domingo, 27 de novembro de 2016

Empreendedorismo e fé, Celso Ming OESP (pauta Afif)


Se intensifica a atuação das igrejas evangélicas, que estimulam a ascensão social por meio do trabalho autônomo
Celso Ming
26 Novembro 2016 | 17h00
Foto: JOSE PATRICIO/ESTADÃO
Evangélicos
O sujeito rala e, com as bênçãos do Senhor, vai subindo na vida  
Será mesmo que a criação de empregos é tão importante para o trabalhador quanto pensam os políticos e os economistas?
O antropólogo da Unicamp Carlos Gutierrez (foto abaixo) está descobrindo que o trabalhador brasileiro já não quer emprego como há alguns anos; prefere ter uma ocupação. Quer ser empreendedor, atividade que pode ser desde operar um carrinho de pipoca ou uma Kombi de cachorro-quente, até ser dono de uma empresa mais sofisticada, como salão de cabeleireiro, oficina de desmanche ou trabalho de costura.
Isso muda muita coisa. O trabalhador passou a dar mais valor ao esforço e às realizações pessoais do que a se promover dentro de uma empresa ou a buscar melhor colocação no mercado de trabalho.
Conforme apurou o Global Entrepreneurship Monitor, o principal estudo sobre empreendedorismo do mundo, elaborado pela London Business School, no Brasil 35,4% da população adulta possui negócio próprio, proporção superior à que se verifica na China e nos Estados Unidos.
Foto: Acervo Pessoal
Carlos Gutierrez
Gutierrez. Novo ethos no trabalho
Em pesquisa feita entre moradores de favelas do Rio, com objetivo de defesa de tese de doutorado, Gutierrez verificou que “53% dos entrevistados atribuíam a melhoria de vida a seu esforço; 24%, à fé pessoal; e apenas 5% ao governo”. E 40% desejam ser donos do seu próprio negócio. Na percepção desses trabalhadores, ser assalariado é perpetuar a condição de ser explorado, de viver sem futuro e sem realização pessoal. A saída é encontrar um jeito independente de ganhar a vida, é ser, enfim, empreendedor.
A principal novidade nesse movimento no Brasil é a atuação das igrejas evangélicas que estimulam a ascensão social por meio do trabalho autônomo. O sujeito rala e, com as bênçãos do Senhor, vai subindo na vida. Nesse sentido, o progresso na vida econômica é entendido como contrapartida da aliança com Deus. “Na religião, os fiéis encontram incentivo e apoio, desenvolvem a autoestima e encaram as agruras da vida com mais esperança.”
Assim, vai ganhando força entre as classes mais baixas novo ethos do trabalho, em que o empresário deixa de ser encarado como um inimigo e passa a ser visto como “colaborador de um mesmo ideal, sem divergência de interesses essenciais”.
Consequência importante desse novo estilo de vida é a relativa perda de importância do movimento sindical e menor propensão a aceitar o antagonismo das relações de trabalho entre patrões e empregados.
“Está em curso um processo de desconstrução da noção de classes sociais”, reconhece Gutierrez. Por aí não se pode deduzir que o conceito de classe social tenha deixado de ter consistência. Significa apenas que o trabalhador tende a não reconhecer a estruturação da sociedade desse jeito.
Entre os objetivos imediatos desse novo empreendedor brasileiro estão a redução da carga tributária e melhores condições de crédito. Deixa de ser prioritária a luta por aumentos salariais e movimentos pela ampliação dos direitos trabalhistas. 
Em parte, essa mudança tem a ver com o aumento das atividades sem vínculo empregatício, que leva os trabalhadores a abrir uma PJ (empresa pessoal) e a atuar como terceirizados.
Se esse ponto de vista prevalecer, outra consequência macroeconômica será o fortalecimento da tendência à quebra da arrecadação da Previdência Social e a redução dos depósitos no Fundo de Garantia.
Essa nova realidade, observa Gutierrez, exige mudança radical no discurso das esquerdas do Brasil que continuam vendo as igrejas evangélicas como agentes de alienação e de atraso: “Se nos anos 70, a Igreja Católica politizava os trabalhadores, hoje as igreja evangélicas politizam os empreendedores. Isso não significa que a defesa do trabalhador e da Consolidação das Leis do Trabalho deixaram de importar a um amplo setor da sociedade. Significa apenas que novos interesses emergiram”.
Paradoxalmente, essa emergência de novos interesses tem em boa parte a ver com a política distributivista do governo em que importantes segmentos da população, antes considerados excluídos, passaram a participar, ainda que precariamente, dos mercados de trabalho e de consumo e, agora, pretendem ancorar sua vida no livre empreendedorismo e não mais no tipo de solidariedade proporcionada pela organização sindical.

