sábado, 28 de dezembro de 2013

A Grande beleza


A vida é séria, mas não a leve tão a sério parece dizer o jovem de 43 anos, Paolo Sorrentino, com seu filme A Grande Beleza – ele também escreveu o roteiro ao lado de Umberto Contarello. Jovem, aqui, carrega leve tom irônico, pois lhe caberia melhor a “meia-idade”; seja como for, pareceria ainda muito cedo para ele falar em decadência, velhice e morte.
O escritor Jap Gambardella (Toni Servillo) está comemorando 65 anos com festa na mansão onde vive com vistas para o Coliseu de Roma. O peso da história está em frente aos convidados, mas estes parecem pouco se importar. Dançam e cantam uma dessas músicas grudentas atuais que levam corpos envelhecidos a balançarem usando mímicas infantis como se, num passe de mágica, o baile tosco lhes trouxesse a juventude de volta. E como se a grande música italiana (européia) clássica estivesse em ruínas, igual ao Coliseu.
Jap tem consciência da própria decrepitude, mas brinca com ela. “Se há algo de que posso me dar ao direito aos 65 é não fazer o que não quero”, ele diz. Por isso, é tão mordaz ao falar umas doloridas verdades a uma amiga a fim de não se arrepender de não ter dito. Por isso, persegue o segundo romance (a vida passou e ele nunca escreveu), após o sucesso de O Aparelho Humano. Por isso, se tornou um bon vivant e frequenta festas e escreve sobre arte para uma revista e faz sexo casual.
Mas ele também tem consciência da própria solidão – compartilha algum momento de intimidade familiar apenas com a empregada latina e com uns poucos amigos igualmente envelhecidos e carentes, como o dramaturgo frustrado Romano (Carlo Verdone) e Romana (Sabrina Ferilli), ainda stripper aos 50 anos. Mas os amigos partem ou morrem.
Os passeios de Jap por Roma são referências claras de Fellini (lembram os de Marcelo Mastroianni em A Doce Vida, 1960), mas não apenas por usar a famosa cidade como cenário, mas por inspirar pensamentos filosóficos sobre vida e morte. A nostalgia do passado romântico em contraposição à realidade atual em tudo remete ao célebre cineasta, assim como a cena do mágico que faz desaparecer uma girafa e avisa que é apenas um truque.
E o princípio de não levar a vida é sério está mais evidente em algumas situações específicas, como o beija-mão de uma candidata a santa e o posterior jantar na casa de Jap. Estamos, portanto, na Roma cosmopolita dos chineses, árabes, latinos, africanos etc, mas também na cidade sagrada da Igreja Católica. As sequências com a “santa” são engraçadíssimas – na mesma intensidade em que a história de amor da juventude dele são as mais singelas.
Porém, os diálogos e, principalmente, as frases do protagonista dão o tom de um filme sem jovens: sarcasmo como mote para driblar os desconfortos. E Jap tem vários deles. O inexistente segundo livro, a velhice, a decadência cultural romana, a arte contemporânea lutando para dizer alguma coisa e não diz nada, a morte onipresente e a própria morte próxima, as festas vazias de sentido (os trenzinhos de Roma que os convidados fazem nas danças, diz ele, são os melhores porque não vão a lugar algum).
De um lado, debocha para não chorar. E nos faz rir. Rir de nós mesmos, do seres humanos que somos e de como estamos tão bem retratados na tela. De outro, ele tem alguns confortos, como o convívio com a beleza da arte clássica, a ventura de desfrutar da paisagem que parece cenário de filme que é a própria cidade e a belíssima trilha que pode acompanhar um transeunte (como a ouvida numa igreja nas cenas de abertura).
Trilha que, em tudo, contrapõe à vulgaridade das músicas de salão que o envolve só enquanto ele se deixa embriagar pelos prazeres mais primitivos – e aos que todos nós estamos expostos.

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