terça-feira, 8 de abril de 2025

Trump não está jogando Xadrez 4D, Joel Pinheiro da Fonseca, FSP

 O trabalho do colunista —ou do comentarista— é, em boa medida, revelar alguma ordem na torrente de fatos e dados em que estamos imersos diariamente. É fácil se afogar na multiplicidade. Precisamos daquilo que organiza: relações causais, narrativas que deem sentido, conhecimento das intenções e planos dos envolvidos, ainda que ocultos. O dia a dia do comentarista consiste em incorporar novos fatos às narrativas possíveis, sempre reavaliando quais delas ainda fazem sentido e quais estão ruindo diante da realidade.

A tentativa de encontrar ordem, porém, parte da nossa mente. A realidade nem sempre colabora. Aleatoriedade, incompetência, erro; tudo isso também existe. E tudo indica que é o caso do tarifaço de Trump.

Desde que foi anunciado, deixou todo mundo perplexo. As tarifas vieram muito acima do previsto, e sem qualquer relação com a ideia de "reciprocidade tarifária" que supostamente guiaria o plano. Países que mal taxam produtos americanos, como Suíça Israel, foram alvos de tarifas pesadas. Outros, notoriamente protecionistas, como o Brasil, ficaram com a tarifa mínima de 10%.

Um homem está falando em um microfone enquanto segura um cartaz que apresenta informações sobre tarifas recíprocas. O fundo é uma bandeira americana. O cartaz lista países como China, União Europeia, Vietnã, Taiwan, Japão, Índia, Coreia do Sul, Tailândia, Suíça, Indonésia, Malásia, Camboja e Reino Unido, com porcentagens de tarifas ao lado de cada país.
Trump segura o cartaz com as tarifas que anunciou na semana passada - Brendam Smialowski - 2.abr.25/AFP

Tem sido quase divertido assistir às acrobacias de muitos liberais econômicos tentando justificar o tarifaço. Segundo alguns, as tarifas anunciadas no dia 2 são apenas uma jogada inicial: um blefe calculado, que abriria espaço para negociar taxas menores num futuro próximo.

Só esqueceram de combinar com o próprio Trump. Ele tem sido claro em defender a volta dos empregos industriais aos EUA. Se daqui a algumas semanas ele recuar para tarifas inferiores às que já existiam, não haverá renascimento industrial nenhum. Além disso, ele não pode retroceder demais por causa do buraco fiscal. Precisa de tarifas robustas para compensar, ainda que parcialmente, os cortes de impostos com os quais pretende aquecer a economia, e que devem reduzir a arrecadação em cerca de US$ 5 trilhões ao longo da próxima década. Caso contrário, o rombo nas contas públicas pode se transformar em uma crise ainda mais grave.

As tarifas, portanto, vieram para ficar. Não duvido que Trump queira, mediante negociações, reduzi-las a um patamar menos catastrófico —mas não será abaixo do que já estava em vigor. Ainda que se aceite que o protecionismo é mesmo a política econômica, contudo, resta a pergunta: por que essa tabela desigual, com tarifas personalizadas para cada país, baseadas numa equação arbitrária dos fluxos comerciais? E por que mudar as regras com tanta frequência, a ponto de ninguém saber se a tabela ainda estará de pé em duas semanas? A incerteza, por si só, já tem cobrado seu preço, inclusive nas bolsas.

Em vez de procurar um plano oculto, talvez caiba reconhecer algo mais simples: 1) Trump realmente gosta de tarifas, como vem dizendo desde os anos 1980. 2) Ele não faz ideia do que está fazendo e os bajuladores a seu redor são incapazes de limitá-lo.

Não há xadrez 4D. Não há plano secreto. Não há genialidade tática prestes a nos surpreender. Quem insiste nisso está apenas procurando, a cada novo desastre, um motivo para não admitir que errou. Às vezes, uma burrada é apenas uma burrada.

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