MAIS CONTEÚDO SOBRE:

Oportuna ampliação do supersimples, editorial Estadão ( pauta Afif)


A aprovação há pouco pelo Congresso Nacional do projeto de lei que amplia o Simples Nacional, ou Supersimples, sistema diferenciado de tributação para as micro e pequenas empresas, vem fortalecer o empreendedorismo no País, como forma de modernização do mercado de trabalho e geração de empregos. A partir de 1.º de janeiro de 2018, os limites de receita bruta para enquadramento no programa passarão de R$ 60 mil para R$ 81 mil por ano, para as Microempresas Individuais (MEI), e de R$ 3,6 milhões para R$ 4,8 milhões por ano, para as pequenas sociedades limitadas.
A intenção original era de que os novos limites entrassem logo em vigor, mas havia resistência da Receita Federal, que estimava uma perda de R$ 800 milhões para os cofres da União em 2017, o que agravaria a crise fiscal. Foi, então, negociado um período de transição, de modo que os novos limites só entrem em vigor em 2018. Para evitar perdas para os Estados e municípios em situação financeira crítica, o limite continua a ser de R$ 3,6 milhões no Supersimples, ficando o faturamento que exceder esse valor sujeito a recolhimento do ICMS e do ISS por fora, de acordo com regras variáveis de cada Unidade da Federação.
O Congresso Nacional também se mostrou sensível aos efeitos da crise econômica sobre as micro e pequenas empresas. Estima-se que cerca de 700 mil empresas desse porte enquadradas no Simples Nacional tenham dívida tributária em atraso. Para aliviar sua situação, o projeto estende de 60 para 120 meses o prazo para que elas parcelem seus débitos tributários, evitando, assim, que sejam excluídas do programa, o que poderia forçá-las a encerrar as atividades. O prazo para iniciar a regularização de débitos valerá a partir da publicação da lei no Diário Oficial.
A constatação é de que o Supersimples, criado em 1996, ao agregar com o tempo um número maior de profissões e atividades, tem representado um poderoso estímulo para que milhões de empreendedores deixem o mercado informal, passando, inclusive, a contribuir para a Previdência Social.
Além de redução da carga tributária, o Supersimples elimina a burocracia ao possibilitar que oito impostos, federais, estaduais e municipais, sejam recolhidos por meio de uma só guia, o que é significativo num país sempre apontado como aquele que, em todo o mundo, exige das empresas o maior tempo para pagar impostos.

(Fonte: Editorial O Estadão)
Escrito por: Christian Vinícius

Um ambiente mais amigável para os negócios, OESP (pauta Afif)



Apesar da força crescente das empresas de pequeno porte, ainda há muitas barreiras ao desenvolvimento do empreendedorismo no País


José Fucs, especial para O Estado
26 Novembro 2016 | 16h33

 

