segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Há bom espaço para mudança

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Embora descrente de mudanças que possam retirar o País do estado em que se encontra, vale colocar questões para reflexão

22 de dezembro de 2013 | 2h 04

Amir Khair
Os objetivos do governo Dilma foram colocados no Plano Mais Brasil em janeiro de 2012: "A consolidação do padrão de desenvolvimento baseado no crescimento e na manutenção do ambiente macroeconômico estável pressupõe que se evolua para uma taxa de juros básica e margens bancárias semelhantes às praticadas nos demais países, o que, sem prejuízo da estabilidade de preços, propiciará um menor custo de acesso ao crédito para consumo e investimento. Por sua vez, a taxa de câmbio deve evoluir no período para um patamar que possibilite harmonizar os objetivos de controle da inflação, melhoria distributiva, elevação da competitividade e redução da vulnerabilidade externa".
Em 2010, o País vinha de um crescimento de 7,5% e caiu para 2,7% em 2011 e 1% em 2012. O governo havia previsto crescer 5,5% em cada um desses anos e, apesar do fracasso, a cada ano continuava prometendo crescimento próximo a 5%. O fato é que deve fechar o triênio 2011/2013 em apenas 2% como média anual, voltando até abaixo dos fracos níveis do governo FHC de 2,3% (média de 1995/2002).
O fracasso da política econômica não parou por aí. No Plano Mais Brasil estava previsto encerrar este ano com a dívida líquida em 30% do PIB (está em 35%), déficit nominal zero (deve fechar acima de 3,5%) e nem de longe se imaginava qualquer problema nas contas externas do País, cujo rombo cresce velozmente, atingindo nos últimos 12 meses encerrados em outubro US$ 82,2 bilhões.
Após o fracasso em 2011 e 2012, o governo cedeu à pressão das críticas de que o modelo de desenvolvimento baseado no consumo estava esgotado, devendo colocar o carro-chefe do crescimento no investimento. Nesse sentido iniciou o programa de concessões à iniciativa privada para os modais de transporte.
Quanto às taxas de juros, conseguiu atingir a meta da Selic em termos reais (excluída a inflação) de 2% por alguns meses. Hoje está acima de 4%. Quanto às taxas de juros do sistema financeiro, iniciou campanha por sua redução em abril de 2012, levando a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil a seguir a orientação do governo, mas sem sucesso quanto aos bancos privados que continuaram cobrando as taxas mais elevadas do mundo. Assim, infelizmente se está longe do objetivo: "Taxa de juros básica e margens bancárias semelhantes às praticadas nos demais países".
Quanto à inflação, bateu no teto da meta de 6,5% em 2011, refluiu para 5,84% em 2012 e deve fechar em 5,7% neste ano. A Petrobrás foi e continua sendo obrigada a subsidiar a importação de gasolina e diesel funcionando como peça auxiliar do controle da inflação. Em consequência, o governo entupiu sua principal empresa de dívidas, atrasando seu programa de exploração do pré-sal e de ampliação da capacidade de refino do País rumo à autossuficiência nos derivados de petróleo. Outra consequência do ataque à Petrobrás é a sensível piora da mobilidade urbana, ao estimular o uso do transporte individual ante o coletivo no subsídio à gasolina e na redução do IPI dos automóveis.
Enfim, tem-se um governo incapaz de retomar o crescimento, que piorou as contas internas e externas e está desacreditado sobre as metas que não consegue cumprir.
Será que irá mudar a política econômica em 2014? Não creio, mas tudo é possível.
Quanto aos juros pagos pelo governo (Selic) acho difícil que consiga voltar abaixo dos dois dígitos e, se surgir alguma pressão externa ou choque agrícola interno, a taxa real vai subir ainda mais e a despesa com juros poderá levar a déficit fiscal maior do que os atuais 3,5% do PIB.
Quanto aos juros do sistema financeiro, o governo não parece disposto a sofrer mais uma derrota na iniciativa malsucedida do ano passado. O silêncio é aliado do abuso da agiotagem que reina no País.
Quanto ao câmbio, talvez continue prevalecendo sua submissão ao controle da inflação.
Mudanças. Embora descrente de mudanças que possam retirar o País do estado em que se encontra, vale colocar questões para reflexão. Em primeiro lugar, é necessário ter clareza que consumo e investimento não se opõem. Pelo contrário, interagem positivamente.
Maior consumo induz investimento e maior investimento abre espaço ao crescimento do consumo. Não é necessário reduzir o ritmo do consumo para permitir crescer o investimento.
Mas crescer o consumo apoiado na qualidade do crédito que o sistema financeiro oferece é temerário, apesar de o ministro da Fazenda identificar a falta de crédito como uma das pernas mancas do crescimento. Desde outubro a taxa de juro para pessoa física gira em torno de 90% ao ano, ou seja, quem precisar adquirir um bem financiado em 12 meses "sem juros", vai pagar quase o dobro do preço à vista.
O orçamento doméstico está sacrificado pelo excesso de juros das compras financiadas e constitui séria barreira a novo endividamento, segurando o consumo.
A perna manca, assim, não é o volume insuficiente, mas a qualidade do crédito. Quem sabe o ministro queria dizer isso. Teria sido o reconhecimento de grave freio imposto ao crescimento econômico sadio. Crescer sem tanto compromisso com dívidas e prestações.
A outra perna, essa sim manca e encurtada, precisando de um bom alongamento, é a taxa de câmbio. Tenho insistido que deve voltar a R$ 3/US$ para: a) devolver a competitividade perdida pelas empresas e; b) voltar a ter saldo na balança comercial rumo ao equilíbrio das contas externas.
Afinal o Plano Mais Brasil, como destacado no início deste artigo, defende: "Por sua vez, a taxa de câmbio deve evoluir no período para um patamar que possibilite harmonizar os objetivos de controle da inflação, melhoria distributiva, elevação da competitividade e redução da vulnerabilidade externa".
Desde o Plano Real, o câmbio só cumpre a finalidade de controle da inflação ao baratear artificialmente o preço do produto importado. As demais finalidades só na intenção. Vale lembrar que em relação a 2011 o câmbio sofreu depreciação real (excluída a inflação) de 28,7% e a inflação em vez de subir caiu de 6,5% para 5,7%.
Como as taxas de juros e câmbio estão distantes do que é preciso, o País felizmente tem bom espaço para acomodar essas mudanças. Feliz 2014!
MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR

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