“O juiz municipal
discute com o juiz estadual
qual deles é capaz de bater
o juiz federal.
Enquanto isso o juiz federal
tira ouro do nariz.
(Versão parodiada do poema
“Política Literária,).
de Carlos Drummond de
Andrade)
Nos tempos do poema piada modernista,
Drummond escreveu um pequeno texto, dedicado a Manuel Bandeira, intitulado
“Política Literária”: “O poeta municipal / discute com o poeta estadual / qual
deles é capaz de bater o poeta federal.
// Enquanto isso o poeta federal / tira ouro do nariz”. Um pouco pela
minha vida profissional, não sei ler esse pequeno poema sem ter a tentação de
substituir poeta por juiz, mesmo sabendo que a versão paródica fica meio
capenga, por falta, em nosso ordenamento jurídico atual, da figura do juiz
municipal, o que inviabiliza a disputa de poder nos termos implícitos no poema.
De qualquer forma a disputa de competências entre a Justiça Estadual e as
Federais já justifica o poema, entendido como “Política Judiciária”, com
destaque para o atual Supremo Tribunal Federal que parece estar querendo, para
aumentar seu poder, açambarcar todas as competências.
Desde mocinho, quando nos bancos
escolares aprendia sobre os três poderes da República, ficava encafifado pela
ausência de um Poder Judiciário Municipal, o que prejudicava a simetria
perfeita que a meu ver devia existir nos vários níveis dos poderes republicanos.
Se no Executivo havia Presidente da República, Governador do Estado e Prefeito
Municipal; se no Parlamento havia Deputados Federais, Deputados Estaduais e
Vereadores, por que no Judiciário havia apenas a Justiça Federal e Estadual?
Adepto intransigente das formulações simétricas perfeitas, essa lacuna sempre
me incomodou.
Mais tarde descobri que na tradição do
direito português e brasileiro havia sim uma Justiça Municipal, encarnada nas
figuras dos juízes municipais e dos juízes de paz, com algumas atribuições
tanto no Juízo Cível como no Criminal. O Código Criminal de Primeira Instância
do Império previa a existência de juízes de paz para os distritos, juízes municipais
para os “termos” e juízes de direito para as comarcas. Estes eram nomeados pelo
Imperador; os juízes de paz, eleitos pelo povo, juntamente com os vereadores; e
os juízes municipais eram nomeados pelo Governo da Província, a partir de uma
lista tríplice elaborada pela Câmara Municipal. (Mas aqui, também, a simetria
não era perfeita. Por força da conformação do Império como Estado Unitário e
não Federativo, só havia, além dos municipais, os juízes de direito, nomeados
pelo Imperador, inexistindo a figura do juiz federal). Nos tempos da República,
a figura do juiz municipal desapareceu, manteve-se apenas a do juiz de paz, com
atribuição restrita a presidir casamentos.
O Constituinte de 1988 buscou abrir
caminho para revigorar a figura do juiz de paz, admitindo sua remuneração e ampliação
de atribuições, embora sem dizer quais seriam elas. Mas não ousou dispor sobre
a criação de juizados municipais, embora tenha admitido a atuação de juízes
leigos não remunerados para pequenas causas, como auxiliares dos juízes togados.
Em relação aos juízes de paz, o
Parlamento e o Judiciário fizeram ouvidos moucos e não legislaram, nem
provocaram legislação que ampliasse suas atribuições. Os Poderes tendem a ser
centrípetos, ou seja, procuram atrair para si todo o poder possível, não gostam
de dividi-lo; quando há risco de perder parte dele, deixam de tirar ouro do
nariz, e entram em ação, ágeis, ativos e competentes.
Pode parecer bizarro ou surreal, mas já
é tempo de se pensar em buscar o ideal de simetria, nos três níveis de Poder,
criando-se uma Justiça Municipal. E não apenas para que o juiz federal possa
com mais pose tirar ouro do nariz. Nos dias de hoje, de crime organizado
sofisticadíssimo, transestadual e transnacional, de crimes hediondos de alto
impacto na segurança e na ordem públicas, não se justifica que os mesmos
juízes, promotores e policiais que cuidam da repressão desses crimes, que exige
muita perícia, especialização e dedicação, cuidem também de pequenas causas
cíveis e criminais, envolvendo, na maioria das vezes, (re)conciliação ou
recomposição do dano com pequenas multas. Como municipalista de carteirinha,
penso que o fortalecimento dos municípios passa pela adoção do modelo simétrico
de repartição dos Poderes.
Muitos dirão que é retrocesso, um andar
para trás. Voltar aos tempos do Império! Absurdo! Absurdo é ter um dos ramos
mais bem pagos do serviço público, cuidando de brigas de vizinhos ou de
pequenos delitos como vias de fato ou leves hematomas. Lembro meus tempos de promotor
de justiça, quando perdia um tempo considerável com inquéritos e processos pela
contravenção de dirigir sem habilitação. Trabalho da polícia, promotores e
juízes que engordava estatísticas de produção, mas que resultava inútil. A
imensa maioria dos processos prescrevia no Tribunal. (limajb48@gmail.com)
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