O administrador de empresas Raphael Machioni, de 23 anos, diz que não teve dúvida sobre o caminho a seguir quando terminou a faculdade. Em julho, ao se formar pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, Machioni deixou de lado uma carreira promissora numa butique de investimentos, na qual estagiava, e decidiu abrir o próprio negócio. Com dois sócios, Eduardo Haidar e Gabriel Coiro, também formados em administração, ele criou o Pick’n Go, um aplicativo que permitirá ao usuário fazer o seu pedido pelo celular em restaurantes e lanchonetes de praças de alimentação de shoppings e depois degustá-lo, no horário desejado, sem ter de enfrentar fila para pagar, nem espera durante o preparo.
Segundo Machioni, com o serviço, o usuário poderá economizar em torno de 15 minutos no horário de almoço, o pico do movimento nas praças de alimentação. Apoiado pelo programa de startups da IBM, o empreendimento deverá entrar em operação em 12 de dezembro, recebendo pedidos para estabelecimentos do Shopping Tamboré, localizado na região oeste da Grande São Paulo. “Sempre quis ser dono do meu próprio negócio”, afirma Machioni. “Agora, surgiu uma oportunidade e resolvi fazer uma aposta de mercado.”
Assim como Machioni, um contingente cada vez maior de brasileiros deseja se tornar o próprio patrão. De acordo com a edição de 2015 da pesquisa Empreendedorismo no Brasil, realizada pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM), com patrocínio do Sebrae, o serviço de apoio às micro e pequenas empresas, ter um negócio próprio representa o principal sonho para 34,5% dos brasileiros adultos, com idade entre 18 e 64 anos. Ao contrário do que acontecia num passado relativamente recente, o sonho de empreender supera, de longe, o de fazer carreira em uma empresa, uma opção preferida atualmente por apenas 22,7% da população. A pesquisa revela também que, hoje, quatro em cada dez brasileiros são donos de uma empresa, a esmagadora maioria das quais de pequeno porte, ou estão envolvidos com a criação do próprio negócio. É o maior índice em 14 anos e quase o dobro do registrado em 2002. “A nova geração tem uma postura totalmente diferente”, diz o cientista político Luiz Felipe d’Avila. “A turma de 25 a 35 anos tem outra visão, uma mentalidade mais empreendedora.”
Com o aumento do número de empreendedores no País, vem crescendo também a importância dos negócios de menor porte na economia e na geração de emprego. Segundo dados oficiais, a fatia das micro e pequenas empresas no Produto Interno Bruto (PIB) passou de 21%, em 1985, para 27%, em 2011, o último dado disponível. Em 2015, as micro e pequenas empresas já respondiam por 52% dos empregos com carteira assinada no Brasil e por 41,4% da massa salarial (veja os gráficos). Ainda é um índice bem menor que o dos Estados Unidos, onde 65% das vagas criadas desde 1995 foram geradas por pequenas empresas. De qualquer forma, é um sinal de que, no Brasil, uma mudança significativa na configuração da economia está em curso.
O caminho para o sucesso, porém, é repleto de obstáculos. A multiplicação de empreendedores pelo País afora mascara uma realidade cruel, bem diferente da visão idílica captada pela pesquisa do GEM. Só quem toca ou já tocou o próprio negócio sabe o quanto é complicado conseguir se dar bem no Brasil. Além das crises recorrentes, cujos efeitos atingem de forma mais pesada as pequenas empresas, que têm menos fôlego para atravessar as adversidades, o empreendedor tem de se desdobrar todos os dias para garantir a sobrevivência do negócio. É certo que, nos últimos vinte anos, houve uma relativa melhora do cenário. O Simples, criado em 1996 e aperfeiçoado em 2007, permitiu a redução e a simplificação dos tributos. A Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, aprovada em 2006, garantiu tratamento diferenciado aos empreendimentos de menor porte. A criação do regime de Microempreendedor Individual, em 2009, favoreceu a formalização de milhões de negócios que viviam na ilegalidade. Mesmo assim, o ambiente ainda é hostil para os empreendedores, em especial para os que não adquiriram musculatura.
A lista de dificuldades é extensa. A legislação trabalhista, que infla o custo dos trabalhadores em cerca de 100% acima dos salários, é uma trava ao crescimento do negócio. Os achaques dos fiscais fazem parte do cotidiano. A falta de crédito, com taxas palatáveis e prazos mais longos, sufoca o caixa das empresas. O Estado, em vez de ajudar, atrapalha, com intervenções indiscriminadas na economia. “O Brasil é o paraíso dos rentistas e dos empresários escolhidos e o inferno dos empreendedores e dos trabalhadores que acreditam numa economia de mercado”, diz o economista Paulo Guedes, presidente do conselho de administração da Bozano Investimentos. “O ambiente de negócios no Brasil prejudica do pipoqueiro ao dono de uma grande indústria”, afirma o cientista político Bruno Garschagen, autor do livro “Pare de Acreditar no governo”, publicado em 2015. “O problema é que o empreendedor mais modesto está numa posição mais desfavorável em relação ao mais próspero.”
