domingo, 12 de maio de 2013

Violência nas escolas


O Estado de S.Paulo
As agressões físicas e morais contra professores da rede escolar pública de São Paulo chegaram a um nível em que o problema ultrapassa a responsabilidade das autoridades educacionais e passa a ser da Secretaria da Segurança Pública e do Ministério Público. É o que se depreende de uma pesquisa do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), que foi realizada em 167 municípios paulistas e ouviu mais de 1,4 mil docentes.
Segundo o levantamento, 44% dos professores da rede estadual de ensino básico já sofreram algum tipo de violência. As agressões mais comuns são as verbais (39%) e o assédio moral (10%). Já a violência física foi relatada por 5% dos entrevistados. O porcentual parece pequeno, mas as agressões cada vez mais colocam em risco a integridade física dos docentes.
Em Sorocaba, por exemplo, repreendida por não ter feito o dever de casa, uma estudante da 3.ª série do ensino médio agrediu o professor de geografia golpeando-o no rosto com um capacete de motociclista. A aluna foi suspensa, mas a mãe foi à escola para agredir verbalmente o professor. Em resposta, um grupo de alunos se solidarizou com o docente e se negou a entrar na classe, o que levou o diretor a suspender as aulas.
Até recentemente, as agressões físicas e morais contra professores se concentravam nas escolas dos bairros mais pobres. Hoje, o problema ocorre em quase toda a rede escolar estadual, independentemente do perfil social e econômico dos bairros onde os colégios estão localizados.
Numa escola estadual do bairro do Limão, na zona norte da capital, alunos atearam fogo nas cortinas das salas de aula. Também lançaram um livro de 400 páginas contra o rosto de um professor. E ainda agrediram fisicamente a diretora com tapas e puxões de cabelo.
Nos colégios do Jardim Ângela, bairro da zona sul situado próximo da Represa de Guarapiranga, numa área que já foi classificada como uma das mais violentas do mundo, as escolas não conseguem terminar o ano letivo com os mesmos docentes que deram as primeiras aulas. Por não suportar agressões sucessivas e não conseguir que os autores sejam efetivamente punidos, muitos docentes acabam entrando em depressão, pedindo transferência ou licença médica e até desistindo da carreira. A área é tão problemática que policiais militares se recusam a fazer o "bico oficial" nas vagas oferecidas pela Prefeitura, em seus dias de folga.
Já nas Perdizes, bairro de classe média, alunos jogaram uma bomba no pé de um professor de biologia, quando escrevia na lousa. "Tive de ir para fora da sala, fiquei em estado de choque e acabei urinando nas calças. Tive uma Síndrome do Pânico, mesmo sem ter me ferido. Fui levado ao hospital, onde fui medicado, e fiquei afastado da escola por 120 dias", diz ele.
Pela pesquisa da Apeoesp, os colégios estaduais com menor número de agressões físicas e morais contra professores são os que já foram objeto de campanha contra a violência. Em média, as taxas de agressão nessas escolas são 10% menores do que nas demais. Para 74% dos docentes entrevistados, a falta de educação e respeito dos alunos - valores que deveriam ser ensinados em casa - é a principal causa das agressões. As autoridades educacionais alegam que, para "prevenir" a violência, implantaram em 2009 um Sistema de Proteção escolar que criou a figura do "professor comunitário", responsável por mediar conflitos. Segundo a Secretaria da Educação, 2,7 mil docentes treinados já estão trabalhando em 40% das escolas estaduais - a meta é atingir todos os demais colégios em 2014.
Mas essa é uma política de eficácia duvidosa. Quando alunos agridem professores, o problema não é de mediação ou arbitragem, mas de desrespeito ao princípio da autoridade. E isso exige não só sindicâncias administrativas, mas abertura de inquérito criminal, proposição de ações judiciais e aplicação de penas severas. Quem agride física ou moralmente um professor tem de responder, assim como seus responsáveis, por esses atos.

