segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Um breve diagnóstico do presente


Crescimento razoável em 2014 vai depender de uma expansão da demanda externa, com uma melhoria do resultado comercial

22 de dezembro de 2013 | 2h 04

Luiza Gonzaga Belluzzo
O Estadão me oferece a oportunidade de escrever sobre o desempenho da economia brasileira em 2014. Para não ser acusado de evitar projeções, apostas não raro comprometedoras da reputação de economistas e astrólogos, vou remeter o leitor aos prognósticos da Nobel Consultoria. Ostentando o segundo lugar no ranking de projeções de inflação, depois de prolongada liderança, a Nobel vislumbra para 2014 uma inflação rodando na faixa dos 5,6%. Já o crescimento do PIB deve circular em torno dos 3% e o superávit primário deve alcançar os 2% prometidos.
Feita a genuflexão aos idola theatri da teologia do (in)transcendental, tão cara aos economistas, passo às considerações que meu amigo João Manuel Cardoso de Mello - inspirado em Weber, Simmel, Manheim e em outros tantos herdeiros de Nietzsche, Marx e Schumpeter - chamou de Diagnóstico do Presente.
Na longa estiagem de crescimento que sucedeu a crise da dívida externa no início dos anos 1980, o Brasil perdeu posições no ranking das nações em desenvolvimento. Abaladas por mudanças tectônicas na geoeconomia global, as camadas dirigentes e dominantes do País aceitaram e proclamaram visões e interpretações superficiais a respeito da natureza das transformações na economia global. Isso levou à adoção de regimes de política econômica que caminharam na contramão dos movimentos que seus patrocinadores pretextavam acompanhar.
Os equívocos decorreram de uma correlação de forças submetida à hegemonia dos mesmos sujeitos sociais que nos levaram ao caos fiscal e monetário da crise da dívida e às práticas da finança parasitária, criaturas da hiperinflação dos anos 1980. O "estado de convenções" herdado dos tempos de alta inflação e maculado dos vícios da indexação e do curto prazismo continuou a comandar a política econômica e a enredar a economia do país nas teias dos juros elevados e do câmbio valorizado. A aventura terminou na banda diagonal endógena de janeiro de 1999, cujo fracasso foi mais fulminante do que a debacle da diagonal de Flávio Costa na Copa de 1950.
Já no final de 2003, ano inaugural do primeiro mandato presidencial de Lula, a economia mundial apresentava forte aceleração, puxada pelos Estados Unidos e pela China. A partir de então, a abundante liquidez financeira e o crescimento vigoroso do comércio mundial promoveriam uma formidável mudança no balanço de pagamentos brasileiro. Todos os indicadores de vulnerabilidade externa melhoraram sensivelmente nos quatro anos subsequentes.
Apesar dos ventos favoráveis, o Brasil continuou a perder posições na disputa global pelo valor adicionado na indústria manufatureira. Poucos países emergentes conviveram por tanto tempo com uma combinação câmbio/juro tão hostil ao crescimento e tão favorável às formas estéreis e socialmente perversas de arbitragem e de especulação com os movimentos de valorização/desvalorização de sua moeda.
A valorização do real afastou o investimento produtivo estrangeiro. Assim, ampliou-se o risco de regressão da estrutura industrial, a despeito da modernização defensiva dos setores que ainda sobrevivem à ofensiva dos manufaturados chineses.
A dilaceração das cadeias produtivas pelo "real forte" e a estagnação dos investimentos só serão reparadas com o aumento dos gastos na formação da nova capacidade, sobretudo, nos setores novos e intensivos em tecnologia. Isso vai demandar, sim, a centralização do capital, agora disperso em empresas sem a escala requerida para participar do atual estágio da concorrência global e a elevação do gasto autônomo do Estado.
O governo acerta ao retomar as negociações com o setor privado em torno da rentabilidade das concessões, medida necessária para romper os gargalos criados ao longo das últimas décadas na infraestrutura. Esse é um fator importante para o apaziguamento das expectativas empresariais pessimistas. A consolidação de um estado de expectativas estável vai facilitar a defesa da economia contra eventuais mudanças na política monetária americana. Na mesma direção corre a promessa do Banco Central do Brasil de estender para 2014 a oferta de hedge e liquidez ao mercado de cambio.
O Banco Central, por sua vez, depois de iniciar uma cautelosa e necessária mudança de rumos na política monetária e nas práticas de intervenção nos mercados de câmbio foi condenado a recuar diante da gritaria histérica dos que antecipavam a inflação prestes a romper o teto da meta e iniciar uma disparada incontrolável.
A queda dos juros criaria a oportunidade para o desenvolvimento do mercado de capitais, desafogando os financiamentos do BNDES. Os primeiros movimentos foram animadores: aumentaram as captações dos fundos imobiliários e de infraestrutura, cresceram a emissão de debêntures pelas empresas. A experiência histórica dos países de industrialização retardatária demonstra que tal cometimento exige, ademais, bancos universais de grande porte, rigorosamente regulados e supervisionados, aptos a desenvolver instrumentos financeiros destinados ao financiamento de longo prazo.
A economia mundial está diante de capacidade de oferta excedente em quase todos os setores, e isso vai tornar ainda mais acirrada a conquista de mercados. Em tais condições não há como descurar do câmbio real mediante uma política voltada para estimular as exportações e proteger a indústria de importações predatórias. Um crescimento razoável em 2014 vai depender de uma expansão da demanda externa, com uma melhoria do resultado comercial. Os incentivos à indústria não devem ser concedidos sem contrapartidas de desempenho nas exportações, na inovação tecnológica e na recuperação dos setores danificados pelas importações predatórias.
Sobre a utilização dos recursos decorrentes da exploração do pré-sal: o ideal para o país detentor de uma riqueza natural abundante é constituir um fundo soberano e aplicar no exterior os recursos gerados pelas exportações, utilizando no âmbito doméstico tão somente os recursos gerados nas vendas internas e os rendimentos obtidos das aplicações no exterior. Esses fundos são genuinamente "fundos de poupança" de longuíssimo prazo.
O País incorporou 16 milhões de famílias ao mercado de consumo moderno por conta das políticas sociais e de elevação do salário mínimo que habilitam esses novos cidadãos ao crédito. Essa incorporação será limitada se não estiver apoiada na ampliação do espaço de criação da renda.
Nas economias emergentes bem-sucedidas, a ampliação do espaço de criação da renda é fruto da articulação entre as políticas de desenvolvimento da indústria (incluídas a administração do comércio exterior e do movimento de capitais) e o investimento público em infraestrutura. Esse arranjo, ao promover o crescimento dos salários e dos empregos gera, em sua mútua fecundação, estímulos às atividades complementares e efeitos de encadeamento para trás e para frente.
ECONOMISTA, FOI SECRETÁRIO DE POLÍTICA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA NO GOVERNO DE JOSÉ SARNEY

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