quinta-feira, 17 de maio de 2012

A gangue do guardanapo


CONTARDO CALLIGARIS


O guardanapo do Ritz é a bandana perfeita para quem quer surfar nas costas dos bananas (que seríamos nós)

A FOTOGRAFIA da semana, para mim, é a de Fernando Cavendish (dono da Delta) e Sérgio Cabral (governador do Rio), com outros políticos e empresários, alegres além da conta, todos arvorando um guardanapo branco amarrado na cabeça -isso, num restaurante de Paris (o do hotel Ritz, ao que parece), em 2009.
A cena me lembra um caso recente. Um casal de brasileiros frequenta habitualmente um restaurante de Manhattan, porque o lugar é simpático e porque o maître também é brasileiro. Uma noite, no dito restaurante, uma mesa acomoda um grupo especialmente barulhento de mais oito brasileiros: os homens competem clamando seus pedidos de vinhos caros, e as mulheres competem gritando as compras do dia.
O maître recebe o casal de "habitués" pedindo em voz baixa: "Por favor, não vamos falar português, prefiro que eles não saibam que somos brasileiros".
É difícil assumir a brasilidade quando, na boca dos emergentes, o "brado retumbante" é o barulho de quem ambiciona se apresentar ao mundo pelo chacoalho do trocado que tem no bolso.
A mobilidade social brasileira é rapidíssima: em uma geração, criam-se fortunas (com ou sem a cumplicidade do poder público corrupto). Nesse ritmo acelerado de ascensão social, os novos ricos, em regra, adotam o luxo como puro símbolo de status, sem o tempo de elaborar uma cultura que lhes permita apreciá-lo. Com isso, escreveu justamente Elio Gaspari (Folha de 2/5), tentando ser chiques, eles são bregas: sua ostentação revela a falta de um gosto próprio e a vontade de ocultar sua origem recente.
Os novos ricos se envergonham de seu passado mais humilde e tentam ocultá-lo num agito fanfarrão que, justamente, revela aquela procedência que eles gostariam de espantar. Enquanto isso, os outros, como o maître de Manhattan, envergonham-se dos privilegiados de seu país.
Mas tudo isso não nos diz ao que vêm, na festa de Cavendish e companhia, os lenços na cabeça.
Para quem não viu a foto: são guardanapos dobrados em triângulos, cuja base é amarrada ao redor da testa, de modo que o pano recaia sobre os cabelos e a ponta seja eventualmente segurada na nuca. Ou seja, são bandanas.
Pioneiros, vaqueiros e bandeirantes a caminho do Oeste usavam uma bandana, que, ao redor do pescoço, servia para proteger a boca da poeira e dos insetos ou, amarrada de baixo do chapéu, estancava o suor. Antes disso, o mesmo lenço segurava o cabelo dos piratas. Depois disso, nos anos 1960 e 1970, ele segurava o dos motoqueiros rebeldes da contracultura.
A bandana é, tradicionalmente, um apetrecho de quem se engaja (real ou metaforicamente) no vento e na poeira dos caminhos menos percorridos. O ideal do cowboy, do "easy-rider", do aventureiro, do pirata, do surfista errante ou do roqueiro pode se encarnar em usuários mais sedentários, mas não menos ousados -à condição, claro, que eles precisem segurar o cabelo (é o caso, por exemplo, dos chefes de cozinha de hoje). Mas como esse mesmo ideal se encarnaria nos clientes brasileiros do Ritz de Paris?
Talvez a bandana da foto de Cavendish, Cabral etc. seja apenas uma versão da gravata na testa daqueles primos bêbados, que, no fim de uma festa de casamento, escolhem mostrar a todos os outros ("inibidos", "caretas" e "obviamente" invejosos) que eles, sim, sabem se divertir e são os verdadeiros heróis do hedonismo -os que não recuam diante do prazer. Isso, claro, até eles vomitarem num canto (conselho: nunca fique num casamento depois da saída dos noivos).
Ou talvez Cavendish, Cabral etc. achem que eles são mesmo os novos "easy-riders", cowboys ou bandeirantes. Mas qual é, então, sua aventura? Em que jornada eles precisam segurar o cabelo para correr livres no vento?
O guardanapo branco do Ritz é uma curiosa bandana: ele diz que a aventura desses pretensos aventureiros é apenas a de esbanjar seu privilégio (mais ou menos legal), sonhando em ser o objeto da inveja de todos. Em síntese: o guardanapo do Ritz é a bandana perfeita para quem quer surfar nas costas dos bananas (que seríamos nós).
Elio Gaspari prometeu uma viagem a Dubai para quem explicasse as bandanas do grupo de Cavendish etc. Se ajudei, renuncio desde já à viagem oferecida. Receio encontrar, em Dubai, o mesmo pessoal do Ritz ou seus amigos. Prefiro que Gaspari me convide para um jantar qualquer. Aliás, nem precisa me convidar. Mas o jantar é sem bandanas, ok?
ccalligari@uol.com.br