A estúpida banalização da maldade


Gaudêncio Torquato*
Qual a relação entre expansão da criminalidade e insatisfação social? Tudo a ver, seja na visão da corrente sociológica, seja na perspectiva da vertente econômica. A primeira argumenta que a queda da desigualdade entre classes diminui a insatisfação social, fazendo refluir a violência; a segunda levanta a hipótese de que o ganho com ações ilegais diminui ante o aumento da renda das famílias. Vejamos os dados de fundo: entre 2001 e 2011 a renda dos 10% mais ricos cresceu 16,6% e a dos mais pobres, 91,2%. A numerologia abriga, ainda, 19 milhões de empregos com carteira assinada e a estatística de 35 milhões de brasileiros que nos últimos dez anos ascenderam à classe média, hoje somando 52%, ou mais de 100 milhões de pessoas. Diante da evidência de que o País ganhou um dos maiores (e mais retumbantes) programas de distribuição de renda da contemporaneidade, restaria fechar o parágrafo com aplausos ao corolário: a violência diminui no Brasil graças ao aumento do Produto Nacional Bruto da Felicidade.
Verdade? Não. Sofisma.
A comunidade vive em clima de medo e insegurança. Por todo lado se multiplica a marca da violência. A viseira que embute satisfação não consegue esconder a coleção de crimes cometidos nos últimos tempos, que, pela inexcedível crueldade, puxam o Brasil para os primeiros lugares do ranking mundial da barbaridade. Basta ilustrar com casos que borram o maior cartão-postal do País, o Rio de Janeiro: o estupro de uma americana dentro de uma van e a agressão a seu namorado francês, o assalto a três turistas argentinas nos Arcos da Lapa e, mais recente, o estupro de uma mulher dentro de um ônibus por um jovem de 16 anos, flagrado por uma câmera de vídeo. Em São Paulo, expandem-se episódios de extrema violência, como o que vitimou há dias um empresário que meses antes tentara fazer um boletim de ocorrência sobre tentativa de assalto e foi tratado com descaso pelo delegado. Em Goiânia morreu a menina de 11 anos baleada ao tentar defender o pai durante briga numa pizzaria. A série criminosa é tão povoada de absurdos que o Brasil começa a fazer parceria com a Índia, onde, recentemente, uma criança de 5 anos morreu após ser estuprada por dois homens.
O fato é que o roteiro de monstruosidades não combina com o retrato de bem-estar com o qual se procura apresentar o País. O que explica o clima de insegurança que permeia os mais diferentes espaços, das margens ao centro, quando as trombetas da administração fazem ecoar hinos ao conforto social resultante de um programa-símbolo de distribuição de renda? Ou será que, no caso da criminalidade, não se pode usar o termômetro da igualdade/desigualdade social para explicar o fenômeno? A questão causa polêmica e boa dose de contradição.
A PUC-Rio fez um estudo para o Banco Mundial em que mostra que a redução da desigualdade via Bolsa-Família foi a principal causa da diminuição da violência em São Paulo entre 2006 e 2009. A expansão do programa, segundo o pesquisador João Manoel Pinho de Mello, teria sido responsável por 21% do total da queda de criminalidade. Em 2012, porém, o número de homicídios em São Paulo cresceu 34% em relação ao ano anterior - 1.368 mortes versus 1.019. No quadro geral da criminalidade em todo o Estado, o incremento foi de 15%. Já no primeiro trimestre do ano, a capital registrou um aumento de 18% no número de homicídios dolosos, numa expansão que vem ocorrendo há mais de oito meses.
Diante da aparente contradição entre mais igualdade social e maior taxa de criminalidade, faz-se necessário colocar no caldeirão da violência outros ingredientes, a começar pela obsolescência do Código Penal, que escancara o descompasso entre a brutalidade de crimes e as penas brandas atribuídas. O mesmo se pode dizer do Estatuto da Criança e do Adolescente, que carece de atualização para acompanhar os avanços tecnológicos e o instrumental formativo/informativo que eleva as condições dos jovens. A par de problemas endógenos da estrutura policial - carência de casas de custódia e de presídios, mandados de prisão descumpridos, grau elevado de letalidade nas intervenções policiais, corrupção, etc. -, espraia-se pelo território o consumo de drogas e álcool, na esteira da massificação dos produtos identificados com diversão e ócio. Também a morosidade da Justiça leva à sensação de impunidade. E as brechas do sistema normativo contribuem para a banalização de atos ilícitos, que encontram terreno fértil para prosperar nas camadas mais pobres, particularmente entre os jovens. A extrema pobreza atinge, hoje, 12,2% dos 34 milhões de jovens brasileiros, cujas famílias auferem renda per capita de até um quarto do salário mínimo.
