O governo perdeu para lobbies na Câmara, e passou a haver a possibilidade de prorrogá-los, segundo emenda inspirada pelo próprio Planalto, consta que para apressar a votação.
Para não contrariar o espírito desta nova abertura dos portos, o ideal é não haver renovações automáticas, a fim de serem atraídos novos grupos e haver margem para se exigir maior eficiência. A presidente Dilma terá até 5 de junho para decidir.
O saldo da guerra é bastante positivo. As 39 horas de debates consumidas na Câmara e no Senado, em três dias, são tempo recorde de deliberação no Legislativo sobre um tema, pelo menos desde a rejeição da Emenda das Diretas, de Dante Oliveira, em abril de 1984, depois de 15 horas de embate parlamentar.
A modernização nas regras portuárias se equipara a reformas liberalizantes empreendidas na Era FH. Vai no mesmo sentido a permissão para a exploração de portos por empresas que não tenham carga própria. Elas poderão competir com outros terminais em qualidade de serviço e tarifas. E não estão obrigadas a contratar estiva por meio do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), entidade criada na legislação de 1993 para conciliar os interesses de empresas concessionárias e sindicatos. Em relação ao que existia antes foi um avanço. Mas terminou superado pelas necessidades de ganhos de produtividade da economia brasileira.
A existência desses portos livres servirá de pressão para que os terminais públicos, onde continuarão a existir Ogmos, se tornem mais eficientes.
Criadas as condições para se desobstruir gargalos nos portos, é preciso enfrentar com o mesmo vigor o nó das rodovias e ferrovias. Portos mais modernos pouco poderão ajudar no aumento da competitividade do país se não estiverem ligados a uma infraestrutura robusta.
A incrível lambança - ALBERTO DINES
GAZETA DO POVO - PR 18/05
Desafio mínimo, para aprovar o texto preparado pelo governo bastava uma maioria simples na Câmara. Resultado: a votação estendeu-se por três dias, durou exatas 41 horas – a mais longa do Parlamento brasileiro – e deixou ao Senado apenas 12 horas para ser apreciada, na mais flagrante desmoralização da nossa suprema instância legislativa.
Indignado, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) declarou que nem durante a ditadura militar os senadores eram constrangidos de forma tão acintosa. O próprio presidente do Senado, Renan Calheiros, prometeu que essa seria a última vez que a Casa seria submetida ao vexame de engolir sem examinar matéria oriunda da Câmara.
O mais curioso é que o encarniçamento não partiu da oposição, que apenas tentou explorar politicamente a evidente fragmentação da base de apoio ao governo. Não discutiu os méritos, a medida provisória dos portos era reclamada por todos os interessados em modernizar nossa infraestrutura e acabar com os gargalos logísticos que comprometem nossas exportações.
O que se discutiu com veemência foi o desembaraço e o descaramento exibidos pelos lobbies dos grupos econômicos e a obsessão do velho sindicalismo em manter os privilégios de antigas corporações profissionais. Mesmo assim, o governo foi obrigado a desembolsar cerca de R$ 1 bilhão para comprar a boa vontade de parlamentares renitentes aprovando suas emendas ao orçamento.
A luta foi intestina, travou-se nas entranhas do principal aliado do governo, o PMDB, e teve como protagonista o próprio líder do partido na Câmara Federal, Eduardo Cunha, que preferiu manter-se fiel aos seus interesses pessoais, esquecendo-se dos compromissos que o levaram à função.
O nível da retórica acompanhou os absurdos da situação: Cunha, que já foi radialista, atracou-se verbalmente com outro ex-radialista, Anthony Garotinho, líder do PR. Esquecidos do decoro, enxovalharam-se mutuamente e forneceram aos futuros historiadores o registro preciso de um dos momentos mais infelizes da história republicana.
A incrível lambança foi fruto de um estresse injustificado: a chapa PT-PMDB para 2014 consolida-se diante de cada sufoco. Os potenciais adversários da dupla Dilma Rousseff-Michel Temer ainda patinam nos respectivos egos e alguns indicadores econômicos, embora tímidos, sugerem uma conjuntura mais favorável no período 2013-2014.