Entre os entraves ao desenvolvimento do empreendedorismo no País, nada supera os males causados pela burocracia. Ela afeta a produtividade, turbina os custos e rouba o que o empreendedor tem de mais precioso – o tempo para dedicar ao seu negócio. Em vez de se preocupar em produzir um produto ou serviço inovador e em melhorar a gestão de sua empresa, ele tem de cuidar de declarações fiscais, da obtenção de licenças de todos os tipos para trabalhar e ainda tentar entender o significado das frequentes mudanças na legislação e adaptar-se a elas. “A quantidade de recursos envolvidos para estar sempre em conformidade com as normas legais é muito alta”, diz Juliano Seabra, diretor geral da Endeavor Brasil, uma organização voltada para a promoção do empreendedorismo de alto crescimento no País. “É um custo muito perverso, porque não é um imposto. Você não está pagando ao Estado, mas só aumentando o exército de intermediários e fazendo com que a estrutura do negócio fique mais pesada.”
Na pesquisa Desafios dos Empreendedores, realizada neste ano pela Endeavor, os entrevistados foram convidados a atribuir uma nota de 1 a 10 para diferentes itens relacionados à gestão do negócio, segundo o “nível de dor” de cada um.
A burocracia, com média de 6,5, foi o quesito que recebeu a segunda nota mais alta, logo abaixo de gestão de pessoas, com 6,7. “Para começar a ganhar eficiência, diminuir o custo Brasil, temos de diminuir a carga que não é tributária, mas administrativa. Essa deveria ser a prioridade número 1 de todos os prefeitos, governadores e do Presidente da República”, afirma Seabra. “A discussão não deveria envolver a Receita Federal, porque não vai diminuir nem aumentar a carga tributária. A redução da carga tributária é necessária, mas essa reforma, que afeta dia a dia dos empresários, vai beneficiar as grandes empresas, porque diminui o custo Brasil, mas vai beneficiar principalmente as empresas pequenas e médias, que estão crescendo.”
Seabra conta um caso que, segundo ele, mostra que é possível enfrentar com sucesso a burocracia e reverter os prejuízos que ela causa às empresas. Ele diz que, nos últimos dois ou três anos, o Rio Grande do Sul apresentou uma das piores taxas de abertura de empresas de todo o Brasil. Por conta da tragédia na boate Kiss, em Santa Maria, em 2013, a Assembleia Legislativa do estado acabou aprovando uma legislação muito rígida para o processo de fiscalização e controle de alvarás de empresas pelo Corpo de Bombeiros. A mudança burocratizou tanto o processo, ao estabelecer exigências desnecessárias para empresas de baixo risco, que o prazo para um empreendedor obter todas as licenças obrigatórias chegou a 484 dias, dos quais 420 só de fila de espera dos Bombeiros. Recentemente, com a identificação do problema, a lei foi modificada pela Assembleia gaúcha e sancionada pelo governador José Ivo Sartori em agosto. Agora, o dono de uma empresa com baixo risco de incêndio e o engenheiro responsável pelo estabelecimento passaram a ser responsáveis caso aconteça um desastre. Resultado: em três meses, 85% da fila sumiu.
Por tudo isso, o Brasil ocupa um vergonhoso 123.º lugar no ranking dos melhores países para fazer negócios, da pesquisa Doing Business 2017, do Banco Mundial, abaixo da Argentina (116.º), da China (78.º), do Chile (57.º) e do México (47).
Até a Rússia (40.º lugar), considerada até pouco tempo atrás como um país pouco amigável ao empreendedorismo, está à frente do Brasil. No quesito relacionado ao prazo médio para a abertura de empresas, o Brasil ocupa o 175.º lugar, à frente de apenas dez países, com 79,5 dias. Para fechar a empresa, a média fica acima de 100 dias, de acordo com um levantamento da Endeavor, e pode chegar perto de um ano, em alguns casos. “Mais que abrir a empresa, o que realmente é complicado são as licenças especiais”, diz o professor Tales Andreassi, coordenador do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV de São Paulo. “Um restaurante, para começar a funcionar, precisa de uma licença que, muitas vezes, demora dois, três anos. Uma farmácia de manipulação precisa de uma licença da Anvisa que demora oito, dez anos. O empreendedor não vai ficar esperando. As pessoas começam os negócios e vão funcionando sem licença mesmo. Isso acaba sendo uma porta para a corrupção.”
No Brasil, praticamente tudo é definido pelo Estado, nos mínimos detalhes. Segundo um estudo realizado pela Heritage Foundation, dos Estados Unidos, o Brasil ocupa apenas o 122.º lugar, entre 186 países, no ranking mundial de liberdade econômica, a pior colocação pelo menos nos últimos dez anos. O Brasil está enquadrado numa categoria rotulada como “predominantemente não livre”, bem abaixo do Chile (7.º colocado) e do México (62.º), entre os países da América Latina. Embora tenha sofrido uma ligeira queda desde 2012, a nota do País até aumentou, quando se analisa um período mais longo, em termos de liberdade econômica. O problema é que os demais países tiveram melhorias mais profundas e mais rápidas neste quesito no mesmo período. Por isso, apesar de a pontuação ter melhorado desde o final dos anos 1990, o Brasil vem despencando no ranking. “A gente ser considerado um país majoritariamente não livre é uma coisa assustadora”, afirma Garschagen. “Uma empresa com mais de 100 funcionários tem de ter um vestiário, o armário tem de ter tantos centímetros e a porta do armário tem que ser assim ou assado”, diz Andreassi.
