Tenho observado que quando pessoas mal-intencionadas dominam um país, por golpe ou eleição, nenhuma estrutura institucional, como a Constituição brasileira, pode ajudar muito. Por outro lado, um número suficiente de pessoas grandes e boas pode fazer qualquer instituição em ruínas, como a Constituição britânica, funcionar muito bem. Pessoas boas podem modificá-las de vez em quando. E, por princípio, não abusam de seus poderes. Princípios, não estruturas, comandam o show.
Afinal, princípios éticos regem qualquer grupo de pessoas, para o bem ou para o mal, desde uma conversa, um casamento ou alguns amigos até um time de futebol, uma empresa ou um Estado. Uma conversa significativa depende de regras de educação e relevância. Um bom casamento depende de amor ou respeito, ou ambos. O São Paulo FC depende do espírito de equipe. A Embraer S.A. depende de motivações intrínsecas. Um bando de ladrões bem-sucedido depende da regra do sigilo, a "omertà".
Leis bem elaboradas, catecismos, motivos extrínsecos, tribunais, aprovações sociais, fórmulas tradicionais e até mesmo coisas grandes e boas são como palhas ao vento se muitos brasileiros não forem adultos que respeitem a si mesmos, aos outros e aos valores. O funcionamento de instituições, leis, catecismos, incentivos, tribunais, fórmulas e líderes reflete, como dizemos, o caráter das pessoas. Sem sentimentos liberais generalizados —que podem ser nutridos ou corrompidos, para o bem ou para o mal, por um retórico influente, um Lula ou um Bolsonaro, digamos, ou por um STF que ataca a liberdade de expressão—, uma república democrática fracassa.
Em tempos antigos, os sentimentos morais de aristocratas orgulhosos e súditos deferentes regeram a maioria das grandes sociedades por milênios.
Em novembro de 1790, o conservador irlandês Edmund Burke, em "Reflexões sobre a Revolução na França", lamentou o crepúsculo desses sentimentos. "A era do cavalheirismo acabou. A dos sofistas, economistas e calculadores teve êxito; e a glória da Europa se extinguiu para sempre." A era da cavalaria deu lugar, posteriormente, embora de forma lenta, à nossa era plebeia do liberalismo. Hoje, diz-se que a posição social herdada não conta, e os políticos são elogiados pela falta de nobre eloquência, por "falarem simplesmente".
O sentimento antigo da era do cavalheirismo persiste em paródias divertidas, como nos grupos de fãs das revistas Cinearte, A Scena Muda e Revista de Cinema. De maneira menos divertida, persiste também na lealdade a um líder corruptor. Nos lugares onde surgiu o liberalismo, seu êxito dependeu de uma alteração generalizada do sentimento dominante, afastando-se da adoração de hierarcas naturalizados, os aristocratas, "hoi aristoi", em direção à adoração da igualdade universal, o povo, "hoi polloi".
Ou seja, o liberalismo não depende das instituições do Estado, mas de a maioria dos adultos se tratarem com respeito. Vejo perspectivas no Brasil para uma virada liberal, especialmente entre os jovens. O país tem um número surpreendente de grupos de Estudantes pela Liberdade.
A abertura do Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre, para pensadores liberais como o saudoso e grande romancista Vargas Llosa, também me dá esperança.
Uma esperança racional, espero.
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