A crise global do emprego


A crise global do emprego

01 de maio de 2012 | 3h 02

CELSO MING - O Estado de S.Paulo
É sombrio o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a situação do emprego no mundo. O documento, de 128 páginas, está disponível no site: www.oit.org.br/sites/default/files/topic/gender/doc/mundodotrabalhointegra_821.pdf.
Há hoje 50 milhões de empregos a menos do que havia em 2007, pouco antes do início da crise global. Pior ainda, a falta de ocupação para a população jovem (de até 25 anos) atinge nada menos que 80% das economias avançadas e 67% dos países em desenvolvimento. Indica que o futuro dessa gente também vai sendo comprometido.
O estudo atribui essa situação não à crise em si e ao que veio antes dela, mas ao resultado da aplicação generalizada de duas políticas dizimadoras do emprego: ajuste fiscal excessivo; e flexibilização do mercado de trabalho - regimes a que estão sendo submetidas economias prostradas pelas dívidas.
É inegável que a austeridade reduz as despesas públicas e, portanto, dificulta a recuperação; e que a flexibilização facilita a dispensa de pessoal, com a agravante de que, na maioria dos países avançados, os poucos postos de trabalho reabertos tendem a ser mais precários do que os que se fecharam. São ocupações ou temporárias, ou de período parcial, ou remuneradas com redução de salários e benefícios.
O diagnóstico está apenas parcialmente correto. Cabem três críticas ao foco e às conclusões. A primeira delas, é a de não se levar em conta a artificialidade da base de comparação - situação do emprego imediatamente anterior à crise. O grande boom do mercado de trabalho e dos salários da primeira década deste século (até 2008) nos países ricos se deveu à disparada do mercado imobiliário e de construção civil, tanto nos Estados Unidos como na área do euro. Foi o crédito fácil e pouco regulado que gerou a crise da subprime americana e foi a euforia dos investimentos, logo após a criação do euro, que alimentou as bolhas, a fácil criação de empregos e a alta dos salários na Europa. O ajuste que viria em seguida, qualquer que fosse ele, teria de acontecer com certo sacrifício de postos de trabalho.
O segundo ponto negativo é que essa pesquisa se omite em relação à utilização crescente de Tecnologia da Informação em todo o mundo, fator que tende a reduzir substancialmente o emprego de mão de obra. Isto é, políticas que enfatizem o crescimento em vez da feroz austeridade - como tanto se pede - não necessariamente proporcionarão mais ocupações. A pequena recuperação dos Estados Unidos, por exemplo, ocorre com menos emprego de pessoal.
Finalmente, a divulgação da OIT silencia sobre uma das mais importantes transformações da economia global: a redivisão do mercado de trabalho. Há 20 anos começou o processo que incorpora entre 30 milhões e 40 milhões de asiáticos por ano aos mercados de trabalho e de consumo. Essa gente ou não tinha ocupação ou estava subocupada. Poucos integravam as listas de desempregados - eram simplesmente excluídos. Essa mudança implicou a migração de setores industriais inteiros para a Ásia e demais emergentes à custa do emprego dos países avançados. Esse movimento não pode ser compensado só com políticas keynesianas de elevação de despesas públicas no mundo rico.

A dura luta contra os preconceitos econômicos



Coluna Econômica - 17/05/2012 Luis Nassif
É problemática a maneira como as ideias econômicas são revisadas - não apenas no Brasil mas na economia mundial, em geral.

Tome-se o novo papel do Banco Central.

Seu último presidente, Alexandre Tombini, além de experiência de mercado é um grande pensador econômico. Nos últimos 15 anos, o BC dispôs de alguns bons pensadores, como Armínio Fraga, Sérgio Werlang e o próprio Tombini.
São técnicos que foram beber nas águas internacionais, mas com suficiente inteligência para entender as especificidades da economia brasileira e promover ajustes - mesmo cometendo alguns erros estrondosos, como as operações casadas de hedge de Armínio em 2002.
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No entanto, o discurso econômico midiático sempre se baseou na análise econômica mais rasa, mais facilmente convertida em slogans.

Numa ponta, economistas com bons conhecimentos de números, planilhas - e nenhuma visão sistêmica de economia -, como Afonso Bevilacqua e o inacreditável Alexandre Schwartsman. De outro, economistas sem conhecimento nem de números nem de conceitos - como o ex-ministro Maílson da Nóbrega.
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Apesar da análise rasa, esse discurso torna-se tão poderoso que acaba inibindo qualquer tentativa de revisão de conceitos e de aprimoramento dos instrumentos monetários contra a inflação.
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Por exemplo, qualquer analista com um mínimo de raciocínio e conhecimento da realidade econômica, saberia que medidas de influência direta sobre o crédito (redução de prazo, exigência de entrada maior) tem mais efeito sobre a demanda do que o mero aumento da taxa Selic - que sequer arranha o custo final do dinheiro.

Mesmo assim, foram necessários anos e anos para que Tombini finalmente rompesse com o dogma e passasse a utilizar ferramentas convencionais de política monetária em lugar de recorrer meramente à taxa Selic.

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Dia desses, assisti o Bom Dia Brasil, da TV Globo. Lá, um exemplo muito interessante de como se propagam os slogans na mídia.

A comentarista econômica fala do aumento da inflação em abril - o dobro de março. Quando começa a detalhar os itens de alta, fica-se sabendo que as principais influências foram remédios e cigarros - altas pontuais, sem nenhuma relação com demanda ou câmbio. Aí aponta um conjunto de preços que teoricamente poderão subir nos próximos meses.

Ora, os índices de inflação são compostos por uma infinidade de preços. Periodicamente alguns sobem, outros baixam, dependendo da sazonalidade, de reajustes programados ou outros fatores. O que importa é a soma final. E a soma final mostra que, mesmo com essas altas pontuais, a inflação anual continuará caindo.

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Mas a comentarista deixa no ar apenas parte da realidade que interessa - os preços que aumentam. Encerra o comentário e os dois apresentadores continuam martelando a alta dos preços.
Por que fazem isso? Terrorismo? Jogadas? Nada disso. Fazem isso porque é padrão. Maílson falou nesse tom para a comentarista, que falou nesse tom para o telespectador. E os demais colegas apelam para o mesmo tom, porque é padrão.

É por aí que se cria o clima na opinião pública que acaba inibindo os ajustes necessários para a economia.