Em meio a tantos problemas, surgiram algumas boas notícias nos últimos tempos. A elevação do teto de enquadramento no Simples para R$ 4,8 milhões por ano a partir de 2018, aprovada pelo Congresso e sancionada em outubro pelo presidente Michel Temer, certamente vai aliviar a vida das empresas que estavam perto do limite. As faixas do Simples diminuíram de 20 para 6, mas agora se o empreendedor mudar de faixa, ele só pagará imposto maior sobre a diferença, de forma progressiva, como no Imposto de Renda. “Trocamos o degrau por uma rampa”, afirma o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos. “Antes, as empresas tinham medo de crescer, de pular de uma faixa para outra.”
No mesmo pacote, foi aprovada também, já para 2017, a possibilidade de uma empresa receber recursos de um ‘investidor anjo” – uma pessoa física que investe capital próprio em negócios de terceiros – sem que ela tenha de deixar o Simples. Outra medida positiva para os pequenos negócios foi a desvinculação da responsabilidade do investidor. A partir de agora, se a empresa que recebeu o investimento ficar devendo impostos ou obrigações trabalhistas, o investidor não responderá mais pelas dívidas, como acontecia antes. Seu risco agora será só o de a empresa não dar certo. Isso deverá tonar muito mais atraente para o capital de risco investir em empresas nascentes e de alto crescimento.
Outras medidas estão em gestação, mas, por uma razão ou por outra, ainda não saíram do papel. A Rede Simples, que deverá integrar as informações do governo federal, dos Estados e dos municípios, para facilitar a abertura e o fechamento de empresas, depende de investimento em sistemas. A universalização da nota fiscal eletrônica e a redução das chamadas obrigações acessórias, como o preenchimento de declarações fiscais, estão paradas na Receita Federal. Só nas empresas do Simples, segundo Afif, as obrigações acessórias chegam a 800 operações, em média, ao longo do ciclo de vida de um negócio. A criação da Empresa Simples de Crédito (ESC), que permitirá a qualquer cidadão emprestar dinheiro para pequenos negócios em sua comunidade, foi aprovada pelo Congresso, mas vetada pelo presidente Temer.
Agora, está sendo rediscutida entre o Sebrae e o Banco Central. Dentro de seis meses, de acordo com o Sebrae, a proposta poderá ser reapresentada ao Legislativo. Por fim, o eSocial, já implantado para as grandes empresas, tem de chegar aos negócios de pequeno porte, para automatizar as informações trabalhistas enviadas ao governo. A questão é que os processos do eSocial precisam passar por uma simplificação, para facilitar o envio das informações ao Ministério do Trabalho e à Previdência Social (leia o quadro). “Eles informatizaram a burocracia”, afirma Afif.
Segundo Seabra, da Endeavor, o País precisa criar também uma política específica para as empresas de alto crescimento. São empresas de pequeno para médio porte, com mais de 10 funcionários, faturamento entre R$ 5 milhões e R$ 100 milhões ao ano e crescimento acima de 20% ao ano nos últimos três anos. É um grupo que reúne apenas 31 mil empresas, do universo de 4,6 milhões de empresas ativas no País, o equivalente a apenas 0,7% do total. Mas, embora seja um grupo restrito, ele foi responsável pela criação de 2,7 milhões de vagas de emprego em três anos, equivalentes a 47% do total, segundo a pesquisa Estatísticas de Empreendedorismo, produzida pelo IBGE em parceria com a Endeavor, com base em dados de 2014. “São as empresas de alto crescimento que vão gerar o que a gente chama em economia de destruição criativa”, diz Seabra, em referência à teoria do economista Joseph Schumpeter (1883-1950), segundo a qual, no capitalismo, os processos e produtos inovadores tomam de forma contínua o lugar dos que envelhecem. “O Brasil ainda tem uma lógica de porte e não de performance.”
Diante dos desafios que o Brasil tem pela frente, como a reforma fiscal e a da Previdência Social, para reequilibrar as contas públicas, além da trabalhista e da tributária, as medidas destinadas a melhorar o ambiente de negócios para as empresas, em especial as de menor porte, batizadas pelos economistas de reformas microeconômicas, podem parecer perfumaria. Mas elas são essenciais para estimular os investimentos e a retomada do crescimento econômico. “Eu tenho dito para o governo que as intervenções microeconômicas, com vontade política, vão dar respostas muito mais rápidas do que as macroeconômicas para a retomada do crescimento”, afirma Afif. “Eles estão discutindo muito a macroeconomia, as grandes reformas, mas não vão na intervenção microeconômica, que atrapalha a vida do cidadão e das empresas”. Agora, só falta o governo transformá-las em realidade.