De todos os feriados, o de Ação de Graças norte-americano é meu favorito: um fim de semana prolongado para reunir a família ao redor de um enorme jantar e lembrar de todas as pessoas, coisas e oportunidades pelas quais somos gratos. Ainda por cima, é um feriado não religioso e não comercial (ainda que dê início à temporada de compras natalinas).
Muito apropriadamente, o site TED.com publicou durante o feriado a palestra do monge Beneditino David Steindl-Rast, que vem há anos divulgando uma mensagem de gratidão. Em voz deliciosamente serena porém firme, e em pouco mais de 14 minutos sem qualquer apoio audiovisual, o monge nos lembra que todos nós, de qualquer cultura, etnia, credo ou profissão, temos algo profundo em comum: o desejo de ser feliz. E ousa dar uma receita: o caminho mais fácil e imediato para a felicidade é a gratidão.
É uma mensagem simples e poderosa --e a neurociência assina embaixo. David nos lembra do que é dar graças: é parar por um instante para olhar ao redor e reconhecer as oportunidades que temos, e lembrar que, mesmo se algo dá errado, a vida nos dá a seguir a oportunidade de tentar de novo. Na pior das hipóteses, podemos ser gratos só por essa oportunidade de seguir adiante.
Fui assuntar na literatura científica sobre o que é a gratidão para o cérebro, e me deparei com um belo estudo do americano Jordan Grafman com o brasileiro Jorge Moll sobre emoções morais.
Apoiados na filosofia de David Hume, eles supõem que essas emoções dependem da noção de agência, ou seja, de responsabilidade pessoal pelos acontecimentos. Quando algo de bom acontece como resultado das nossas ações, ficamos orgulhosos; mas quando algo de bom acontece por ação alheia, ficamos gratos. A equipe mostra que, nos dois casos, de fato há ativação do sistema de recompensa do cérebro, que nos deixa instantaneamente felizes e satisfeitos.
Parar para olhar ao redor e dar graças pelas coisas boas da vida é, portanto, dar ao cérebro uma oportunidade de lembrar de tudo o que tem dado certo e ficar genuinamente feliz com tudo isso que não depende de nós. Assim, a gratidão é, por definição, um sentimento de felicidade --mas um que podemos escolher ter a cada instante.
É só fazer uma pausa, dar graças (à vida, aos céus, a Deus, ao acaso, às pessoas boas que você conhece, não importa) --e instantaneamente seu cérebro encontrará um momento de felicidade.
Suzana Herculano-Houzel, carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha, e professora da UFRJ. Escreve às terças, a cada 15 dias, na versão impressa de "Equilíbrio".
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