segunda-feira, 5 de setembro de 2011


O muro das lamentações dos rentistas
Coluna Econômica - 02/09/2011 , Por Luís Nassif
Daqui a algumas décadas, quando se voltar os olhos para esse fim de ciclo financista, o escândalo que armaram coma decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de baixar em meio ponto a taxa Selic será um dos pontos centrais do anedotário malicioso nacional. O país tem disparado a mais alta taxa de juros do planeta – 12,5% ao ano. O Copom decidiu reduzi-la em meio (0,5!) ponto. Permaneceu uma taxa imensa, de 12% ao ano, contra praticamente zero dos Bancos Centrais de países avançados.
Parecia que o mundo iria acabar. O estardalhaço foi inacreditável. Economistas ouvidos meia hora depois já ensaiavam o muro das lamentações, sustentando que a decisão marcava o fim da autonomia do Banco Central.  Comentaristas que dias atrás admitiam que o câmbio estava excessivamente apreciado, e que os juros poderiam ser baixados, de repente revisaram suas opiniões e dispararam a metralhadora vesga contra a decisão.
E todos absolutamente incapazes de traçar correlação mais sofisticadas sobre os efeitos da crise internacional na economia brasileira – inclusive para rebater os argumentos do BC.
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Depois de anos e anos de cantilena mercadista, depois do fracasso mundial do modelo de desregulamentação do mercado, das reações universais contra essa visão estreita de mercado, depois dos inúmeros levantamentos sobre a forma de atuação do lobby financeiro, o mise-en-scène desses atores serve apenas como material didático, para comprovar como a economia – pelo menos na discussão pública – é apenas uma ferramenta visando legitimar interesses de grupos específicos, através de um linguajar pretensamente técnico.
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Quando se critica essa visão financista, não se pense no sistema bancário, os fundos de investimento em geral. Trata-se de um segmento restrito de rentistas que só sabem viver das benesses dos juros altos e do câmbio baixo.
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O mercado financeiro e de capitais são peças relevantes para o desenvolvimento do país. E ambos ficaram por anos atrofiados pela política de juros altos.
Bancos comerciais têm a importante tarefa de emprestar dinheiro. Quanto maior a taxa de juros, menos útil será sua função de emprestar. Não se empresta a longo prazo e se restringe a financiamento ao consumo e ao crédito consignado.
Já o mercado de capitais é fundamental para reciclar a poupança, aplicar em novos setores que surgem, em infraestrutura, na reestruturação da economia. Mas com taxas de juros elevados, a poupança se concentra no financiamento da dívida pública e se torna preguiçosa, mesquinha, ilegítima.
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No curto período em que a taxa Selic caiu abaixo de dois dígitos, houve um frenesi em muitos gestores de fundos, pela brecha que se abrir para que o capital privado migrasse dos títulos públicos para outras formas de aplicação, inclusive em investimentos de risco em infraestrutura.
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Os pretensos porta-vozes mercadistas não representam o lado mais dinâmico e moderno do mercado. Representam apenas o lado viciado do rentista, do sujeito que aprendeu a viver de juros e não tem ânimo sequer para correr riscos em atividades mais úteis.
Copom surpreende e corta taxa de juros
Em decisão que surpreendeu o mercado, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) reduziu a taxa básica de juros em 0,5%, para 12% ao ano, sem viés, por cinco votos, contra dois votos pela manutenção da taxa em 12,50%. Segundo a nota divulgada após a reunião, o colegiado afirma que houve uma piora considerável no cenário internacional, apoiada, por exemplo, "em reduções generalizadas e de grande magnitude nas projeções de crescimento para os principais blocos econômicos".
IPC-S termina agosto com leve crescimento
O IPC-S (Índice de Preços ao Consumidor Semanal) encerrou o mês de agosto em alta de 0,40%, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), um acréscimo de 0,09 ponto percentual em relação ao visto na semana anterior. Com o resultado, o indicador acumula alta de 4,17% no ano e de 7,10% em 12 meses. Cinco das sete classes de despesa ampliaram suas taxas de variação, com destaque foi o grupo Alimentação, que passou de 0,55%, na semana anterior, para 0,80%.
Preços ao produtor sobem 0,07% em julho
O Índice de Preços ao Produtor (IPP) encerrou o mês de julho em alta de 0,07% na comparação com o mês anterior, revertendo a deflação de -0,65% apresentada em junho, segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ao todo, 10 das 23 atividades pesquisadas para o cálculo do indicador apresentaram variações positivas de preços na comparação com junho. Em 2011, o acréscimo acumulado chega a 0,63%.
Superávit comercial atinge US$ 3,873 bi em agosto
A balança comercial brasileira encerrou o mês de agosto com um superávit de US$ 3,873 bilhões (média diária de US$ 168,4 milhões), segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). As exportações somaram US$ 26,158 bilhões, com média diária de US$ 1,137 bilhão, enquanto as importações do período chegaram a US$ 22,285 bilhões, com uma média diária de US$ 968,9 milhões. No ano, o saldo apurado chega a US$ 19,959 bilhões.
Cenário externo vai definir rumo dos juros, diz Dilma
O comportamento da taxa básica de juros no Brasil vai depender da conjuntura internacional, segundo a presidenta Dilma Rousseff. Embora tenha defendido a queda dos juros, e dito que a elevação do superávit primário pelo governo federal criava condições para que isso ocorresse, a presidenta destacou que o BC tem autonomia. Na avaliação da presidenta, a crise econômica terá duração longa (de mais de dois anos), e as consequências ditarão o ritmo de algumas decisões econômicas daqui para frente.
Desaceleração do crédito das empresas deve avançar
A perspectiva de crédito às empresas caiu 0,5% em julho, marcando sua nona contração consecutiva, atingindo o valor total de 99,2 pontos, segundo dados divulgados pela consultoria Serasa Experian. Como a metodologia de construção do indicador tem a propriedade de antever os movimentos cíclicos da concessão de crédito com seis meses de antecedência, as quedas sinalizam que o crédito às empresas deverá seguir em queda pelo semestre, até o começo de 2012.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Declínio americano?, por Daniel Piza



