sábado, 23 de abril de 2022

O miojo doce e outras porcarias bem piores, Marcos Nogueira , FSP

 


SÃO PAULO

Além do cabecinha Daniel Silveira, outro assunto pôs a internet em polvorosa esta semana: o lançamento do miojo doce, nos sabores chocolate e beijinho.

Trata-se uma edição limitada –obviamente, pois os caras da Nissin não são malucos de abarrotar as gôndolas com um negócio desses. Nem cabe ponderar se a coisa é asquerosa ou surpreendentemente palatável (spoiler: não tem como ser boa).

Porque ninguém quer vender miojo doce. O que o fabricante quer é fazer barulho com uma polêmica planejada dentro de uma agência de publicidade. Quer divulgação espontânea da marca.

Quer isto que eu estou fazendo agora mesmo, neste espaço.

Bolsonaro segura um pacote de miojo
Em 2019, Bolsonaro foi ao Japão e levou miojo brasileiro para lá - Reprodução

O gasto com mídia é substituído pelo custo industrial da produção de um pequeno lote de miojo bizarro. Não tenha dúvida de que sai bem mais barato. E funciona muito.

Depois de ver uma série de tuítes chamando o miojo doce de "trombeta do Apocalipse", escrevi um post em que me dizia cansado de dar palco para esse tipo de ardil mequetrefe de marketing.

Alguém comentou que o meu tuíte era justamente esse palco. Pois é. Estou cansado, mas não disse que iria parar.

Somos prisioneiros das redes sociais, dependentes da máquina que põe nos "trending topics" o miojo doce e tranqueiras bem piores. Sim, estou falando dele: Jair Messias Bolsonaro.

A cantora Anitta bloqueou o presidente nas redes porque não convém à marca Anitta ser usada de trampolim para multiplicar o alcance das barbaridades bolsonaristas.

Por trás dos tuítes espontâneos da artista está uma equipe de profissionais que entende os mecanismos das redes e traça estratégias de comunicação digital. Esses especialistas chegaram à conclusão de que Anitta mais perde do que ganha quando alguns perfis marcam a sua arroba.

Não é assim com a maioria dos usuários de Twitter, Instagram e congêneres.

Essas redes nos foram apresentadas como espaços virtuais de conexão com pessoas do mundo real. Só depois de milhares de vídeos de gatinho é que percebemos a verdadeira função de tais ambientes: fazer-nos comprar objetos e ideias sem perceber que somos conduzidos para a traineira junto com as outras sardinhas da rede.

Aí já era tarde demais. Dona Maria e seu Zé já estavam reféns dos likes e da busca por novos seguidores. A situação é um pouco pior para nós, da imprensa.

Acompanhar assuntos em destaque é uma obrigação e uma necessidade para o jornalista. No mundo ideal, um mecenas pagaria as contas da imprensa sem exigir retorno, mas não é assim que funciona (com pouquíssimas e discutíveis exceções).

Precisamos de audiência para sobreviver. Isso passa obrigatoriamente por redes sociais e mecanismos de busca. Ser relevante nesses âmbitos não é opcional.

Então mordemos iscas como o miojo doce e o perdão que Bolsonaro concedeu a Daniel Silveira.

Bolsonaro está se lixando para o cabecinha. Ao anunciar a anulação de sua condenação, ele quis soar a trombeta que convoca seus demônios para a guerra. Ele sabe manipular as redes, assim como o povo da Nissin. Para Bolsonaro, Daniel Silveira é um miojo de chocolate.

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