A conclusão é inescapável. O Brasil prepara-se com muito temor para sediar os dois mais importantes eventos esportivos da era moderna, Copa do Mundo e Olimpíada. A esta altura deveria empenhar-se para exibir a estética de seus estádios e cidades (como já faz a Rússia para 2018) e estender os braços do Cristo no Corcovado aos milhares de turistas que para cá se deslocarão, eis que feias nódoas mancham suas belas paisagens, gerando incertezas sobre a segurança dos visitantes. Sejamos realistas. Daqui a um ano é pouco provável que tenhamos um ambiente social mais harmônico e menos turbulento. Continuaremos a ser o país que concentra 3% da população e 9% dos homicídios no mundo. E que nos últimos 30 anos registra mais de 1,1 milhão de vítimas de homicídio. Não é de espantar que a onda de crimes cada vez mais hediondos esteja banalizada. Mataram mais uma criança? Ah! Estupraram mais uma moça? Oh! O pai assassinado deixou quatro filhos? Ih! Amanhã teremos mais.     * Jornalista. Professor titular da USP e consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

Presidencialismo de amarração


Ivan Marsiglia
A nova jabuticaba política nacional, Guilherme Afif Domingos, só pode ser transgênica. É um híbrido de duas espécies até então incompatíveis: uma dá no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, outra no Palácio do Planalto, em Brasília. A posse, na quinta-feira, do vice-governador da administração tucana de Geraldo Alckmin como ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa pela presidente petista Dilma Rousseff superou as mais surreais expectativas sobre o vale-tudo da política brasileira. 
Desde então, o professor de sociologia e política do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Carlos Melo, tem tentado entender o estranho fruto. “Afif está inaugurando a onipresença política, pretendendo servir a dois senhores ao mesmo tempo”, diz o autor de Collor, o Ator e suas Circunstâncias (Editora Novo Conceito, 2007). Para Melo, o vice da oposição que é ministro da situação demonstra quanto os governos brasileiros se tornaram dependentes de aliados como o PMDB de Renan e Henrique Alves e o PSD de Afif e Gilberto Kassab, cujo único projeto é estar no poder. E evoca a sintomática atualidade da frase de Tancredo Neves sobre o antigo (e de sigla homônima) Partido Social Democrático: “Entre a Bíblia e O Capital, o PSD fica com o Diário Oficial”. 
O professor identifica a exaustão do até agora relativamente funcional “presidencialismo de coalizão” brasileiro – cujos custos aumentam a cada reeleição do grupo político que está no poder – nas dificuldades crescentes do governo Dilma no Congresso. “Não se aprova a reforma do ICMS nem a legislação dos portos, e até os vetos da presidente são derrubados.” 
Que tal a nova jabuticaba brasileira?
É uma jabuticaba criativa, de duas cores: azul e vermelha ao mesmo tempo. Ela engendra uma relação entre dois partidos que estão em campos opostos há anos. A questão não é apenas ocupar dois cargos públicos ao mesmo tempo. Mas ocupar espaços e pressupostos absolutamente diferentes. Se o Brasil estivesse em um governo de união nacional, em uma situação em que todas as forças políticas tivessem que estar presentes, faria algum sentido. Obviamente não é o caso. 
Afif pertence ao PSD do ex-prefeito Kassab, partido novo que agremiou, em tempo recorde, uma das maiores bancadas do País. Como entender isso?
Um tempo atrás, o STF tomou a decisão de defender a fidelidade partidária: que um parlamentar eleito pelo partido A teria que continuar nele até o final de seu mandato. Do contrário, o perderia. Aí a “criatividade” da política brasileira produziu uma outra jabuticaba: se ele não podia mudar de partido no meio do mandato, podia ir para um novo. Então, começou a ser um grande negócio criar partidos ou fundir legendas debaixo de um novo nome. Isso aconteceu com o velho DEM, que antes era PFL, aliado histórico do PSDB desde 1994. Afif se elege vice-governador na lógica do velho DEM, que era de oposição renhida ao governo do PT. No entanto, a brecha para se fundar um novo partido, com uma nova cara, outro posicionamento, resultou no PSD – que diz, com todas as letras, pela boca de seu presidente, que “não será de direita, não será de esquerda, nem de centro”! Nesse sentido, Afif é coerente com a incoerência de seu partido, essa coisa sem forma nem cor. 
