O Brasil celebra hoje, 9 de julho, os 88 anos de um evento insólito: uma revolução que perdeu. E, por isso, não revolucionou nada.
A Guerra Civil de 1932 pretendia ser uma revolução. E não tinha nada de separatista. O plano era invadir o Rio de Janeiro para derrubar Getúlio Vargas, com a principal justificativa de estabelecer a democracia. A movimentação envolvia interesses da elite cafeeira e um bairrismo paulista meio esquecido, o do “povo bandeirante” que se acreditava fundador do Brasil e se sentia humilhado por uma série de interventores (governadores não eleitos) de outros estados, impostos pelo governo provisório que vinha desde 24 de outubro de 1930 prometendo justamente a democracia.
A revolta paulista não conseguiu o apoio de outros estados (crucialmente Minas Gerais), como esperavam seus líderes. Foi parada militarmente sem cruzar a fronteira com o Rio, invasão planejada para começar pela cidade de Resende, e se tornou uma causa perdida logo na primeira semana. Em 2 de outubro de 1932, os paulistas se renderam.
Em 3 de maio de 1933, os brasileiros foram convocados a eleger uma Assembleia Constituinte – exatamente no dia que já estava previsto antes da guerra começar. E essa Constituição, promulgada em junho de 1934, duraria pouco mais de 3 anos, até o autogolpe do Estado Novo impor uma carta de inspiração fascista – e aí não teve guerra nenhuma. Mesmo se é verdade que a Constituição só saiu mesmo por causa de 1932, mantido o status quo e com a constituinte partindo do governo provisório no Rio, seria no máximo uma “Pressão Constitucionalista”.
PRÊMIO DE CONSOLAÇÃO
Nossa esquisitice está no dicionário: no Michaelis, brasileiro, “revolução” pode ser sinônimo de mera revolta ou sublevação. No Priberam, português, só num sentido figurado. Mais para: “Menino, seu quarto está uma revolução!”.
A “Revolução” Constitucionalista tem precedentes na história brasileira. No Rio Grande do Sul, tem duas: a Farroupilha (1835 a 1845) e a Federalista (1895). Por outro lado, a “Guerra de Canudos” raramente é chamada de Revolução. A impressão é que os líderes serem ricos e influentes, terminando anistiados, determina o título histórico, mais que a natureza do movimento. Que “revolução” não descreve a natureza do movimento, mas serve de prêmio de consolação aos revoltosos, em nome da pacificação nacional.
São Paulo ganhou um baita prêmio de consolação, aliás. Usa como símbolo do estado a bandeira rebelde. que na verdade era uma proposta não aprovada de bandeira do Brasil. A Farroupilha também pode ser chamada de Guerra dos Farrapos, mas o nome “Guerra Paulista”, comum nos anos que se seguiram, raramente é usado. São Paulo é possivelmente (não conferi uma por uma) a única capital sem um logradouro central chamado Getúlio Vargas, como uma Avenida ou Praça Presidente Getúlio Vargas. No lugar disso, duas de suas maiores avenidas são a 23 de maio (dia da morte dos estudantes Mario Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Dráusio Marcondes de Sousa e Antonio Camargo de Andrade, que deram origem à sigla M.M.D.C., movimento pela guerra) e 9 de julho (começo da guerra).
Os tempos são outros. A impressão é que acabou a era do “deixa disso”, a conciliação a qualquer custo que fazia com que o brasileiro visse a si próprio como criatura apolítica. Quem sabe seja a hora de darmos nome aos bois e chamar 1932 e outros eventos como o que foram: guerra civis. O Brasil as teve. E quem sabe essa conversa de brasileiro apolítico tenha sido mesmo um grande mito desde sempre. Não só 1932, mas as mudanças ilegais de regime em 1889, 1930, 1937 e 1964 estão aí de prova.
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