Não obstante, mantém-se o clima de crise. Com tantos ministros e ministérios envolvidos na questão dos portos – pelo menos cinco sob o ponto de vista temático – a exaustiva operação foi tocada pelas ministras-chefes da Casa Civil e Relações Institucionais amparadas pelo maior especialista em sobrevivência na selva política – o vice-presidente da República.
A fórmula de muitos caciques e poucos índios reproduz-se de forma incontrolável e cria um modelo de estrutura centralizada, burocrática, geralmente inútil, incapaz de antecipar-se às ameaças e, sobretudo, dar um sentido aos avanços.
Longamente ansiada, a abertura dos portos em 28 de janeiro de 1808 abriu o caminho para a nossa emancipação 14 anos depois. Essa abertura em 2013 foi sofrida, penosa. Todos têm razões para esquecer o pesadelo.
Desafio mínimo, para aprovar o texto preparado pelo governo bastava uma maioria simples na Câmara. Resultado: a votação estendeu-se por três dias, durou exatas 41 horas – a mais longa do Parlamento brasileiro – e deixou ao Senado apenas 12 horas para ser apreciada, na mais flagrante desmoralização da nossa suprema instância legislativa.
Indignado, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) declarou que nem durante a ditadura militar os senadores eram constrangidos de forma tão acintosa. O próprio presidente do Senado, Renan Calheiros, prometeu que essa seria a última vez que a Casa seria submetida ao vexame de engolir sem examinar matéria oriunda da Câmara.
O mais curioso é que o encarniçamento não partiu da oposição, que apenas tentou explorar politicamente a evidente fragmentação da base de apoio ao governo. Não discutiu os méritos, a medida provisória dos portos era reclamada por todos os interessados em modernizar nossa infraestrutura e acabar com os gargalos logísticos que comprometem nossas exportações.
O que se discutiu com veemência foi o desembaraço e o descaramento exibidos pelos lobbies dos grupos econômicos e a obsessão do velho sindicalismo em manter os privilégios de antigas corporações profissionais. Mesmo assim, o governo foi obrigado a desembolsar cerca de R$ 1 bilhão para comprar a boa vontade de parlamentares renitentes aprovando suas emendas ao orçamento.
A luta foi intestina, travou-se nas entranhas do principal aliado do governo, o PMDB, e teve como protagonista o próprio líder do partido na Câmara Federal, Eduardo Cunha, que preferiu manter-se fiel aos seus interesses pessoais, esquecendo-se dos compromissos que o levaram à função.
O nível da retórica acompanhou os absurdos da situação: Cunha, que já foi radialista, atracou-se verbalmente com outro ex-radialista, Anthony Garotinho, líder do PR. Esquecidos do decoro, enxovalharam-se mutuamente e forneceram aos futuros historiadores o registro preciso de um dos momentos mais infelizes da história republicana.
A incrível lambança foi fruto de um estresse injustificado: a chapa PT-PMDB para 2014 consolida-se diante de cada sufoco. Os potenciais adversários da dupla Dilma Rousseff-Michel Temer ainda patinam nos respectivos egos e alguns indicadores econômicos, embora tímidos, sugerem uma conjuntura mais favorável no período 2013-2014.
Não obstante, mantém-se o clima de crise. Com tantos ministros e ministérios envolvidos na questão dos portos – pelo menos cinco sob o ponto de vista temático – a exaustiva operação foi tocada pelas ministras-chefes da Casa Civil e Relações Institucionais amparadas pelo maior especialista em sobrevivência na selva política – o vice-presidente da República.
A fórmula de muitos caciques e poucos índios reproduz-se de forma incontrolável e cria um modelo de estrutura centralizada, burocrática, geralmente inútil, incapaz de antecipar-se às ameaças e, sobretudo, dar um sentido aos avanços.
