Ex-presidente da Embraer, Ozires Silva aponta a possibilidade de que, com acordo entre as empresas, as aeronaves brasileiras possam ser vendidas nos EUA como nacionais; ele defende ainda o fim do monopólio da Infraero para o fomento da aviação regional
Luciana Dyniewicz, O Estado de S.Paulo
28 Junho 2018 | 04h00
Fundador da Embraer e um dos principais responsáveis pelo projeto de privatização da fabricante de aviões, em 1994, Ozires Silva vê no negócio entre a brasileira e a americana Boeing uma oportunidade para ampliar a força de vendas da Embraer. “A força de vendas da Boeing é muito importante para nós”, diz ele, que levanta ainda a possibilidade de as aeronaves da Embraer serem “americanizadas”. “Isso significa que elas poderiam ser vendidas nos Estados Unidos, o maior mercado do mundo, como aviões nacionais”, acrescenta.
A negociação entre as duas companhias foi anunciada no fim do ano passado e pode resultar na criação de uma terceira empresa, na qual a Boeing teria 80% de participação e a Embraer, 20%. A nova companhia deve envolver apenas o braço de aviação comercial da brasileira. O segmento militar ficará de fora do acordo por determinação do governo brasileiro, que detém uma ação especial (“golden share”) da Embraer que lhe dá direito a veto em negociações como a que está em curso.
“Isso (a manutenção da área militar) é assim no mundo todo. Nos EUA mesmo, o governo proíbe que a Boeing venda aviões militares sem sua autorização. O governo brasileiro seguiu o mesmo procedimento e está certo”, avalia Silva. “Imagina a Boeing vendendo para governos inimigos dos EUA.”
Para o ex-presidente da Embraer, uma desvantagem do acordo entre as fabricantes é a possibilidade de a americana se “desinteressar” pela brasileira. “Os vendedores da Boeing podem pretender vender mais aviões Boeing que Embraer. Pode acontecer. Não tem como mexer nisso.”
Silva, porém, acredita que o cenário é favorável para o acordo, já que a europeia Airbus se associou, em outubro do ano passado, à canadense Bombardier em um programa de desenvolvimento e vendas de aviões com até 150 lugares. A Bombardier concorre diretamente com a Embraer, que também tem foco em aeronaves desse porte. Com a parceria entre as duas, tanto Boeing como Embraer acabaram perdendo força para competir no mercado global.
Interesse. Além dessa necessidade de fazer frente à parceria entre Bombardier e Airbus, a Boeing procura, na compra de parte da Embraer, se desenvolver rapidamente em um dos mercados mais promissores do setor e no qual ainda não atua, o da aviação regional – que depende de aviões de médio porte. Silva conta que, quando apresentou ao governo brasileiro a proposta de criação da Embraer, na década de 60, já acreditava que esse mercado tinha grande potencial, pois poderia conectar o interior com as capitais.
“Hoje, você olha o mercado mundial, estão realmente pensando em aviões da categoria dos da Embraer. Foi nesse momento que a Boeing, vendo o que aconteceu com Airbus e Bombardier, pensou aonde poderia ir. Eles disseram: ‘vamos construir tudo (aeronaves de médio porte) a partir do zero? Não, vamos conversar com a Embraer’.”
Na avaliação de Silva, para a aviação regional avançar no Brasil, é necessário acabar com o monopólio da Infraero. Isso, segundo ele, faria com que os aeroportos tivessem de ser mais competitivos, o que baratearia custos para empresas aéreas e passageiros.
Ainda de acordo com ele, uma maior abertura do Brasil em geral para o comércio internacional também daria mais competitividade para as empresas brasileiras e permitira que surgissem novos casos de sucesso como o da Embraer. “A Embraer venceu no mercado internacional porque entrou numa competição e ganhou essa competição. O mercado acomoda as pessoas se elas estão protegidas por um dispositivo legal qualquer.”
Silva se diz surpreso com a intenção da Boeing de comprar a Embraer – a americana “sempre foi referência aqui” – e destaca que o espírito de empreendedor funciona em um momento de negociação como o atual. “Uma característica essencial do empreendedor é coragem e ousadia. A gente não sabe quais são os riscos, mas o empreendedor trabalha para que esses riscos sejam minimizados.”
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