terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A praça é nossa

03/12/2013 - 09h43
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Dois fatos ocorridos nos últimos dias chamam atenção para questões relacionadas ao chamado "direito de vizinhança", o direito que a comunidade de uma área tem de decidir o que deve ou não deve ocorrer com sua região.
Em um lado da cidade, junto à avenida Paulista, moradores e trabalhadores do Conjunto Nacional se mobilizam para tornar perene a pequena pracinha de madeira modulada montada junto à calçada na rua Padre João Manuel, entre a Paulista e a alameda Santos. Chamada parklet, ela ocupa o espaço de umas poucas vagas de estacionamento junto à calçada, contém bancos e vasos e serve de um ponto de convívio para pessoas. Ao longo deste ano, três desses equipamentos foram montados em áreas movimentadas da cidade (rua Maria Antônia, Centro; rua Amauri, Itaim Bibi; e essa próxima à Paulista).
Este último parklet deve ser desmontado ao final da Bienal de Arquitetura e ao saber disso, a comunidade da região se mobiliza para torná-la permanente através de um abaixo-assinado.
Em outro canto da cidade, nos Jardins, uma praça bem maior é tema de mobilização. A Morungaba é um grande espaço verde implantado há muitas décadas no Jardim Europa, há quatro quadras do Shopping Iguatemi. Há cerca de dez dias, como se fossem vítimas de um tsunami, suas calçadas foram quebradas, picadas e retiradas, entre outros muitos sinais de que uma obra estava se iniciando ali. Não havia a obrigatória placa para informar a realização de uma obra pública.
Trata-se de região com uma comunidade mobilizada e uma associação de moradores muito atuante (AME Jardins). Mora na área, também, a jornalista Sophia Carvalhosa, que faz uma campanha pela adoção de bancos com encosto nas praças paulistanas (e já foi tema de um artigo de Marcos Augusto Gonçalves neste espaço). Muitos desses moradores diretamente interessados e afetados pela área verde não faziam ideia de que um plano de reforma estava em curso e de o que se pretende implantar ali.
Da mesma forma que em torno do parklet da Paulista, também houve uma mobilização pelo Facebook cobrando esclarecimentos à subprefeitura. Uma reunião foi marcada para a última sexta-feira (29), quando os mobilizados foram informados das melhorias planejadas e as razões da desinformação: outros tantos moradores conheciam o projeto (os habitantes da Praça e os associados à AME Jardins); a placa pública não foi colocada por um problema burocrático da Prefeitura. Houve também um encaminhamento para que os bancos locais venham a ter encosto (será então a primeira praça da cidade a incorporar a ideia).
Esses e outros exemplos mostram que as praças estão ganhando um cuidado mais atento das comunidades. Meses atrás outra mobilização de moradores impediu o corte da grande figueira da praça Villaboim, em Higienópolis, que a subprefeitura alegou estar morrendo mas não apresenta sintomas visíveis de doença.
Além de funcionar muitas vezes como pulmão dos bairros, as praças são também o espaço público por excelência, ponto de encontro das pessoas e discussão das questões públicas. Em muitos bairros, no entanto, elas não são usadas pelos moradores, acabam se tornando espaço degradado, com jardins abandonados e têm seu espaço privatizado, ora por comerciantes ora por ocupantes. Como tradicionalmente o poder público em São Paulo gasta pouco com zeladoria e muito com obras, a vigilância do espaço público é ausente ou ineficiente. Muitas praças desaparecem (como aquelas que por anos foram palco de camelódromos) ou se tornam terrenos inóspitos (como tantas ocupadas por traficantes e consumidores de drogas).
A atuação vigilante nos três casos citados é mais um sinal de que alguma coisa está mudando na cidade, para melhor. A praça já não é mais a mesma, abandonada. Ela é da comunidade e precisa ser apropriada e defendida por sua vizinhança.
leão serva
Leão Serva, ex-secretário de Redação da Folha, é jornalista, escritor e coautor de "Como Viver em SP sem Carro"

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