Longamente ansiada, a abertura dos portos em 28 de janeiro de 1808 abriu o caminho para a nossa emancipação 14 anos depois. Essa abertura em 2013 foi sofrida, penosa. Todos têm razões para esquecer o pesadelo.
Governos fracassados - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 18/05
SÃO PAULO - De modo geral, sou um otimista. Basta utilizar a lente dos séculos em vez da dos anos para constatar que melhoramos muito. Em 1900, que é um ontem em termos históricos, a expectativa de vida do brasileiro era de 33 anos e a renda per capita batia no equivalente a US$ 369. Hoje, esses números são respectivamente 74 e US$ 11 mil.
Basta, porém, avaliar o desempenho das administrações brasileiras dos últimos 30 anos para que o otimismo seja temperado por pitadas de pessimismo. Como a tendência é que as coisas sempre evoluam --apesar dos governos--, o melhor jeito de medir a performance é apanhar um problema concreto, cuja solução técnica é quase unânime, e ver o que foi feito. O resultado é desanimador.
Tomemos o caso dos portos. Desde que eu era um jovem jornalista, fala-se na urgência de aperfeiçoar a infraestrutura portuária. Praticamente todos concordam que é preciso ampliar a produtividade e baratear o frete das exportações. Também é quase consensual que o caminho para fazê-lo passa por eliminar privilégios e azeitar o setor com um pouco da saudável concorrência. Esse diagnóstico existe há 20 anos, mas os avanços foram mínimos. Tentou-se resolver agora em dois dias o que não se fez nas últimas duas décadas.
Situações semelhantes se verificam em vários outros campos. Na educação, até conseguimos oferecer escola para todos. O nível do ensino ministrado, porém, é assustadoramente ruim. A questão previdenciária também caminhou, mas muito menos do que seria necessário. E, dentro de um par de décadas, nosso bônus demográfico terá se esgotado, gerando sérias dificuldades para o sistema. Mais uma vez, teremos de fazer de afogadilho uma reforma que teria sido preferível conduzir de forma suave através dos anos.
A verdade é que, no que diz respeito a decisões estratégicas para o país, nossos últimos governos deixaram todos muito a desejar.
SÃO PAULO - De modo geral, sou um otimista. Basta utilizar a lente dos séculos em vez da dos anos para constatar que melhoramos muito. Em 1900, que é um ontem em termos históricos, a expectativa de vida do brasileiro era de 33 anos e a renda per capita batia no equivalente a US$ 369. Hoje, esses números são respectivamente 74 e US$ 11 mil.
Basta, porém, avaliar o desempenho das administrações brasileiras dos últimos 30 anos para que o otimismo seja temperado por pitadas de pessimismo. Como a tendência é que as coisas sempre evoluam --apesar dos governos--, o melhor jeito de medir a performance é apanhar um problema concreto, cuja solução técnica é quase unânime, e ver o que foi feito. O resultado é desanimador.
Tomemos o caso dos portos. Desde que eu era um jovem jornalista, fala-se na urgência de aperfeiçoar a infraestrutura portuária. Praticamente todos concordam que é preciso ampliar a produtividade e baratear o frete das exportações. Também é quase consensual que o caminho para fazê-lo passa por eliminar privilégios e azeitar o setor com um pouco da saudável concorrência. Esse diagnóstico existe há 20 anos, mas os avanços foram mínimos. Tentou-se resolver agora em dois dias o que não se fez nas últimas duas décadas.
Situações semelhantes se verificam em vários outros campos. Na educação, até conseguimos oferecer escola para todos. O nível do ensino ministrado, porém, é assustadoramente ruim. A questão previdenciária também caminhou, mas muito menos do que seria necessário. E, dentro de um par de décadas, nosso bônus demográfico terá se esgotado, gerando sérias dificuldades para o sistema. Mais uma vez, teremos de fazer de afogadilho uma reforma que teria sido preferível conduzir de forma suave através dos anos.
A verdade é que, no que diz respeito a decisões estratégicas para o país, nossos últimos governos deixaram todos muito a desejar.
Assinar:
Postagens (Atom)