quarta-feira, 3 de abril de 2024

Um retrato das disparidades regionais durante a ditadura, Frederico Vasconcelos _FSP

 Frederico Vasconcelos

SÃO PAULO

Os 60 anos do golpe militar abriram espaço para a análise do "milagre econômico" durante a ditadura. Em artigo no Globo, Míriam Leitão diz que "a ditadura dos militares foi um horror político e um desastre econômico".

"Houve um período de forte crescimento nos anos 1970. O modelo partiu de premissas que levaram a mais concentração de renda", diz a jornalista.

Editei há 47 anos um caderno especial da Gazeta Mercantil sob o título "Nordeste: alternativas para reduzir os desníveis". O relatório, publicado em 1977, tratou das disparidades regionais com críticas ao modelo de desenvolvimento implantado desde a criação da Sudene e do Banco do Nordeste.

Depois de 15 anos de incentivos à industrialização da região, essa política não havia gerado o crescimento de renda da massa da população.

Como as lideranças industriais do Nordeste viam as disparidades regionais na ditadura
Capa de relatório da Gazeta Mercantil, 31.out.1977 - Gazeta Mercantil/Ilustração: Conceição Cahú/Reprodução

Estávamos no governo Geisel, na ditadura militar (1964-1985). Em Brasília, foram ouvidos os senadores José Sarney (MA), Agenor Maria (RN), Teotônio Vilela (AL), Fernando Lyra (PE) e Helvídio Nunes (PI).

Ouvi empresários no Recife, em Fortaleza e em Salvador, preservando seus nomes, para questionar depois os condutores da política econômica.

Conversei com três dirigentes de grandes grupos empresariais: os pernambucanos João Santos e Jorge Amorim Baptista da Silva e o cearense Edson Queiroz.

Lembrei-me do relatório ao ler na Folha a guerra familiar do grupo João Santos.

João Santos (1907-2009), Baptista da Silva (1923-2014) e Edson Queiroz (1925-1982) tinham estilos diferentes.

O patriarca do segundo maior grupo produtor de cimento do Brasil (Nassau) evitava contatos com a mídia. Lembrava os famosos "coronéis" do interior (conheci dois). Perguntou se eu queria dirigir um jornal local. Entendi como ostentação, não deixei o assunto prosperar.

Baptista da Silva presidiu o Cotonifício da Torre e o Banorte (Banco Nacional do Norte). Introduziu a automação bancária no último banco privado importante no Nordeste. Foi membro do Conselho Monetário Nacional. Era reservado, também avesso a entrevistas. Foi gentil e atencioso. Deu respostas diretas. O diálogo foi formal.

Queiroz correspondia à descrição do biógrafo Lira Neto: "era um homem que combinava ousadia e irreverência, calculismo e bom humor, tino empresarial e atração pelo risco".

Ele me contou que suportou, durante longo voo, um passageiro que tinha todas as soluções para o país.

Perguntou o que o jovem fazia.

"Sou professor catedrático de economia", respondeu, enfático.

"Ah, o senhor é professor universitário? Eu tenho uma universidade."

A Unifor (Universidade de Fortaleza) já graduou cerca de 100 mil alunos e diplomou 7 mil pós-graduados.

Edson Queiroz fundou o grupo empresarial que leva o seu nome; viabilizou a importação de gás dos Estados Unidos, em 1951; criou o Sistema Verdes Mares (rádio, jornal e televisão).

A Gazeta Mercantil era o mais importante veículo de economia e negócios do país. Queiroz não acreditava que as queixas dos empresários nordestinos seriam publicadas.

Alguns sugeriam ser influentes. "Nesta sua cadeira, na semana passada sentou-se um ministro", comentou um industrial.

O relatório recebeu o primeiro Prêmio BNB de Imprensa, em evento num clube de Fortaleza. Ao agradecer, listei dados do Banco Mundial, do Instituto de Nutrição (envelhecimento precoce da população rural), da Sudene e do BNB, publicados no caderno.

Citei o economista Clóvis Cavalcanti, pesquisador do Instituto Joaquim Nabuco:

"Se o crescimento de renda ocorreu, é sinal de que um grupo pôde se apropriar de uma maior fatia do bolo. Esse grupo é formado pelos empresários, os proprietários, os profissionais liberais, os burocratas e tecnocratas, enquanto a massa da população teve um crescimento inferior e até mesmo, em alguns casos, algum retrocesso".

Silêncio no auditório. Ao meu lado, na mesa, o presidente do BNB, Nilson Holanda, parecia desconfortável. Na primeira fila um dos militares ficou vermelho, de olhos arregalados.

Eu havia sido entrevistado no aeroporto, chegara ao clube com um diretor do banco. Saí sozinho à procura de um táxi.


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