Durante muito tempo, predominou na academia a ideia de que o crescimento dos evangélicos no Brasil estaria ligado diretamente ao déficit econômico, à baixa escolaridade e à precariedade das condições sociais dos adeptos. Recentemente, porém, fenômenos como a criação de áreas VIP para celebridades na Igreja Lagoinha, localizada em Alphaville —bairro conhecido por condomínios de luxo— desafiam essa interpretação clássica. Como explicar essa mudança?
Tradicionalmente, as igrejas evangélicas prosperavam oferecendo suporte emocional e social justamente aos setores mais vulneráveis? Autores pioneiros como Fernando Cartaxo Rolim e Cecília Mariz defenderam essa interpretação inicial, apontando que igrejas evangélicas —especialmente as de tradição pentecostal e neopentecostal— cresciam principalmente em regiões pobres e periféricas por suprirem a ausência ou insuficiência do Estado, a falta de serviços básicos, o desemprego estrutural e a precarização das relações sociais.
Essa abordagem enfatizava ainda um paradoxo incômodo: enquanto líderes religiosos enriqueciam e erguiam templos suntuosos, muitos fiéis permaneciam na pobreza. A ostentação presente em certas igrejas era frequentemente denunciada como uma forma de exploração econômica da fé. Contudo, diante do cenário atual, em que um número crescente de fiéis pertence a setores sociais mais ricos, escolarizados e com significativo poder aquisitivo, torna-se necessário rever criticamente essas interpretações clássicas.
Hoje, os evangélicos correspondem a aproximadamente 31% da população brasileira, o que representa cerca de 65 milhões de pessoas. Esse dado evidencia uma heterogeneidade social notável, abrangendo indivíduos das mais diversas classes sociais, níveis educacionais e áreas profissionais. Não estamos mais diante apenas de um fenômeno religioso restrito às camadas populares ou marginalizadas, mas sim de uma realidade transversal que inclui representantes das elites sociais, econômicas e culturais.
Uma recente controvérsia envolvendo um templo evangélico em Florianópolis, Santa Catarina, ilustra esse fenômeno. A igreja denominada Get Church viralizou nas redes sociais por suas instalações luxuosas, uso ostensivo da língua inglesa e estrutura comercial comparável a um shopping center ou a grandes empresas.
A notícia repercutiu a partir de uma postagem da influenciadora Tâmara Thaynne. Ao entrar no local, ela manifestou um questionamento comum sobre igrejas suntuosas: "Pra que gastar tanto dinheiro num templo?". Contudo, após ouvir a explicação do pastor —que justificava o luxo como forma de "honrar a Deus com excelência"—, ela relatou ter alterado sua perspectiva inicial.
Essa situação traz à tona uma questão: como compreender a expansão dos evangélicos em segmentos sociais privilegiados e altamente escolarizados? Trata-se de um fenômeno que desafia diretamente a explicação tradicional baseada apenas em déficits materiais e educacionais.
Em uma análise mais recente sobre essa temática, pesquisadores têm destacado como as percepções sociais sobre os evangélicos se transformaram ao longo das últimas décadas.
Exemplos dessa nova realidade não faltam, como demonstra o movimento Legendários, voltado ao público masculino evangélico e que atrai celebridades, políticos e empresários influentes, simbolizando essa crescente inserção evangélica entre setores sociais privilegiados. O universo evangélico brasileiro contemporâneo não pode mais ser interpretado unicamente como um refúgio para populações vulneráveis ou carentes.
Uma primeira hipótese seria que estamos testemunhando um deslocamento progressivo dessa interpretação clássica, centrada nas vulnerabilidades econômicas e sociais, para outra fundamentada na adesão e afirmação de valores morais conservadores. Não é mais apenas a ausência material ou educacional que atrai indivíduos às igrejas evangélicas, mas uma forte afinidade ideológica com um projeto moral e cultural conservador.
Seria essa nova configuração explicada exclusivamente pela adesão a um conservadorismo moral e cultural? Por enquanto, basta dizer que estamos diante não apenas de um fenômeno religioso específico, mas de uma transformação social de ampla escala no país. É preciso entender essa mudança para compreender, efetivamente, os rumos da sociedade brasileira contemporânea.
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