Alberto Fernando Becker*
05 de fevereiro de 2020 | 08h00
A maioria das pessoas não está preparada para ouvir coisas profundas. Sequer sabe que precisa ouvir sobre isso. Sabe por quê? Porque a maioria das pessoas está completamente viciada em coisas rasas.
Buscam naquilo que é superficial uma distração, um anestésico para aliviar a sua dor e a sua angústia diante de uma vida vazia de sentido e de significado. É assim nos relacionamentos, nos hábitos, nos negócios, na vida social e na arte.
Falando nisso, lembro de um filme que, quando criança, eu adorava assistir em VHS e pelo qual nutro uma memória afetuosa: A história sem fim. Este filme infantil de meu tempo traz uma importante lição para os adultos de hoje. Vale a reflexão! O menino Bastian – o protagonista – descobre, por meio de um livro especial, um mundo novo, extraordinário, chamado Fantasia. Lá tinha de tudo, dragão da sorte, imperatriz menina, tartarugas gigantes que espirravam, comedores de pedra, entre muitas outras criaturas fantásticas. Tudo muito lúdico, muito lindo. Ainda que o livro que inspirou o filme seja de uma riqueza de conteúdo, detalhes e poesia infinitamente maiores (sempre é assim, não é mesmo?), o cinema buscou transmitir uma mensagem às crianças sobre o direito de sonhar, fantasiar e imaginar, o direito de transcender e crer em coisas para além da matéria. Mas o meu ponto é o grande antagonista, o grande vilão e inimigo de tudo isso, bem como de seu nome poderoso: o Nada.
E o que isso tem a ver com o objetivo desta crônica? Tudo! Explico. Hoje em dia, cada vez mais, a maioria das pessoas não sabem como reagir ao Silêncio e ao Vazio em suas vidas. Parecem perdidas, muitas vezes. Não sabem como se comportar diante do Nada. Assim, desesperadamente, usam qualquer coisa para preencher o vácuo e para abafar o som ensurdecedor que o silêncio grita.
Seguidamente me pego observando as pessoas – não só a juventude, a qual, naturalmente, passa pelo momento de buscar seus próprios referenciais e identidade – e percebo que muitas têm uma existência vazia, não tem muita coisa a dizer, não sabem exatamente a que vieram, não fazem a menor ideia de por que fazem o que fazem, qual sua missão de vida, de que forma podem contribuir para fazer do mundo um lugar melhor. A coisa mais comum é encontrar pessoas para as quais, ao que tudo indica, a vida se resume a pagar a prestação do celular com a última tecnologia (o carro, o aluguel etc.), postar fotos em redes sociais e ir para a próxima balada.
É pouco, é triste, mas é o que vejo. Raros são os afortunados que questionam o Status quo, que ousam viver por um propósito, por uma causa, com clareza de sua missão de vida, que não seguem a manada, fazendo as coisas do seu jeito e desafiando o paradigma vigente. E isso se deve à ameaça crescente e constante do vazio, do Nada.
Na música, o Nada parece ter tomado conta. Proponho um exercício: pesquisar no Google as 10 músicas mais tocadas do Brasil. Leiam as letras com atenção. É sofrível, um show de horror, um culto ao Nada existencial e a tudo que existe de mais raso. Paradoxalmente, há por aí verdadeiras ilhas de resistência ao Nada. Por exemplo, tem uma música (dessas mais modernosas, que a rapaziada deve conhecer), do The Avener, chamada “Fade out lines”, que diz assim: The shallower it grows / The fainter we go / Into the fade out lines. Numa tradução bastante livre: “Quanto mais o superficial cresce, mais fracos ficamos, para linha do desaparecimento”. Adaptando, é exatamente isso: quanto mais rasos nos tornamos, mais rapidamente nós desaparecemos em direção ao Nada. E a vida vai imitando a arte.
Então, eu paro e me pergunto: há esperança? Do que o mundo precisa, afinal?
Respondo: sim, mas precisamos – e precisamos como nunca – de exemplos melhores!
Só que melhores exemplos não brotam espontaneamente na atmosfera. Muito menos nascem de coisas rasas, superficiais. Carecem muito mais de discernimento, de bons conselhos, que geram boas escolhas, boas decisões, que repercutem melhores ações, as quais, em última análise, se convertem em melhores exemplos. Tudo isso reclama profundidade, conhecimento, capacidade de pensar com competência, sensibilidade para perceber o outro e a vida. Tudo cuja matéria prima é constituída de sabedoria, de reflexão, de valores e de significado.
Eu não quero mudar o mundo sozinho. Quero fazer a minha parte, dar a minha contribuição, na contramão do raso, e combater o avanço do Nada. Sempre que posso, como neste texto, busco despertar em vocês a consciência. Isso fará com que a gente suba a régua da vida, de nossas condutas, de nossa postura. E, aí sim, nós podemos reaver o direito de sonhar em mudar o mundo juntos!
*Alberto Fernando Becker, advogado
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