No conto "O Curioso Caso de Benjamin Button", de Scott Fitzgerald, o personagem principal nasce idoso e rejuvenesce com o tempo, em história imortalizada no cinema e que revela a peculiar trajetória do protagonista que vai remoçando ao longo dos anos.
Assim como Button, o atual Código Civil nasceu velho, com a comissão de elaboração instituída em 1969, seus trabalhos desenvolvendo-se até 1975 —ano do anteprojeto—, e, somente no ano de 2002, transformando-se na lei 10.406. Da instauração da comissão à vigência foram longos 34 anos, a evidenciar um antiquado ideário. Não havia internet nem smartphone, e a biotecnologia engatinhava, em três singelos exemplos que transformaram a vida da coletividade nas últimas duas décadas. A própria Constituição de 1988 foi promulgada 13 anos após a entrega do anteprojeto ao governo, ainda militar e eleito pelo voto indireto.
Seria injusto dizer que nada se atualizou nas quase três décadas de tramitação do projeto, mas parte significativa do que se alterou no texto original não reflete a realidade social do novo milênio, momento de sua entrada em vigor. O que dizer da aplicação dessas normas nos dias de hoje, quase seis décadas da instauração de sua comissão?
A reposta, obviamente, passa pela necessidade de atualização de suas normas, o que vem sendo feito pelo Legislativo, pontualmente, e, de forma mais aguda, pelos tribunais. Com esse objetivo, por iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), instalou-se a Comissão de Juristas responsável pela atualização e revisão do Código Civil, tendo os ministros do STJ Luís Felipe Salomão e Marco Aurélio Bellizze como presidente e vice e, como relatores-gerais, os professores Rosa Nery e Flávio Tartuce, além de 34 membros nomeados para as subcomissões.
Como todo processo de seleção, a escolha deixa poucos honrados e muitos melindrados, causando a primeira onda de insatisfação com críticas aos eleitos, à comissão e aos trabalhos que nem sequer começaram. Não raro, alguém que se considere preterido transforma-se em crítico mordaz de currículos e trajetórias.
No curioso caso da comissão de reforma do Código Civil, a simples divulgação das propostas apresentadas pelas subcomissões já se tornou motivo para nova torrente de críticas na segunda onda de descontentamento, só sobrepujada pela revelação das propostas sugeridas pela relatoria-geral, resultando em verdadeiro tsunami de juízos — alguns pontuais, outros bem fundamentados e, lamentavelmente, uma profusão de falsas notícias.
A pauta dos costumes, obviamente, é o centro das fake news, com arautos alardeando o fim da família e a adoção de normas contrárias aos valores e princípios do ordenamento. Mas as aleivosias atingem todas as áreas, como acontece, por exemplo, com a proposta de reconhecimento de natureza especial aos animais como seres sencientes, em proposição consonante com recentes alterações de outros ordenamentos, como é o caso de França e Portugal.
Existem críticos, contudo, que fazem objeções fundamentadas, trazendo sugestões e, até, insurgindo-se contra a necessidade de atualização do código. Isso é o que se espera em nosso ordenamento: que todos exerçam seu direito à expressão e opinião e participem de forma ativa do processo democrático, dando sua efetiva contribuição para o aprimoramento da norma.
Importante lembrar que nem sequer foi apresentado o texto final da comissão, pois ainda haverá deliberação do colegiado sobre as diversas propostas apresentadas para depois ser remetido à Casa Legislativa, onde, certamente, haverá grandes debates e contendas.
Espera-se, entretanto, que não fiquemos outras décadas no aguardo dessa atualização, a fim de que, como em Benjamin Button, o tempo, ao invés de consumi-lo, o rejuvenesça para que possa atender às demandas e aos anseios de nossa sociedade atual.
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