O PSD é uma novidade no quadro partidário historicamente confuso do País?
Se me permite uma digressão, há uma coincidência interessante. O PSD é uma sigla que já existiu no passado, entre 1946 e 1964, o “partido das raposas”, criado pela mão de Getúlio Vargas. Uma das muitas raposas do PSD foi o ex-presidente Tancredo Neves, que tinha uma frase ótima naquele contexto da Guerra Fria e serve como uma luva ao partido atual: “Entre a Bíblia e O Capital, o PSD fica com o Diário Oficial”. Afif foi além, ficou com dois diários oficiais. 
A lei determina que ele abra mão de um dos ordenados dos cargos: R$ 19,6 mil como vice-governador ou R$ 26,7 mil como ministro...
O que nem é importante para ele, um empresário de sucesso, que não está na política por causa do salário. Pode ser até que Afif opte pelo salário menor. Mas se fizer isso tampouco será por consciência, mas para vender a ideia de que faz isso “contra meus próprios interesses” (Afif acabou optando pelo salário maior). O que tem importância é o espaço político que ele imagina preservar lá e cá. Está inaugurando a onipresença política, pretendendo servir a dois senhores. 
Será possível servir bem a ambos?
Ou bem ele é isolado em um dos dois grupos ou não terá a confiança de nenhum dos dois. Se Afif exercer plenamente, de maneira integrada, o cargo em São Paulo e o ministério em Brasília, tem que virar presidente da República, porque vai conseguir o prodígio de juntar PT e PSDB – coisa que nem Lula, nem Fernando Henrique, Tasso Jereissati ou Mário Covas conseguiram. Não houve santo nesta terra que tenha feito esse milagre. 
O filósofo Marcos Nobre, da Unicamp, cunhou a expressão ‘peemedebização’, a composição de um centro tão heterogêneo no Congresso que este se torna incapaz de aprovar qualquer inovação política. O PSD quer esse mesmo papel de fiel da balança? 
Gosto dessa tese do Marcos Nobre. Mas a “peemedebização” já vem da “pessedização” original dos anos 1940 para os 60. O PSD à época já servia como fiel da balança nos conflitos entre UDN e PTB. O PMDB descobriu isso: para ele não é interessante ter candidato a presidente da República, pois seja lá quem ganhe, sempre sai vitorioso. De modo que o PMDB já tinha no PSD antigo uma referência histórica, assim como o atual PSD. O partido de Kassab e Afif sabe que essa é a fórmula mais adequada ao fisiologismo brasileiro: estar bem com todo mundo, fincar pé em todas as canoas e trabalhar com essa ambiguidade. 
Quais é a consequência dessa eterna reprodução do fisiologismo nacional?
A consequência é que não há projetos voltados a algum tipo de transformação social lá no fim. O que há são projetos de poder, de ocupação de espaço. Tem uma frase no Alice no País das Maravilhas que acho fantástica. Alice pergunta ao gato: “Para onde vai essa estrada?” O gato devolve: “Mas para onde você quer ir?” Alice diz: “Não sei”. E o gato fala: “Para quem não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve”. No caso do Brasil não é nem que não saibam para onde ir, eles querem ir para todos os lados. Para onde quer que haja uma migalha de poder a ser recolhida.
A disputa pelo tempo de TV é um dos responsáveis por isso?
O tempo de TV se transformou, ao longo da história e das mudanças da legislação no País, na principal moeda de troca. E, depois, a garantia de segurança no Parlamento: compor maiorias para não ter investidas que desestabilizem o governo, como CPIs. Nessa lógica competitiva, preciso trazer o maior número de partidos e mais tempo de TV para minha coligação, deixando o mínimo para meu adversário. 
Alguns cientistas políticos brasileiros afirmam que, apesar de suas distorções, o presidencialismo de coalizão é uma fórmula vitoriosa, que conferiu estabilidade à democracia do País. O sr. discorda?
