Luluzinhas do mundo todo: larguem o aplicativo Lulu! Não há romance disponível para download
30 de novembro de 2013 | 16h 06
Marcelo Rubens Paiva*
Ame aquele calado que, a sós, diz coisas lindas. Ame aquele desengonçado que, no escuro, encaixa e desconcerta. Ou aquele desarrumado que embaralha a sua vida. Que tal o deselegante que te trata como ninguém ousou? Tente aquele ali, de quem menos se espera. Nos defeitinhos dele é que está a graça.
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Com o Lulu, garotas avaliam rapazes e passam a dica para a frente
Se amor é uma ilusão, se lambuze. Deixe ele vir. Deixe ele surpreender e transformar. Não existe fórmula, sabor certo: o sabor do dia. Não existe algoritmo que traga a perfeição. Não existe perfeição. Arrisquem. Luluzinhas do mundo todo, iludam-se! Sejam empreendedoras na vida e no coração.
Que bonitinho, ele tem alergia, ele anda engraçado, ele não gosta de dirigir, ele largou o emprego pra ir de bike até a Patagônia, ele não quer dinheiro, quer sossego, ele tem sonhos estranhos, tem defeitos, pesadelos, problemas! Qual o problema em ter alguém com problemas? Você não ama ninguém se não ama também os problemas de alguém.
Mas a desgraça do tempo. Quem quer perdê-lo? Nada de investimento de risco. Querem a coisa certa. Querem pra já. Querem o amor matemático, o amor algoritmo. Não tem aplicativo para trazer um táxi? Que tenha para o amor.
Num jantar, uma amiga não comia. Engolia ansiosa, pois seu "ficante" não confirmava se a encontraria mais tarde. A impaciência se tornava irritação, que se transformava numa perigosa e destrutiva rejeição. Mulheres e rejeição. Dinamite e detonador. Fogo e oxigênio. Pagamos a conta. Nada do barbado responder. A amiga não queria sobrar num sábado à noite. A rejeição tem que ser bloqueada! Vacina. Sacou seu celular e, na calçada, antes do manobrista trazer o carro, disse: "Ainda bem que tenho meu Lulu".
Lulu é o aplicativo da onda. Acham que é o tiro certeiro. Certeiro é tudo o que o amor não é. Com o Lulu, garotas avaliam rapazes e passam a dica para a frente. Lulu é o papo do banheiro em escala múltipla virtual. Garotas avaliam a partir de questões de múltipla escolha. Lulu deixa as garotas anônimas, os rapazes, não! Eles são examinados e qualificados por amigas e desconhecidas, sem o julgamento de embargos infringentes, sem o exercício de defesa, sem o direito à dúvida. As garotas listam as melhores e piores qualidades. Calma. Se eles não querem receber avaliações, podem enviar um e-mail para iwantout@lulu.com e pedir a remoção do perfil. Justo?
Elas, em busca do compreensível, carinhoso, bom de cama, divertido garotão disponível na região. Em busca do aplicativo que traga alguém. Ou pelo menos que avise antes se o produto vem com defeitos. Defeitos eleitos por outras? Não faz sentido. E mulheres seguem conselhos das concorrentes? O amor é como um trem fantasma. Dá sustos. Dá medo. O mundo feminino tende ao competitivo. E mulher quer ver para crer.
As mulheres enlouqueceram, ou estão apenas exercendo o direito de ranquear os homens, no aplicativo sensação, que poderia ser descrito como uma mega e interativa conversa de meninas?
As mulheres estão no seu tempo. Inventaram um modo de analisar homens. Ideia da jamaicana Alexandra Chong, advogada que afirma: a rede privada serve para garotas expressarem e dividirem suas opiniões de forma aberta e honesta. Sobre o quê? Lógico, sobre o que mais? "Criamos Lulu para encorajar garotas a falar e tomar decisões inteligentes em tópicos que abordam relacionamentos, beleza e saúde."
Teve a ideia no dia seguinte ao Dia dos Namorados (Valentine’s Day), tomando um lanche com as amigas e falando sem censura sobre homens. Sacou que bastava um deles se sentar com elas para o assunto mudar.
Lançado em fevereiro, o aplicativo virou líder de downloads na App Store brasileira. Talvez sirva para dar boas risadas. Continuo duvidando se uma mulher leva em consideração o que outras, especialmente ex-namoradas, avaliam. A curiosidade feminina não é uma característica, é uma necessidade.
O app permite que elas deem notas aos pretês, amigos, ficantes e, atenção, ex-namorados, ex-pretês e ex-ficantes. Então, entramos no perigoso pântano da fúria de uma mulher recusada. Lulu será impreciso como o amor.
A nota é baixa para quem já foi flagrado com um Croc. Mesmo se for um príncipe em sandália de plástico de gosto duvidoso? Com hashtags, votam e demonstram que a curiosidade feminina é fofa, ampla e sacana: #TrêsPernas, #ÉFelizTodoDia, #CozinheiroDeMãoCheia, #RespeitaAsMulheres, #HomemDeUmaMulherSó, #FazRirAtéChorar, #SafadoNaMedidaCerta, #PiorMassagemDoMundo, #MaisPopQueOPapa, seja lá o que isso significa, são alguns dos quesitos que podem ser escolhidos.
Através de alguns hashtags, dá para traçar perfil das garotas, apesar do anonimato. #DeixaAsInimigasComInveja é assustador.
O número de visualizações no Brasil passou dos 100 milhões. Nos EUA, dos 200 milhões, e está no celular de uma em cada quatro universitárias. Alexandra, sobre o lançamento da versão brasileira, descobriu que o Brasil é "louco pelo social."
Mas cuidado, garotas. Criadoras e usuárias do Lulu podem responder na Justiça por injúria (pena de um a seis meses de detenção) e difamação (três meses a um ano de detenção, além de pena pecuniária). Quem lembra é Luis Felipe Freire, presidente da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes Eletrônicos da OAB de Minas Gerais, que diz que crime cometido na internet é passível de localização, apesar das participações serem anônimas, e quem está avaliando pode ser responsabilizada, se os comentários forem injuriosos.
Vale o risco, Lulus? Ou arrisquem como sempre e apostem num amor imprevisível? Ele só sobrevive com adversidades.
* MARCELO RUBENS PAIVA É ESCRITOR, COLUNISTA DO 'ESTADO' E AUTOR DE FELIZ ANO VELHO (OBJETIVA, 1981) E AS VERDADES QUE ELA NÃO DIZ (FOZ EDITORA, 2012), ENTRE OUTROS
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