É dever da imprensa conferir a consistência de suas declarações
“Que é a verdade?”, inquiriu Pôncio Pilatos. Ninguém respondeu. A pergunta é difícil. Ouso dizer que encerra um dos problemas mais cabeludos da filosofia. Mesmo a mais simplesinha e formalista das definições, que equipara a verdade à “adequação da proposição ao objeto”, já consumiu enorme quantidade de tinta e de argumentos e não há sinal de que os filósofos possam chegar a um consenso.
Apesar disso, ao contrário de alguns pós-modernistas, penso que não devemos desistir. Dá para afirmar que a proposição “a Terra é o terceiro planeta a contar do Sol” é verdadeira. Com qualquer outro número ordinal, será falsa. Obviamente, esse critério vale apenas para alguns tipos específicos de juízo, que nem são os mais interessantes —mas é o que temos.
Analisemos, à luz dessas ideias, a polêmica do ex-presidente Lula com a Folha a respeito da veracidade de declarações que ele deu após sua libertação. Por razões de espaço, fixo-me num único caso, o da Globo. Lula tem todo o direito de criticar a cobertura que a emissora fez da Vaza Jato, mas deveria medir melhor as palavras. Se ele diz que a Globo só mencionou o Intercept duas vezes, e essa afirmação —cujo conteúdo empírico é claro e facilmente verificável— não corresponde aos fatos, é forçoso concluir que o ex-presidente falseou a verdade.
É só força de expressão, dirá a turma do deixa-disso. Se um anônimo tivesse afirmado o mesmo que Lula numa conversa de botequim, poderíamos deixar passar. Mas o ex-presidente é o principal líder do maior partido de oposição e disse o que disse no curso de uma entrevista formal ao UOL. É dever da imprensa conferir a consistência de suas declarações.
Não se trata de mero capricho. A democracia convive bem com a divergência de opiniões, mas ela precisa que haja consenso ao menos em relação a juízos que descrevem fatos —ou a própria possibilidade de diálogo fica comprometida.
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