É algo que tenho formulado há algum tempo. Concordo com a forma com que meus colegas vinham analisando o presidencialismo de coalizão. Ele de fato forma maiorias. Tem um custo, na distribuição do espaço no governo, mas os partidos votam de acordo com os objetivos do Executivo. Implementa-se uma agenda. Isso é uma maravilha, mas só quando se tem alternância no poder. Por quê? No primeiro mandato, o presidente tem 25 mil cargos para distribuir e formar essa maioria. Os partidos o procuram, cortejam, o presidente vira uma grande noiva. É o período de lua de mel. Maioria formada, dois anos depois é preciso pensar na reeleição. Aí os partidos dizem: “Olha, aquele acordo tem de ser revisto, porque não estou mais satisfeito. Quero mais”. E o presidente, que já tinha distribuído os cargos, começa a entrar nas joias da coroa: postos importantes nas estatais. Você deve se lembrar do Severino Cavalcanti: “Não quero uma diretoria qualquer da Petrobrás. Quero aquela que faz buraco e acha petróleo”. Hoje, vivemos uma situação em que tivemos eleição, reeleição e sucessão. E quando se chega ao terceiro mandato, já se distribuiu tudo que era possível, compôs-se uma base de 400 deputados, só que ela não vota mais de acordo com o que o governo quer. Há um efeito voracidade, que leva o presidencialismo de coalizão a um ponto de exaustão. 
É essa exaustão que estamos vendo agora?
A tal ponto que se precisou dar um cargo na Comissão de Direitos Humanos ao pastor Feliciano. O problema já era perceptível no início do governo Dilma. Mas a fase em que entramos é ainda pior: a reeleição na sucessão. Os acordos não são duráveis, a cada novo projeto o Legislativo quer rediscutir mais espaço. E não se consegue mais tocar uma agenda – tudo precisa ser negociado ponto por ponto. A voracidade chegou a tal nível que o governo Dilma não consegue mais aprovar nada. Não aprova a reforma do ICMS, nem a legislação dos portos e até os vetos da presidente são derrubados. 
O fim da reeleição, que chegou a ser aventado por Aécio Neves, seria uma solução?
Vou usar aqui um clichê, me perdoe. O marido chega em casa e encontra a mulher traindo-o com outro no sofá. Então, pega e joga fora o sofá. O problema não é a reeleição, é a mentalidade, a prática política, que se utiliza da reeleição para se expandir. Precisamos não de uma reforma política, mas de uma reforma da política, da concepção que temos dessa atividade. Chegamos à total exaustão quando um determinado personagem se vê no direito de ser ministro do governo de um partido e vice de um governo de outro partido. 
A velha oposição entre principismo e pragmatismo ganhou outra dimensão no Brasil? 
Quem viu o filme Lincoln sabe da polêmica que ele levanta, sobre como o presidente americano comprou deputados para aprovar a abolição da escravatura. “Está vendo, até o Lincoln teve que fazer isso”, dizem uns. Só que ali é pragmatismo em nome de um princípio muito claro, a abolição. Aqui é pragmatismo em nome do quê? Você precisa ter princípios norteadores que não sejam camisas de força. Tem que saber ceder, aqui e acolá, sem perder a essência. Mas o pragmatismo sem princípios está se revelando tão ineficaz quanto o principismo sem pragmatismo. O pragmatismo sem princípios dá em Danton; princípios sem pragmatismo dão em Robespierre. Tanto um quanto outro terminaram na guilhotina. 
Qual o primeiro passo para a mudança de mentalidade de que precisamos?
Retomo a pergunta: qual é o projeto? O PSDB ainda pode dizer “queremos criar instituições democráticas e impessoais”. O PT, “estamos trabalhando para distribuir renda”. Tanto um quanto outro douram a própria pílula, mas tudo bem. Mas e quanto ao PSD? O PMDB? Você já viu Kassab, Renan, Henrique Alves ou Eduardo Cunha externando qualquer coisa nesse sentido? Vivemos um processo de seleção adversa na política: não são mais os melhores que a fazem. É preciso recuperar a ideia da política como atividade nobre. O primeiro passo é deixar a crise mostrar que não estamos bem, há um impasse, e explicitar esse desconforto. O segundo é compreender que temos patinado num processo que poderia ser mais ágil. Temos condição de fazer mais, como aliás todos os candidatos estão dizendo – inclusive a própria presidente Dilma. Está na hora de perceber que, por mais que tenhamos dado um salto de 1994 para cá, está na hora de dar outro. E estamos com as pernas amarradas.