A crise econômica dos EUA, afundados em dívidas que há muito se sabe que um dia eles teriam dificuldades para rolar, faz muita gente apontar um declínio breve do “império” e, em consequência, a tentar adivinhar de quem será este século 21, já que o anterior foi americano. Muitos apontam a China – ou a Ásia em geral – e alguns como o presidente Lula, cuja bravata patriótica soava e soa tão parecida com a do regime militar, chegaram a dizer que seria “o século brasileiro”. No entanto, observando culturas como a brasileira, me pergunto se a influência americana sequer começou a ceder. Assim como vai demorar para os EUA serem ultrapassados no PIB e no IDH por um mesmo país (a China pode ultrapassar no PIB até 2050, dizem, mas vai precisar de muito mais para fazê-lo no IDH), a força sedutora do “american way” também vai se estender bastante.
Para o bem e para o mal; não é disto que se trata. Um exemplo bastante claro está no uso cada vez maior, em ruas e telenovelas, de adjetivos como “popular” e “loser”. Ou seja, uma pessoa que chama atenção dos outros por sua aparência física ou habilidade esportiva e se dá bem com a maioria das outras ganha agora esse qualificativo, como se tais atributos fossem mais importantes num ser humano do que caráter e inteligência. E quem não tem sucesso profissional ou financeiro é tachado de perdedor, como se felicidade se medisse em salário, como se status substituísse vocação; cada vez soa mais estranho que alguém opte por uma carreira mais por gosto do que por retorno. Isso sem entrar em outro adjetivo corrente, “workaholic”, para designar os que acham que vidas familiar e cultural são secundárias, até que se veem tomando pílulas com Coca-Cola para aguentar o estresse.
No campo do consumo do chamado “entretenimento”, então, nem é preciso listar muitos fatos. A TV por assinatura multiplicou os seriados e programas americanos, seguidos fielmente no mundo todo; Hollywood continua a dar as cartas nas bilheterias globais, com sua usina de celebridades que povoam sites e revistas; cantoras como Beyoncé e rappers como Jay Z dominam os videoclips em TV e You Tube; filmes de HQ em cartaz como Capitão América Lanterna Verde insinuam a velha ideologia do heroísmo que livra Nova York e outras cidades de vilões com tonalidades nazistas ou comunistas ou terroristas; e até para rirmos das manias americanas, de sua mentalidade consumista, precisamos de um americano como Woody Allen. E o que dizer do admirável mundo novo da tecnologia? Bill Gates, Steve Jobs e Mark Zuckerberg estão muito acima da manada forasteira – e que eu saiba a internet fala inglês, não chinês.
Talvez alguém argumente que a cultura americana não perdeu influência em termos de quantidade, de comportamentos massificados, mas em termos de qualidade, de modelos refinados. Por um bom tempo, bebendo na fonte europeia, a cultura americana buscou padrões cada vez mais elevados e produziu escritores como Henry James, Scott Fitzgerald, Saul Bellow (irrelevante que tenha nascido no Canadá); importou cientistas como Einstein e cineastas como Hitchcock; produziu movimentos na pintura, como o expressionismo abstrato, e na música, como o jazz, o bebop e o rock, que mudaram o mundo a fundo; também gerou pensadores, metafísicos ou pragmáticos (de Peirce a Rorty), e espalhou fundações e museus indispensáveis. Nomes e instituições já não surgem como antigamente nos EUA. Mas alguém me diga: e onde surgem?
Sim, também sonho com um mundo mais multipolar, o que significaria uma América menos hegemônica, e, sim, também me canso dessa cultura americana de arte enlatada e mente dicotômica, que com seus apelos emotivos e “power points” afasta muitas pessoas de outros conteúdos e formas de pensamento e estética. Não nego que algumas coisas estejam mudando e que isso seja bom, que os tempos de colonialismo bélico possam estar passando. Mas acho desonesto ignorar a presença ainda tão forte dos produtos e atitudes dos EUA, tantas vezes imitados até por quem diz odiá-los, e confundir uma fase crítica com um fracasso estrutural. Talvez o fato de o século 21 não vir a ter um “dono” seja a melhor notícia, mas, por ora, um deles ainda serão os EUA por um bom tempo. Como diria Mark Twain, os boatos sobre o declínio americano são exagerados.

