A ideia de Academia surgiu em Atenas, com o jardim Akademos de Platão. Congregação de pessoas postas a pensar pelo pensar. Sem vínculos com resultados concretos, senão com o saudável intuito de permitir a livre expansão daquilo que habita os recônditos da consciência.
Um fluir de ideias sem amarras, o diálogo entre distintas concepções de mundo, o desapego em relação aos frutos desse exercício. A contribuição que a filosofia ofereceu à humanidade é óbvia, ao menos para quem tem neurônios em normal funcionamento. A escala civilizatória tem percalços, porque o bicho humano é insuscetível de perder o animalesco, aquilo que o aproxima das escalas inferiores e o afasta do ideal de perfectibilidade. Utopia que mantém os otimistas a postos e em marcha contínua rumo a um convívio menos angustiante.
Os franceses se inspiraram na Akademia de Platão para criar em 1634 uma instituição com quarenta intelectuais cujo propósito era o cultivo do idioma, veículo para a formulação de ideias. O Rei Luis XIII e o Cardeal Richelieu foram os responsáveis pelo surgimento do cenáculo que, extinto com a Revolução Francesa em 1793, foi restabelecido por Napoleão em 1803. E funciona até hoje, como centro irradiador da cultura francesa.
O modelo foi copiado por Machado de Assis e os outros “Pais fundadores” da Academia Brasileira de Letras, que surgiu em 1897. Sediada na capital da novel República, há no surgimento dela um componente de reação àquilo que surgiu em 15.11.1889, a substituir uma era de tranquilidade e de relativo progresso, por um regime instável e mal nascido.
A releitura da extinção da monarquia permite se detectem múltiplos ângulos. Aparentemente, o Marechal Deodoro da Fonseca era leal ao Imperador, ao qual bem servira, e não queria proclamar a República. A ingratidão perpetrada contra a família imperial é um remorso doloroso que persiste a habitar a consciência coletiva.
Machado era funcionário público do Império. Passara toda a vida em repartição ornamentada com o retrato de Pedro II. Por sinal, no “Pequeno Anedotário da Academia Brasileira de Letras” de Josué Montelo, consta que não permitiu a retirada do quadro com a efígie imperial de sua sala. Teria dito: “Ele entrou aqui por uma portaria, só sai por outra portaria!”.
Nasceu a Academia Brasileira de Letras com a missão de salvaguardar as tradições, em risco de perecimento diante do atropelo republicano, a desconsiderar o passado, a reescrever a História, a desprezar tudo aquilo que a monarquia garantira aos brasileiros ao menos desde 1808.
Tal signo originário parece merecer aragem de atualização no presente momento. Uma espécie de cruzada contra a cultura, contra a filosofia, contra o pluralismo e contra o livre pensar poria em risco o acervo intelectual da Terra de Santa Cruz?
Reserva-se às Academias de Letras a missão salvífica de representar a casamata do intelecto brasileiro. Uma casamata passiva, como repositório daquilo que gerações têm oferecido ao patrimônio intangível da Nação. Uma casamata ativa, para propagar a insuperável valia das letras e do intelecto, a inviabilidade de se desprezar tudo aquilo que privilegiadas mentes de ontem legaram às gerações do porvir e que representam os degraus mediante os quais o presente alçará o futuro.
A profunda mutação gerada pela Quarta Revolução Industrial, na qual estamos irreversivelmente imersos, não condena à extinção instituições humanas que sobreviveram às vicissitudes e continuam alimentadas por essa ideia-força capaz de reconhecer que a palavra é insubstituível. Afinal, integramos uma civilização calcada sobre um asserto que merece contínua reflexão: “No princípio era o verbo!”.
Vida longa às Academias, mormente as Academias de Letras!.
_ José Renato Nalini é Presidente da Academia Paulista de Letras, gestão 2019-2020.
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