sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Internação por tráfico passa de 3 mil e causa falta de vagas na Fundação Casa


BRUNO PAES MANSO, RODRIGO BURGARELLI - O Estado de S.Paulo
O aumento das internações de adolescentes por tráfico já causa falta de vagas nas unidades da Fundação Casa no Estado de São Paulo. Hoje, há 9.039 jovens cumprindo medidas socioeducativas de internação ou de semiliberdade nas 141 unidades da instituição - que tem 9 mil vagas disponíveis, mesmo depois da reforma e da ampliação de unidades ocorrida nos últimos seis anos.
Fachada da unidade Brás, onde um adolescente morreu ao tentar fugir - José Patricio/AE
José Patricio/AE
Fachada da unidade Brás, onde um adolescente morreu ao tentar fugir
O rigor dos juízes das comarcas do interior, que internam até jovens primários acusados de tráfico de drogas, contrariando súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é uma das explicações. Atualmente, 72% dos jovens internados no interior cumprem medidas por acusação de tráfico de drogas. Em cidades como Franca, São Carlos e Araçatuba, o total de acusados por tráfico chega a 90%.
Do interior para a capital. Considerando todo o Estado, 42% (3,7 mil) foram para a fundação por tráfico. Mas a maioria das internações na capital ocorre por causa de roubos. "O resultado desse excesso de condenações no interior é que estamos tendo de trazer jovens dessas unidades para cumprir as medidas socioeducativas na capital", afirma a presidente da Fundação Casa, Berenice Giannella.
Depois de uma grave crise vivida em 2005 pela antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), o governo estadual iniciou uma política de descentralização e ampliação de vagas. Foram construídos 60 centros socioeducativos, para 56 adolescentes cada.
As novas 3.360 vagas foram feitas principalmente no interior. Antes da reforma, 81% dos internos cumpriam pena na capital. Nas 18 unidades do Tatuapé, por exemplo, cabiam 180 jovens. Essa situação se inverteu depois da reforma e hoje só 39% dos internos estão na capital.
Apesar da expansão, a mudança na Lei de Drogas fez crescer também o número de internos. A legislação concedeu aos policiais militares a tarefa de determinar se os suspeitos eram traficantes ou consumidores, aumentando o total de internações. Em 2006, 5.936 jovens cumpriam algum tipo de medida, enquanto, em julho de 2012, já eram 8.312, segundo dados oficiais da instituição - e superou-se nesta semana a casa dos 9 mil.
A maior parte dos adolescentes (6.062) estava em internação, que, legalmente, pode durar até três anos. Outros 1.694 cumprem internação provisória, de até 45 dias, e outros 556 estão em semiliberdade - podem sair durante o dia para fazer aulas ou cursos e devem voltar para o pernoite. Todas essas três categorias registraram aumentos similares desde 2006. "Algumas unidades estão piores. Mas temos autorização do Tribunal de Justiça para trabalhar 15% acima da capacidade. Os juízes parecem não se sensibilizar com a situação", diz Berenice.

Sabor jabuticaba


Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
O voto em urna eletrônica e a transmissão ao vivo de julgamentos do Supremo Tribunal Federal são daquelas questões polêmicas na teoria, mas de resultado comprovadamente positivo.
Inovações brasileiras, ambas suscitam debate. Hoje muito menos do que quando surgiram. Sobre o voto eletrônico aplicado pela primeira vez em 1996, persiste aqui e ali o seguinte senão: sem possibilidade de registro por escrito, o sistema daria margem a fraudes por impossibilitar a conferência.
O sistema reconhecido nacional e internacionalmente como bem-sucedido, na prática desmente os temores. Há muito não se ouve falar em fraude eleitoral e a eficácia da apuração é incontestável.
Já as transmissões diretas das sessões de julgamentos do STF são menos pacíficas. Há restrições até entre os ministros da Corte, embora a maioria seja a favor por se coadunar perfeitamente à transparência exigida da administração pública pela Constituição.
Ainda assim, restam as críticas: as transmissões teriam influência sobre o comportamento dos ministros que, acompanhados "online", tenderiam a votar conforme os desejos da opinião pública, deixando-se conduzir por fatores extrajudiciais, cedendo à tentação de se transformar em figuras de grande aceitação popular.
Seria verdade?
Os dez anos de existência da TV Justiça não dizem isso. Além das diversas ocasiões em que o tribunal foi criticado por tomar decisões na contramão do senso comum, se vigilância precisasse haver sobre a conduta dos ministros as câmeras e os microfones mais ajudam que atrapalham. Aliás, não atrapalham em nada.
Há a opinião do público leigo, mas há também o acompanhamento da chamada comunidade jurídica. Nesse tempo todo, se tivesse havido distorção do papel do Supremo por causa das transmissões ao vivo isso teria sido detectado e denunciado.
O que se tem, na realidade, é justamente o oposto: cada ministro se vê obrigado a fundamentar muito bem seus argumentos nas doutrinas e na legislação em decorrência da exposição total e permanente.
A reação mais recente contra a sistemática das transmissões teve como porta-voz o secretário de Comunicação do PT, deputado André Vargas, que apontou "risco à democracia" nas sessões ao vivo.
Incongruente, a posição. Pois se o PT vive denunciando que a "mídia" distorce no noticiário, caso não houvesse transmissão o público saberia do julgamento só por intermédio dos resumos feitos pelos veículos de comunicação ditos "golpistas".
De onde a transparência se comprova como a maior garantia de fidelidade aos fatos.
Mais em cima. A última pesquisa Datafolha não é ruim para Fernando Haddad, que não tem nada a perder. Era praticamente um anônimo político quando virou candidato e hoje tem a intenção do voto de 15% do eleitorado de São Paulo.
A pesquisa é ruim para Lula, Dilma Rousseff e Marta Suplicy. O primeiro empenhou o mito, a segunda pôs no jogo a solenidade do cargo e a terceira hipotecou a força na periferia.
Se a esperada deslanchada não acontecer, será um caso de resultado que não faz jus ao patrimônio empregado.
O mesmo raciocínio poderá ser aplicado ao restante do País se o desempenho do PT nas urnas confirmar as pesquisas nas capitais.
Socialização. O PT sempre disse que saiu inadimplente das eleições de 2002 e por isso procurou socorro no Rural e no BMG.
Ocorre que o partido foi o avalista dos empréstimos sem dispor de lastro para tanto. Portanto, o fiador de fato era o aparelho de Estado.
Em miúdos: o PT ficou com o benefício e dividiu com a sociedade o prejuízo.
Na lua. Chama-se Odilo Scherer e não Aloísio, como publicado ontem, o cardeal arcebispo metropolitano de São Paulo.