Reclamações – João Ubaldo Ribeiro


Acabo de passar os olhos nos jornais e, naturalmente, li muito sobre corrupção, mas bem menos que em dias anteriores. É natural, não só foi feita uma faxina, ainda que meio estranha, como, principalmente, o assunto começa a ficar velho. Da mesma forma que em relação a um produto qualquer, cansamos do velho e queremos novidades. O noticiarista tem de matar um leão por dia, se quiser continuar tendo leitores. E aí vem esse papo de corrupção, espocam notícias e fofocas irrequietas e todo mundo entra no bonde, mas não completa a viagem, que acaba ficando chata mesmo, de tão repetitiva.

Isso se deve em grande parte ao fato de não acontecer nada com os corruptos, a não ser um comentário de um jornal ou outro. Até quando parece que pegaram mesmo um corrupto, é foro especial pra cá, é recurso de todo tipo pra lá e o fato é que o bicho continua próspero, meio gordote e feliz por nunca ter trabalhado e ganhar uma bela aposentadoria de deputado, para não falar nas “colocações” de parentes, protegidos e assemelhados.

Mesmo que houvesse punição, o Brasil é muito avaro com elas. De vez em quando se anuncia que Fulano foi condenado a, sei lá, seis anos de cadeia, mas logo se descobre que, se valendo disso e daquilo, estará em regime semiaberto dentro de alguns meses e praticamente solto. Outro dia, muitos de vocês devem ter visto na TV um rapaz sorridente confessar numa delegacia de polícia que foi coautor ou cúmplice de um assassinato. Mas, como o próprio delegado explicou, ele se apresentou espontaneamente, era réu primário, patati-patatá e foi imediatamente solto, só faltando um abraço no delegado e um aceno para as câmeras. O mesmo ocorre com o indivíduo que enche a cara, pega o carro, faz uma série de barbeiragens embriagadas e mata quatro pessoas de uma vez. Réu primário, coisa e tal, paga fiança, responde ao processo em liberdade e depois lhe dão as colheres de chá legais que lhe permitirão matar mais quatro ou cinco daí a uns dois anos.

