terça-feira, 22 de abril de 2025

Papa Francisco foi profeta com uma escova de dentes, FSP

 Pablo Ospina Peralta

Historiador. Doutor pelo Centre for Latin American Research and Documentation (CEDLA) da Universidade de Amsterdã. Professor da Universidade Andina Simón Bolívar (UASB) e pesquisador do Instituto de Estudios Ecuatorianos

"É muito cedo para opinar", dizem que respondeu Mao Tse-Tung quando lhe perguntaram sobre o impacto histórico da Revolução Francesa. O antecedente histórico imediato do pontificado de Francisco foi o longo inverno eclesial inaugurado por João Paulo 2º e continuado de forma bem menos carismática e mais doutrinária por Bento 16. Contra essa longa e pesada herança, Francisco se lançou armado de sua escova de dentes: "Fazer reformas em Roma é como limpar a esfinge do Egito com uma escova de dentes", brincou em 2017.

A imagem mostra uma figura sentada em uma cadeira branca em um ambiente predominantemente escuro. A figura parece estar lendo ou escrevendo algo, com um foco de luz iluminando-a. O fundo é quase totalmente negro, destacando a presença da figura na cadeira.
Papa Francisco discursa em assembleia com autoridades, diplomatas e organizações civis no distrito de Belém, em Lisboa - Marco Bertorello - 2.ago.2023/AFP

A metáfora é apropriada. João 23 empreendeu uma reforma mais profunda contra uma herança de vários milênios armado com o Concílio Vaticano 2º. E por trás do Concílio agitava-se uma rede de padres, freiras, bispos, teólogos e agentes de pastoral que desenvolveram seus ensinamentos e até radicalizaram suas implicações. Os ventos da época invadiram as janelas carcomidas da instituição mais venerável do Ocidente.

Quando Jorge Bergoglio, primeiro papa latino-americano, calçou o anel do pescador, trazia consigo uma trajetória moderada e até conservadora, quase tão inofensiva quanto a de João 23. Mas o mais importante é que as tempestades do mundo sopravam noutra direção, com um exército de agentes de pastoral que não apenas reagiam à onda conservadora da instituição, mas também a uma onda expansiva conservadora impulsionada pelo medo, pela incerteza e pela gélida convicção de que o futuro será pior do que foi o passado.

Nesse cenário improvável, Francisco inaugurou uma primavera tímida e impensável. Seu legado mais poderoso talvez seja o compromisso com a defesa da face da Terra, expresso na memorável encíclica "Laudato Si". Com ela, acompanhava um movimento social real e reforçava uma tendência vigorosa entre os mais jovens. Mas também fez outros gestos. Desde o nome escolhido (Francisco) —com o qual nos surpreendemos ao perceber que nenhum pontífice jamais havia se identificado com o apóstolo dos pobres e irmão dos animais. Acabou acolhendo, quase em descompasso com o tempo, casais homossexuais, seus filhos e pessoas com identidades sexuais não binárias.

"O diabo entra pelo bolso", disse certa vez, ao reivindicar uma Igreja fiel às suas origens escravas. Assumiu como própria a luta de migrantes ilegalizados e refugiados, trabalhadores marginalizados e povos originários despojados.

Dizem que também protagonizou uma mudança na escolha de cardeais para contribuir com uma futura consolidação da orientação que tentou inaugurar. Isso é mais difícil de garantir. Afinal, ninguém jamais escreveu o próprio epitáfio. Foram os cardeais escolhidos por João Paulo 2º e Bento 16 que elegeram Francisco.

Estivemos bastante longe das melhores fantasias revolucionárias da Teologia da Libertação. Mas a leveza de um líder da Igreja que abandonou, por um breve intervalo, sua imperturbável cumplicidade com a ordem estabelecida podia nos encher de um otimismo saudável e moderado. Seus limites são os do nosso tempo. Talvez não seja assim, mas a imagem predominante é a de um profeta solitário pregando mais perto do deserto do que de multidões atentas. Falta um movimento por trás da voz. Aqui e ali, segue-se articulando a vontade de caminhar. Mas a marcha é demasiado lenta e ainda reativa. Uma voz lá no alto, no Vaticano, ajuda, mas não substitui os processos coletivos que articulam ativistas, agentes de pastoral e multidões em busca de alternativas. Perdemos uma voz. Um homem bom. Oxalá seja só por um tempo.


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