Há autores que passam bem pelo teste do tempo. Hannah Arendt é um deles. Não que ela tenha acertado em tudo, mas seus escritos permanecem em larga medida atuais.
"We Are Free to Change the World" (somos livres para mudar o mundo), de Lyndsey Stonebridge, não é exatamente uma biografia, embora funcione como uma. A obra analisa alguns dos temas centrais da filósofa, explicando sua gênese, o sentido que faziam à época e de alguma forma os atualizando para os dias de hoje. É assim que Stonebridge explora tópicos que teimam em permanecer entre nós, como tirania, pós-verdade, refugiados, racismo, e coloca figuras como Putin e Trump sob o escrutínio das ideias de Arendt.
Em alguns casos a filósofa se mostra presciente. Ela percebeu bem que a criação do Estado de Israel se tornaria um problema moral. Ao lado de uma minoria de intelectuais judeus, defendia que Israel fosse um Estado binacional, de judeus e árabes. Para ela, essa era a única forma de evitar uma vizinhança hostil e o problema de pessoas privadas de cidadania, uma condição que ela experimentara na pele, depois que Hitler desterrou os judeus alemães. Ela discutiu várias questões como essa com Golda Meir, a premiê israelense de quem era amiga, apesar das diferenças de opinião.
Em relação ao racismo nos EUA, Arendt não se sai tão bem. Ela obviamente se opunha à discriminação. Numa espécie de protesto contra o racismo, nunca visitou o sul de seu país adotivo. Mas ela se opôs ao movimento de integração escolar por meio de ônibus que levavam crianças negras a escolas de maioria branca. Esse sistema é hoje visto como um marco dos direitos civis. Arendt, porém, achava que ele impunha uma carga pesada demais às crianças negras, que eram submetidas a todo tipo de bullying.
Achei Stonebridge excessivamente contida quando traz as ideias de Arendt para os dias de hoje, mas a timidez não torna a obra menos interessante.
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