Apesar de algumas mudanças recentes, a tendência tem sido procurar as “causas” do comportamento antissocial, o que acaba por levar à conclusão de que ninguém é culpado ou responsável por nada. O culpado é a causa, não o agente do delito. E a função da pena é a “recuperação” do condenado, mesmo por crimes muito graves, sua “reinserção na sociedade”. Creio que continua politicamente correto pensar assim, mas já há especialistas que acham que essa “recuperação” é no mais das vezes falaciosa. E a severidade da punição tem passado a ser vista como básica, mesmo para a obtenção de alguns casos de recuperação. Mas, no Brasil, as penas são leves e suavizáveis a pretexto de praticamente qualquer coisa. Cala-te, boca, mas não posso evitar a suposição, oxalá falsa, de que, com tanto legislador pendurado numa ilegalidadezinha, seria uma imprudência da parte deles estabelecer penas pesadas para — quem sabe quando o Cão atenta? — um delito pelo qual vários ou muitos deles mesmos podem vir a ser condenados.

A repercussão do assassinato da juíza Patrícia Acióli foi vergonhosa para quem quer que seja cioso das instituições republicanas e compreenda a gravidade desse ato. O fato teve e ainda está tendo cobertura ampla. Mas nenhum governante chamou a atenção para a agressão às instituições assim cometida, ao que parece nenhuma autoridade foi ao sepultamento da juíza e tudo o que ouvimos dessas autoridades foram as habituais declarações de lamentável isso e aquilo e providência disso e daquilo. Agora descobre-se que as balas usadas para matar a juíza eram munição da Polícia Militar, certamente deflagradas por armas também da Polícia Militar. Enfim, descobre-se que agentes da lei mataram uma magistrada e não há a indignação, o clamor e o vigor de reação com que um fato dessa magnitude exigiria e que ajudaria na sua avaliação adequada por parte da população atingida, ou seja, nós todos, de uma forma ou de outra. Aqui é praticamente apenas mais um simples fato policial — lamentável etc. Claro que a comparação é falha, mas imagino um juiz americano fuzilado com armas e munições de policiais. Aqui é tratado como ocorrência normal e vem o medo de que se torne corriqueiro.

Mais um medo, entre todos com que aprendemos a conviver e já nem notamos. Apareceu até uma novidade, o medo da ambulância. No Rio foi descoberto um ramo de comércio que já deve estar implantado também em outras cidades, considerando a rapidez com que essas coisas se espalham, pois o brasileiro é muito observador e atento a novas descobertas. Agora o sujeito passa mal — como sempre em plena madrugada — e aí a candidata a viúva telefona aflita para uma ambulância. Os operadores da ambulância então levam o doente, não ao hospital que ele quer ou que mais convém a seu estado. Levam o infeliz para o hospital ou clínica que os remunerarem de acordo com uma complexa tabela. A clínica está sem freguesia — talvez porque hajam morrido todos os seus pacientes — e aí paga um modesto estipêndio aos condutores da ambulância, para refazer a clientela. Claro, pensei logo na possibilidade de uma clínica dessas contratar transplantes, caso em que o paciente acordaria sem um rim, num hospital desconhecido, que ainda cobraria pela intervenção. Talvez vocês achem isto um exagero, mas puxem pela memória, porque já devem ter lido sobre coisas piores.

Escrevo sobre estes assuntos e penso novamente na corrupção. Há quem considere a corrupção um problema político menor ou que se trata de uma questão de moralismo. Não é nem uma coisa nem outra, é por causa dela que enfrentamos os problemas que mencionei e tantos outros com que também sofremos. E ter senso de moralidade distingue os homens dos bichos.