domingo, 3 de junho de 2018

Ora, o povo, FSP

Crise pode exacerbar sentimentos contraditórios, mas calmaria não torna sábio o eleitorado

SÃO PAULO
 O povo é um poço de contradições. Pelo Datafolha, 87% dos brasileiros apoiam a paralisação dos caminhoneiros e 87% não admitem nem aumento de impostos nem corte de gastos para bancar a conta das reivindicações.
Não é só. Pesquisa de 2017 mostrou que a maioria dos eleitores dizia buscar um candidato a presidente sem envolvimento com corrupção(87%) e que tenha experiência administrativa (79%), mas os dois nomes que aparecem à frente nas sondagens são os de um condenado por corrupção e de um ex-militar que nunca teve cargo no Executivo.
Foto mostra a urna em primeiro plano e, ao fundo, aparece desfocada a figura de uma mulher
Urna eletrônica usada para votação em 2016 - Diego Herculano/Folhapress
É verdade que momentos de crise tendem a exacerbar os sentimentos contraditórios da população, mas períodos de calmaria política não bastam para tornar sábio o eleitorado.
A literatura sociológica revela que a situação da economia é o fator que mais influi no resultado de pleitos majoritários, mas outras variáveis, incluindo algumas espúrias, como promessas populistas, podem às vezes mostrar-se decisivas.
Até o imponderável tem seu papel. Meu exemplo favorito é o dos ataques de tubarões em Nova Jersey, que provocaram um mau humor que quase custou a Woodrow Wilson sua reeleição presidencial em 1916.
Por que, então, diante de um comportamento coletivo tão incoerente e caprichoso, ainda insistimos em escolher nossos dirigentes pelo voto? Não estou aqui colocando a democracia em questão. Não há muita dúvida de que ela é o melhor sistema à nossa disposição. Virtualmente todas as nações ricas e desenvolvidas do planeta são democráticas.
A explicação é que a democracia funciona, não por causa de uma mítica sabedoria do povo que se materializa no voto, mas por características mais sutis e menos alardeadas, como favorecer liberdades individuais, a alternância no poder e, principalmente, por promover a estabilidade, exigindo sempre respeito a regras pré-definidas. Isso torna ainda mais estúpidos os apelos por intervenções extraconstitucionais.
Hélio Schwartsman
É bacharel em filosofia e jornalista. Na Folha, ocupou diferentes funções. É articulista e colunista.

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