terça-feira, 5 de abril de 2022

Royalties: podemos todos fazer mais, Por Marcos Cintra, EPBR

 O royalty busca compensar a exaustão futura e inevitável de determinado recurso natural, e não apenas o impacto da atividade exploratória. Em tese, ao propor uma contrapartida às gerações vindouras, que não serão beneficiadas por essa riqueza, tenta assegurar justiça e equidade intergeracional.

A teoria é bem-intencionada, mas a experiência internacional mostra — e a brasileira confirma — que o dinheiro dos royalties, potencialmente importante, não tem sido capaz de transformar, por si mesmo, países, estados e municípios pobres em economias prósperas.

Um conjunto extenso de trabalhos demonstra, não apenas a inexistência de correlação direta entre royalties e desenvolvimento econômico, como a presença, em muitos casos, de correlação negativa.

Entre as consequências deletérias estão o crescimento abaixo das expectativas, pouca diversificação econômica, indicadores sociais fracos e corrupção generalizada.

Legislações dos royalties são pouco restritivas

As legislações dos royalties em geral, e a brasileira em particular, são pouco restritivas quanto a seu uso — a nossa exclui apenas gastos com contratação de pessoal e pagamento de dívidas — e partem do pressuposto de que governos são prudentes e escolhem infalivelmente bem.

O uso dos royalties é uma escolha intertemporal, realizada por um gestor público eleito.

Há evidente trade-off entre os interesses de curto e longo prazos. A prática tem demonstrado que prevalecem incentivos para ganhos políticos imediatos por meio de gastos que, tradicionalmente, facilitam a reeleição.

Racionalidade ilimitada

Tal comportamento é consequência de as legislações de royalties terem como premissa uma suposta racionalidade ilimitada, sem considerar que as pessoas decidem de acordo com a situação e o ponto no qual se encontram.

Isto é, agentes, sejam eles públicos ou privados, sofrem de uma espécie de miopia intertemporal e, ao escolher entre consumir agora ou amanhã, dão muito valor ao “agora”. Essa postura é frequentemente danosa e há exemplos nos três níveis de governo.

Apesar de ter petróleo em abundância, o PIB per capita da Nigéria em 2000 não foi maior do que na época de sua independência, em 1966. E o PIB per capita da Opep como um todo decresceu 1,3% em média entre 1965 e 1998, enquanto todos os países considerados de baixa ou média renda tiveram crescimento de 2,2% no mesmo período.

Estados e municípios

Em 1999, o Rio de Janeiro, maior produtor de petróleo e gás natural do país, diante da insolvência iminente, teve que antecipar receitas futuras dos royalties para pagar suas contas. Antes do acordo, o estado tinha uma dívida total de quatro vezes sua receita líquida real (RLR) anual, montante duas vezes superior ao teto da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Passados 23 anos, o Rio segue fiscalmente fragilizado, agora com uma espada sobre sua cabeça: a Lei 12.734/2012, cujas regras de divisão de royalties e da Participação Especial (PE) privilegiam estados e municípios não produtores. O resultado do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) que impede a aplicação da lei tem potencial de afetar substancialmente as finanças do estado.

Na esfera municipal, estudos acerca da influência dos royalties sobre gastos e indicadores sociais de saúde e educação concluem que esses recursos apresentam influência significativa sobre a composição dos gastos nessas áreas. Mas não sobre indicadores como taxa de mortalidade e reprovação escolar.

Os trabalhos indicam que a folga orçamentária gerada pelos royalties não tem sido fator determinante da eficiência na alocação dos recursos públicos em favor dos menos favorecidos e mostram, em alguns casos, até um paradoxo.

Municípios com evolução extraordinária no recebimento dos royalties apresentam queda em alguns indicadores do IDH-M.

Campos dos Goytacazes é um dos que mais recebem royalties no país — já chegou a auferir R$ 2 bilhões ao ano e, com a queda da produção na Bacia de Campos, obtém hoje R$ 500 milhões —. No entanto, continua abaixo da média Brasil e teve um incremento nas últimas duas décadas inferior à média de crescimento nacional.

Paradoxo da abundância

Esse conjunto de evidências legitima a existência da chamada maldição dos recursos naturais, ou o paradoxo da abundância.

O fenômeno traz variados impactos negativos. A volatilidade inerente dos preços das commodities, por exemplo, dificulta a administração do gestor público (houve forte queda do barril de 2014 a 2016, pelo excesso de oferta, e mais recentemente na pandemia).

A fraca conexão da produção com a realidade das comunidades, por outro lado, fragiliza a ligação crítica entre tributação, representação política e responsabilidade do Estado.

Embora desconfortável, esse rol de adversidades não significa que essa riqueza seja ruim ou indiferente por si mesma, ou que as consequências negativas sejam inevitáveis.

Gestão e alocação adequada dos royalties

Há lugares onde os royalties geram desenvolvimento econômico sustentável, caso dos EUA, Canadá, Austrália, Chile, Indonésia e Noruega. A “maldição” pode ser evitada se as rendas da produção de petróleo e gás forem alocadas de maneira adequada, por governos capazes de adotar e manter uma boa gestão financeira, apta a suportar pressões políticas e econômicas.

Há amplo espaço para que petroleiras e suas entidades representativas, a Agência Nacional do Petróleo (ANP), o Ministério de Minas e Energia (MME), partidos políticos e sociedade civil tenham maior protagonismo nesse tema.

Propor ao Congresso legislação que puna gestores imprevidentes e incentive os que adotarem boa gestão dos recursos pode ser um caminho.

A criação de estímulos de reputação e confiança, como prêmios e outras formas de reconhecimento, que valorizem a perseverança na racionalidade e o compromisso benevolente com as futuras gerações, também pode trazer frutos.

Seja por meio do aprimoramento de normas ou por iniciativas da comunidade, o fato é que podemos todos fazer mais para que essa riqueza se torne prosperidade.

Nenhum comentário: