Cunhados talvez não sejam parentes, mas o Totó decididamente o é. Está em julgamento no STJ uma ação na qual um ex-marido reivindica o direito de visitação à cadela da raça yorkshire que havia sido comprada pelo casal e acabou ficando com a mulher. Ele alega que a ex-companheira o impede de ver a cachorrinha, causando-lhe "intensa angústia".
O juiz de primeira instância negou o pedido, alegando que não se pode aplicar a animais regras previstas para a guarda de filhos. O TJ/SP reformou a sentença, valendo-se do princípio da analogia. No STJ, o julgamento estava em 2 a 1 em favor do ex-marido, quando foi interrompido por um pedido de vistas.
Não há dúvida de que o Zeitgeist é pró-pet. Tudo caminha para que os animais de estimação se integrem cada vez mais, no plano afetivo e jurídico, à família. Mas há um limite para isso. Não creio que bichos poderão um dia ser titulares de direitos em sua plenitude, como querem os militantes mais entusiasmados.
Falta-lhes a capacidade de atuar como agentes morais. Se o seu cão foge e mata uma pessoa na rua, não é ele que irá a julgamento, mas você. É verdade que, na Idade Média, bichos que causavam acidentes eram levados ao banco dos réus. Não creio, porém, que isso possa ser considerado um avanço.
O fato é que, para gozar da plenitude de direitos, é preciso possuir, ao menos em potência, a capacidade de cumprir deveres, o que exige algum grau de consciência. Animais podem, contudo, ser pacientes morais, como crianças e outros humanos considerados incapazes.
Nesse campo, porém, estamos condenados a agir com incoerência. Queremos proteger nossos animais de estimação, mas não abrimos mão do hambúrguer nem da pesquisa médica e biotecnológica, que depende do sacrifício de cobaias. O critério é só emotivo, já que, do ponto de vista da biologia, Totó é um parente mais afastado dos humanos do que os ratinhos de laboratório.
Hélio Schwartsman
É bacharel em filosofia e jornalista. Na Folha, ocupou diferentes funções. É articulista e colunista.
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