sábado, 6 de abril de 2024

Gerenciando riscos no agro, Ana Paula Vescovi ,FSP

 

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Estávamos desacostumados a ouvir a palavra "crise" no agronegócio brasileiro. O crescimento recente de pedidos de recuperação judicial no setor, especialmente no Centro-Oeste, tem sido surpresa após três anos de grande prosperidade. Um bom gerenciamento de riscos de mercado pode trazer mais previsibilidade, especialmente para pequenos e médios produtores rurais.

Estimamos uma quebra da safra de grãos inferior a 10% na média do Brasil em 2024, depois de uma alta importante de quase 20% no ano passado. Ou seja, será a segunda maior safra de grãos da nossa história. O problema parece estar associado também à queda recente de preços internacionais e à pressão altista em custos no setor, ocasionando perda de liquidez.

Produtor rural checa plantação de soja afetada pela seca em Soledade, no Rio Grande do Sul
Produtor rural checa plantação de soja afetada pela seca em Soledade, no Rio Grande do Sul - Diego Vara - 8.jan.22/Reuters

A bonança foi tanta que nos acostumamos a ver apenas o lado fácil da equação. A demanda global por alimentos só aumenta, na esteira de uma população crescente. Além disso, são poucos os países que possuem nossas vantagens comparativas: amplas áreas de terras agricultáveis, boa hidrologia, solo ajustável via fertilização e tecnologia disponível para o campo, pela excelência de centros de pesquisa e desenvolvimento genético.

Embora o agro seja "pop", não é fácil a vida de um produtor de grãos. Com eventos climáticos mais proeminentes e guerras afetando áreas importantes da produção mundial de grãos, a oferta e, consequentemente, os preços podem se tornar mais instáveis no contexto global.

Precisam comprar os insumos (sementes, agroquímicos e fertilizantes), cujos preços oscilam pelas cotações internacionais e pela taxa de câmbio, e ficar de olho no clima e até nos vizinhos para iniciar o plantio. Contratam o pessoal, colocam as máquinas para funcionar. Se errarem no ponto ou o clima não ajudar, podem perder as sementes. E o pior, podem perder parte da produção ou ter que replantar, como ocorreu neste último ano-safra.

São inúmeras as mensagens de voz pelo WhatsApp para fazer todos os contatos, inclusive com bancos repassadores das linhas de financiamento de programas do governo, o famoso Plano Safra. Para os pequenos e médios produtores, ainda é difícil o acesso ao mercado de capitais.

Precisam se preocupar em contratar o armazém e o frete até o porto ou outras áreas de embarque. Vale rezar para não ter altas relevantes no preço do diesel, que é basicamente o que define os custos de entrega da produção.

Assim, precisam acompanhar as cotações do dólar, do petróleo e o preço volátil de insumos; e ainda as variações de oferta, que puxam os preços internacionais das commodities para cima ou para baixo em alta frequência.

Mas nem tudo isso seria necessário. A estratégia de grandes produtores que têm demonstrado crescimento sólido ao longo de muitos anos é se proteger dos riscos de mercado, especialmente da taxa de câmbio e dos preços internacionais de matérias-primas.

Uma primeira dica é calcular as margens a serem obtidas sobre os custos contratados. Nos anos de bonança, chegaram ao redor de 40% a 50%. Dentro da normalidade, situam-se entre 15% e 30%, dependendo da região, e podem ficar abaixo disso nos anos de vacas magras.

Com o cálculo das margens na ponta do lápis, resta vender ou comercializar o equivalente ao custo da produção, descontada a tal margem. Não importa o nível de preço dos contratos a futuro, dólar, nada disso. A estratégia seria vender 70% da colheita: os 100% menos os 30% de margem, por exemplo.

Neste momento é preciso ter sangue-frio, se ater aos números e não aos amigos e vizinhos ou formar consenso, pois o objetivo não é apostar, e sim reduzir riscos. Travar a margem (uma vez definida) não é zerar risco, pois ainda é preciso decidir quando começar a plantar, fazer os tratos culturais, colher e escoar a produção. Travar a margem é simplesmente reduzir ou segregar os riscos garantindo no mínimo continuidade no negócio. Para apostar, o produtor nem precisaria plantar; poderia investir na Bolsa em contratos futuros de commodities.

O negócio do produtor rural não deveria depender de cenários para os preços de mercado, algo que só mesas de trading e complexo gerenciamento de risco conseguem dar conta. Para quem produz, isso pode ser um grande diversionismo em relação àquilo que realmente importa: o clima, a qualidade do solo, a irrigação, o plantio, a colheita, o transporte e a armazenagem. Já é um grande desafio fazer um cálculo mais preciso de custos e da viabilidade estrutural do negócio, haja vista que os preços são dados.

E se quebrar a colheita? A margem poderá ser menor, mas os insumos já estarão todos pagos. Se a colheita vier boa, então vale partir para festa de boiadeiro e comemorar mais um ano abençoado! O que não pode haver é prejuízo em razão de preços de mercado definidos muito longe da lavoura, dos silos e dos caminhões.

Se o leitor for um pequeno ou médio produtor agrícola, saiba que esses preciosos conselhos seguem uma experiência local e internacional de anos de meu colega de banco, chefe de operações agropecuárias. Agradeço ao Carlos Aguiar pelos dedos de prosa valiosos que inspiraram este artigo. Espero que as dicas possam ajudar a fazer brilhar ainda mais o agronegócio no Brasil!

As conversas com o Carlos me empolgam e me deixam saudosa do que ouvia do meu pai, ainda pequena. Ele também atuou no setor bancário com carteira agrícola e orientação a produtores rurais. Acredito que tenha nascido das visitas às exposições agropecuárias na infância o meu carinho e admiração pelo agro.

No fim deste mês, teremos o maior desses eventos, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Excelente Agrishow a todos!


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