2014 será difícil se o governo insistir na 'nova matriz macroeconômica'; será diferente se a presidente adotar posturas mais convencionais de política econômica
22 de dezembro de 2013 | 2h 05
Gustavo H.B. Franco -
A fim de responder às clássicas dúvidas de fim de ano - Onde estamos? Para onde vamos? - é interessante recuar no tempo e identificar quatro enredos paralelos e interligados, todos a partir de fenômenos fora do nosso controle, que condicionaram as escolhas feitas pelas autoridades na última década. Em razão dessas decisões, o ano de 2013 vai chegando ao fim com uma quantidade de dúvidas e maus bofes como há muito não se via. Será com essas mesmas ideias que a presidente vai se apresentar para postular sua recondução à Presidência? Os investidores estão inquietos com a ideia de "mais do mesmo".
Mas vejamos, para começar, os quatro presentes que o destino nos reservou e o que fizemos deles:
1. A internacionalização da economia. A globalização abraçou o País de forma vigorosa, mesmo antes de qualquer retribuição muito clara. Em 1995 o País abrigava 6.322 empresas com participação estrangeira e o valor desses investimentos era de cerca de 5% do PIB. Em 2010, o número de empresas ultrapassava os 17 mil, e o valor dos investimentos atingiu 27% do PIB. Essas empresas empregavam 2,4% do pessoal ocupado no País em 2010, o que significava essencialmente que o PIB per capita do trabalhador empregado nessas empresas era de aproximadamente R$ 400 mil, ao passo que a média para o Brasil era dez vezes menor. É como se o País tivesse "engravidado" de uma participação mais ativa e produtiva na economia globalizada, mas a ocorrência e a extensão do fenômeno ainda estariam na dependência das condições dadas a essas empresas para produzir e empregar no Brasil.
2. O fator China. Entre 1998 e 2012, o comércio mundial mais que dobra e os relatos sobre "offshoring" (relocalizar etapas da cadeia produtiva em países mais competitivos, geralmente asiáticos) levam a crer que o comércio "intrafirma" (entre empresas relacionadas) se torna dominante para manufaturas. As exportações brasileiras quase quadruplicam nesse período, mas especialmente em razão das relações de troca, ou de preços espetaculares para muitas commodities. A China cresce sua participação no comércio brasileiro de 2% a 20% no período.
3. Bônus demográfico. A queda na taxa de fertilidade anos atrás mudou significativamente o perfil etário da população, engordando a parcela em idade de trabalhar. Muitas famílias numerosas de baixa renda passam à situação em que todos os seus membros estão no mercado de trabalho, produzindo notável incremento na renda, consumo e endividamento familiar e, consequentemente, redução da desigualdade. Essa ascensão da classe C é uma criatura da demografia e uma ótima notícia, e por isso o governo quer a sua paternidade.
4. Bancos capitalizados. O sistema bancário, logo após os ajustes efetuados na segunda metade dos anos 1990, estava pronto e capitalizado para uma expansão acelerada como de fato ocorre a partir de 2003. O crédito bancário mais que dobra de tamanho como porcentual do PIB nos dez anos posteriores, sem que isso representasse deterioração da qualidade dos ativos do sistema. Era a contrapartida da elevação do endividamento familiar (e da sensação de bem-estar inerente à ascensão da classe C), que também dobra de tamanho nesses anos, sem que isso aumentasse muito o comprometimento de renda das famílias com o serviço da dívida.
Com esses quatro ventos a favor, as autoridades fizeram suas escolhas em matéria de políticas públicas. Para que se apoquentar com reformas quando bastava ficar parado ao sabor da ventania?
Para encurtar uma longa e triste história, houve pouca evolução nos velhos temas onde as empresas esperavam mudanças: a classificação do País no "Doing Business" (o ranking do Banco Mundial para o ambiente de negócios) não evoluiu, os programas destinados a reduzir o que se chamava de "custo "Brasil" foram descontinuados, as privatizações e as PPPs (federais) não aconteceram, a infraestrutura ficou sobrecarregada, a abertura encalhou (com regras de "conteúdo nacional") e proliferaram engarrafamentos e incentivos "seletivos". O resultado: o crescimento murchou e a produtividade ficou estagnada entre 2000 e 2012 em 18% do nível de produção por trabalhador nos EUA.
Pior que o mau desempenho é a frustração: foi se avolumando um antagonismo entre o governo e o setor privado, que atingiu o ápice em 2013, mesmo diante de recuos do governo nas encrencas associadas aos leilões de concessões. Ao fim das contas, ficou estabelecida a crença que o governo não gosta de lucro nem de capitalismo, até prova em contrário.
Na área fiscal as coisas vinham bem, ou estáveis, desde o acordo com o FMI em 1998, quando começamos a exibir um superávit primário na faixa de 3% e a melhoria fiscal permitia a redução dos juros de forma continuada e drástica. De 2003 a 2012 os juros caíram de 25% para 7% anuais com enormes efeitos positivos sobre a economia. Empresas, imóveis e ativos passaram a valer mais (pois o futuro era descontado a uma taxa menor, simples assim); era o processo designado como "convergência de juros", que compreendia um papel crescente para o mercado de capitais e para o setor privado no processo de investimento.
Entretanto, nos últimos três anos, a degradação da situação fiscal inverteu essa marcha virtuosa e colocou o País caminhando decididamente para trás, sem nunca ter chegado aos 20% na taxa de formação bruta de capital fixo. A "contabilidade criativa" virou matéria de chacota e o País corre o risco de rebaixamento em sua classificação de risco soberano.
Definitivamente, a guinada heterodoxa dos últimos anos não teve sucesso em melhorar a economia.
Diante desse quadro, e tendo em vista a posição central assumida pela presidente Dilma Rousseff na definição das diretrizes da política econômica, o prognóstico para 2014 e depois está diretamente relacionado com o resultado das iniciativas presidenciais no sentido de fazer as pazes com o capital, e mais especificamente com o discurso que a presidente trará para a sua campanha de reeleição. 2014 será um ano difícil se o governo insistir em sua "nova matriz macroeconômica". Será bastante diferente se a presidente seguir conselhos que vêm de muitos de seus interlocutores e adotar posturas mais convencionais de política econômica.
EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS
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