Tendências/Debates: Violência policial: o silêncio que é um amém


por Alberto Zacharias Toron
A ação da Polícia Militar que culminou com a morte de nove pessoas no último dia 11, em Várzea Paulista, na região de Jundiaí, evidencia uma situação preocupante e que exige um posicionamento forte dos órgãos do governo.
Não basta que o governador Geraldo Alckmin venha a público para dizer que "quem não reagiu está vivo". Afirmações simplistas e duvidosas, em situações como essa, não contribuem para que as verdadeiras causas da insegurança que permeiam a sociedade brasileira sejam debatidas com responsabilidade e, quiçá, solucionadas. É necessário e urgente apostar em prevenção e em políticas sociais.
Como já admitiu o secretário de Segurança Pública, Antônio Ferreira Pinto, São Paulo vive uma escalada da violência. E os números não o deixariam dizer o contrário. Nos seis primeiros meses deste ano, houve crescimento nos homicídios (21%) e também nos latrocínios (4%) na capital paulista. Mas, da mesma forma com que cresce a violência praticada por criminosos, aumentam também as ações lideradas por policiais que terminam em morte.
Entre janeiro e julho deste ano, os confrontos envolvendo somente os agentes da Rota, grupo de elite da Polícia Militar e que foi responsável pela matança em Várzea Paulista, terminaram com 60 mortos, sete a menos que no mesmo período de 2006, ano em que a população e as forças de segurança foram atacadas pela facção criminosa intitulada PCC (Primeiro Comando da Capital).
Mas a violência policial não se restringe aos agentes da Rota. Várias outras ações da PM poderiam ser lembradas.
Vale ressaltar uma, que chocou a população: a execução do empresário Ricardo Prudente de Aquino, 39, em uma avenida de um bairro nobre de São Paulo. Policiais bloquearam a passagem do carro dirigido por Aquino, desceram da viatura e fizeram sete disparos contra ele. Na ocasião, alegaram que a vítima tentou fugir mesmo com a rua bloqueada e que confundiram um celular com uma arma. Câmeras de segurança desmentiram essa versão.
Carvall
A matança que vitima de ambos os lados me faz concordar com a afirmação do especialista em segurança Guaracy Mingardi: "Quanto mais criminosos se mata, mais policiais serão mortos também. O correto é o policial voltar vivo para casa e o bandido ir para a cadeia".
E é em momentos como esse, quando a segurança do cidadão está duplamente ameaçada --pela ação de criminosos e pela ação de policiais despreparados--, que a população deve ser amparada e, em muitos casos, representada por entidades organizadas da sociedade civil que têm o dever de se manifestar e de acompanhar os desdobramentos dos fatos.
Em outros tempos, entidades como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a Comissão de Justiça e Paz da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) já teriam se posicionado.
Candidatos a cargos públicos deveriam, agora, fazer mais do que enfatizar, de maneira oportuna e leviana, os pedidos de votos e mais votos. Mas, quando nada disso ocorre, o silêncio dá a entender que a sociedade só faz dizer amém.
Vou acompanhar os desdobramentos do caso de Várzea Paulista. Os fatos devem ser realmente investigados, seja lá o que estiver escrito na ficha criminal das pessoas que foram mortas. O Estado tem a obrigação de punir os excessos cometidos.
Sabemos que pelo menos um dos homens executados no episódio, o acusado de estupro que estava sendo "julgado" pelo "tribunal do crime", não tinha passagens pela polícia. Temos de dar uma resposta para a família da vítima e também para a sociedade. É Estado de Direito ou vale-tudo. É civilização ou barbárie.
ALBERTO ZACHARIAS TORON, 53, é advogado criminalista, doutor em direito penal pela USP e pré-candidato à presidência da OAB-SP