segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Copa, urna e bola - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO


O Estado de S.Paulo - 09/12

A Copa do Mundo coincidiu com oito eleições presidenciais brasileiras. A bola, porém, nunca encheu nem esvaziou as urnas. Em 1930, a votação precedeu o torneio. A eleição de 1934 foi indireta. Em 1938, a ditadura Vargas deixou a urna no banco. Veio a guerra, interromperam-se também as Copas. No retorno, em 1950, nem o "maracanazo" evitou a eleição de Getúlio Vargas.

Depois disso o divórcio dos calendários político e futebolístico durou quase meio século. Até que, em 1994, tudo casou: o Brasil foi campeão e deu situação. Parecia que o futebol ajudava o presidente de plantão. Mas, em 1998, a despeito de a seleção perder a final por 3 a 0, aconteceu a reeleição. Ficou claro: não era a bola a determinar o voto, mas o bolso cheio de reais.

Desde então, a escrita perdura. Copa e eleição convivem, mas não se misturam. Em 2002, o time ganhou, mas o governo perdeu para a oposição. Em 2006 e 2010, a seleção caiu antes das finais e, mesmo assim, o governo papou as duas. O eleitor nunca confundiu as bolas com o torcedor - embora políticos acreditem piamente no contrário. E em 2014, as urnas ficarão imunes ao clima de Copa?

Desta vez, o Brasil não apenas compete, mas é anfitrião. A responsabilidade é dupla. Um vexame extracampo seria pior do que uma goleada dentro de casa. Descalabros de infraestrutura, escândalos na venda de ingressos ou manifestações-monstro na porta dos estádios podem, sim, influir no clima da opinião pública. Os protestos de junho já provaram isso.

Para os eleitores, o que estará em jogo não é a honra boleira da nação, mas o orgulho de fazer as coisas bem feitas. De receber direito. De dar conta do recado. As chuteiras da pátria estão abaixo do figurino de mestre de cerimônias. Para esta ser "a Copa das Copas", como prevê Dilma Rousseff, a presidente dependerá de cartolas, não dos jogadores. Muito mais arriscado.

A tradição joga contra. Fotos aéreas do Maracanã durante a final de 1950 evidenciam as obras inacabadas do lado de fora do estádio. Nossa pontualidade nunca foi britânica. O minuto de silêncio proposto por Dilma durante o sorteio das chaves da Copa durou 10 segundos. A homenagem a Nelson Mandela foi abreviada precisamente pelo rei da cartolagem, o suíço Joseph Blatter.

Por mais fora que chute, um jogador jamais conseguirá derrubar um guindaste e matar operários. Nem gastar R$ 670 milhões em um estádio que, passados 360 minutos de bola rolando, é candidato a virar presídio temporário. Convém o público aproveitar ao máximo a Arena Amazônia, em Manaus: cada segundo de Honduras X Suíça terá custado R$ 31 mil do seu, do meu, do nosso.

A crença dos políticos de que dois ou três jogos de Copa do Mundo têm o poder de salvar anos de má administração será posta à prova. Nesta semana, pesquisa CNI/Ibope mostrará o ranking de popularidade dos 27 governadores. Muitos dos que devem aparecer na parte mais baixa da tabela serão anfitriões de jogos da Copa. Veremos se o futebol é capaz de salvá-los do rebaixamento.

A súmula desse jogo indica que, além de drenar cofres públicos, a Copa oferece muito mais riscos à popularidade do que benefícios à imagem do governante. É uma aposta alta, com grandes chances de dar zebra. O mesmo dinheiro bem aplicado em mais médicos e melhores hospitais provavelmente resultaria em mais pontos de aprovação do que uma arena ludopédica-circense.

Há de haver alguma planilha perdida por aí que explique tal predileção empreiteira de governantes que nunca pisaram em um estádio fora da tribuna de honra. Do mesmo jeito que há 50% de chance de o Brasil cruzar com Espanha ou Holanda, se passar às oitavas-de-final. Se a seleção for a primeira do grupo, o confronto será em Belo Horizonte. Para Dilma, é jogar na casa do adversário.

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