A Igreja deve se abrir para o século 21? Há riscos. A metáfora de se abrir para o tempo moderno vem do Concílio Vaticano 2º (1962-1965), iniciado pelo papa João 23 e encerrado pelo papa Paulo 6º. A igreja deveria abrir suas janelas para o tempo moderno e arejar a instituição como um todo. Lidar com a herança do Concílio Vaticano 2º nunca foi coisa óbvia.
Apesar da torcida dos católicos ativistas, das feministas, dos jornalistas e teólogos da libertação, a Igreja deita raízes na Antiguidade e Idade Média, por isso, mesmo aberta ao tempo histórico, sente-se como filha da eternidade. E na eternidade, o tempo que se move é visto como coisa menos digna. Se se mexe, é mais frágil.
Se por um lado não há como eliminar o fato que o Concílio ocorreu, e, portanto, teve força interna o suficiente para fazê-lo, por outro, a modernidade enquanto tal nunca foi uma unanimidade dentro da Igreja.
E, diga-se de passagem, apesar de ela ter se imposto ao mundo pela força da Revolução Industrial de bens, serviços e avanços científicos, do crescimento sistemático do mercado, da urbanização furiosa e acelerada, a sua natureza violentamente disruptiva das tradições, gestos, crenças, valores, nunca foi vista como de confiança por vários setores da sociedade. A modernidade nunca foi de confiança, muito menos o século 21.
Uma das instituições que mais desconfiou, e ainda desconfia, das obsessões modernas é a Igreja Católica. Por isso, sua abertura a modernidade, e, agora, especificamente ao século 21, é vista com enorme prudência por suas lideranças. Vale lembrar que a prudência é para um dos nossos maiores ancestrais na filosofia, Aristóteles, a maior virtude entre todas para um líder.
Nenhuma instituição moderna pode sustentar sua perenidade diante da Igreja, porque todas são pó. Abrir-se ao século 21 deve ser feito com cuidado porque, até agora, o que ele produziu como resultado no plano do comportamento foi desorientação, fluidez patológica, muito ruído, polarização, pó e purpurina. Tudo parece festa, mas, se olhado de perto, é depressão e ansiedade.
Francisco foi um papa mais aberto aos tempos modernos do que Bento 16. No entanto, a Igreja sempre foi aberta ao tempo histórico, visto que existe há 2.000 anos. Acho que alguns elementos respondem por essa perenidade estranha a natureza moderna que, só valoriza, o que surgiu há dois minutos.
Dostoiévski, que era cristão ortodoxo russo, certa feita, "cobrindo" uma feira de ciências em Londres no século 19, criticou o projeto de uma casa do futuro que se constituía num palácio de cristal. O que ele criticava era especificamente a intenção de fazer da transparência da vida um valor evidente.
Ele tinha razão. Se, quando se fala do governo, devemos observar a transparência dos processos e protocolos –o que, apesar de todo o blábláblá, não existe–, no que se refere a vida das pessoas e das religiões, essa transparência é mortal. Com transparência absoluta não há mistério que resista.
A Igreja precisa de mistério. Mistério nos seus processos decisórios, na sua história, nos seus projetos e interesses, por isso mesmo, ela deve ser, em grande medida, silenciosa e impenetrável. E isso não é necessariamente uma ideia equivocada. Seguramente, o desaparecimento da missa em latim não garante o aumento da frequência porque o culto religioso precisa de um halo de transcendência do entendimento. De certa forma, tudo que é plenamente escrutinado é, ao mesmo tempo, plenamente banal.
Se a Igreja decidisse que todo o clero votaria diretamente para papa, a eleição do papa já teria virado a baixaria e palhaçada que são as eleições nas democracias. No Brasil, a esquerda buscaria um cardeal filiado ao PSOL, a direita, um da família Bolsonaro. O mistério e imprevisibilidade da eleição do papa –lida pelos católicos como ação do Espírito Santo– é parte dessa proteção contra a obsessão democrática moderna em todos os níveis.
A Igreja tem dono, e esse dono é o clero, com suas diferenças hierárquicas, claro. Tem patrimônio e deve ser mantido e preservado. Mesmo que Francisco tenha dito que gostaria de uma igreja pobre para pobres, ele bem sabia que isso é uma retórica para alimentar uma utopia. No dia que a Igreja ficar pobre, ela acaba como instituição. Muitos leigos não entendem isso, e leem esse fato como hipocrisia.
Santa e pecadora significa que a Igreja habita uma fronteira entre a história e a sociedade, e uma suposta intimidade com Deus. Essa intimidade, como qualquer outra, não resiste à muita luz.
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