Eleição para a reitoria da USP tomou forma de confronto entre qualidade científica e democracia – polarização com a qual o autor não concorda
07 de dezembro de 2013 | 16h 01
Renato Janine Ribeiro - O Estado de S. Paulo
A USP vive a mais nervosa escolha de um novo reitor em vários anos. O conflito se deve à sucessão. Nas últimas décadas, as universidades públicas de todo o País adotaram formas de eleição pela comunidade. A USP foi a exceção. Inventou um sistema pelo qual, não havendo candidaturas inscritas, esperava-se que espontaneamente os melhores lembrassem outros nomes, melhores ainda, de modo que, sem partidarização, sem política, pesquisadores de alto calibre acabassem sendo escolhidos, por um misto de colégios restritos e de decisão pelo governador, para dirigir a universidade.
Nelson Antoine/Fotoarena
Rodas teve êxitos, mas foi criticado por negar-se a dialogar com os estudantes
O princípio é correto. A melhor universidade se distingue pela qualidade na pesquisa e no ensino graduado e pós-graduado. Daí um teor aristocrático na eleição uspiana: os melhores lembrariam os melhores. Mas, na prática, isso não funcionou. Sempre se soube, desde o começo, quem eram os dois ou três “para valer”. Facções logo dominaram o processo. O que seria aristocracia virou oligarquia, com os poucos (oligoi) substituindo os melhores (aristoi). Daí, os últimos reitores se fecharam no espaço físico da reitoria. Cavou-se uma distância grande, política e cultural, entre dirigentes e dirigidos. Daí, uma crise potencial de legitimidade dos reitores.
Nenhum dos seis reitores eleitos no regime atual tentou mudá-lo. A novidade na eleição de 2009 é que todos os candidatos o prometeram. O reitor João Grandino Rodas convocou duas reuniões do conselho, que debateu o tema de forma exaustiva e, em 2012, conclusiva. Em meados do ano passado, obteve-se um consenso em torno de uma proposta moderada. Era só votar. Mas o reitor foi adiando. A surpresa ocorreu quando, no início deste ano, circulou que a administração queria introduzir a reeleição na USP. Não deu certo. Depois disso, se tentou uma reeleição cruzada, na qual o vice-reitor se tornaria reitor, e o reitor ocuparia a vice-reitoria, mas com poderes fortemente ampliados.
Tal proposta, submetida a vários diretores, foi recusada por três dos quatro pró-reitores – Maria Arminda (Cultura), Marco Zago (Pesquisa) e Vahan Agopyan (Pós-Graduação). Rodas não teve, assim, o apoio da própria equipe. Rompeu com Zago e Vahan, que hoje compõem a chapa com mais condições de se eleger – um cientista ex-presidente do CNPq, um engenheiro ex-presidente do IPT – e a única que fala em democracia no plano de gestão. Então, perto do fim de seu mandato, o reitor Rodas decidiu discutir a democracia na USP.
A reforma foi votada em 1º de outubro. Adotou-se uma medida simples, defendida havia anos, entre outros, por Hernan Chaimovich e por mim: a escolha passa de um colégio de 250 membros, facilmente controlado pelo reitor e pró-reitores, para o conjunto de quase 2 mil membros das congregações, professores em sua maioria. A mudança torna o processo mais aberto e menos controlado. Mas não se avançou rumo à eleição direta, nem se ampliou o colégio. Também se manteve, por ora, a lista tríplice submetida ao governador. Em 20 sucessões reitorais na democracia, na USP, Unesp e Unicamp, sempre o governador respeitou a preferência da universidade, com uma única exceção – justamente, a escolha de Grandino Rodas, em 2009, em vez do mais votado, Glaucius Oliva, hoje presidente do CNPq.
Inscreveram-se quatro candidatos, que têm seus programas e vídeos na internet. O reitor apoia a candidatura do geógrafo Wanderley Messias, da FFLCH, tendo como vice a ex-reitora Suely – curiosamente, Rodas foi nomeado por José Serra, em 2009, justamente porque o governador não queria ninguém que fosse próximo da então reitora. O vice-reitor Helio Nogueira não parece mais ser o preferido do reitor, embora tenha apoio em várias unidades. Dos quatro candidatos, só um não participou da gestão cessante, José Roberto Cardoso, da Poli. É de se esperar que em eleições futuras acabe a tendência de haver como candidatos praticamente só pró-reitores e diretores.
Grandino Rodas teve êxitos. Construiu muitas obras. Formou uma equipe competente. Mas se desgastou mais do que precisava, devido à relutância em votar a reforma na escolha de reitor, à briga desnecessária com sua Faculdade de Direito e, finalmente, ao rompimento com a própria equipe. É raro um reitor da USP ser tão criticado na imprensa: a cada conflito com os estudantes ou funcionários, os jornais apontavam falhas da reitoria. Até o Judiciário lhe negou, recentemente, a pronta reintegração de posse da reitoria invadida – algo antes automático –, afirmando que ele se negara a dialogar com os estudantes.
A invasão foi lastimável, com depredações e furtos, mas de certa forma representou o esgotamento de uma forma de política universitária. A tensão na Universidade de São Paulo tomou a forma de um confronto entre quem defende a qualidade científica e quem quer a democracia, entendendo por ela a eleição do reitor com igual peso para professores, alunos e funcionários. Não concordo com essa polarização. O segredo da USP é a alta qualidade. Ela é a melhor universidade da América Latina porque não transige nesse ponto. Mas qualidade não é oligarquia.
As demandas da qualidade, sem oligarquia, e da participação, sem pôr em risco a qualidade, precisam e podem negociar. Parece-me pouco que, mesmo com a recente e moderada reforma, nem mesmo um terço dos 6 mil professores doutores da USP votem na escolha do reitor; deveriam votar todos, com participação compatível de alunos, funcionários, sobretudo especializados, e talvez ex-alunos. Mas o decisivo na USP deve ser a busca da melhor qualidade.
Renato Janine Ribeiro, professor titular de Ética e Filosofia Política da USP, é autor de "A sociedade contra o social, o alto custo da vida pública no Brasil" (COMPANHIA DAS LETRAS)
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