Se intensifica a atuação das igrejas evangélicas, que estimulam a ascensão social por meio do trabalho autônomo
Celso Ming
26 Novembro 2016 | 17h00
Será mesmo que a criação de empregos é tão importante para o trabalhador quanto pensam os políticos e os economistas?
O antropólogo da Unicamp Carlos Gutierrez (foto abaixo) está descobrindo que o trabalhador brasileiro já não quer emprego como há alguns anos; prefere ter uma ocupação. Quer ser empreendedor, atividade que pode ser desde operar um carrinho de pipoca ou uma Kombi de cachorro-quente, até ser dono de uma empresa mais sofisticada, como salão de cabeleireiro, oficina de desmanche ou trabalho de costura.
Isso muda muita coisa. O trabalhador passou a dar mais valor ao esforço e às realizações pessoais do que a se promover dentro de uma empresa ou a buscar melhor colocação no mercado de trabalho.
Conforme apurou o Global Entrepreneurship Monitor, o principal estudo sobre empreendedorismo do mundo, elaborado pela London Business School, no Brasil 35,4% da população adulta possui negócio próprio, proporção superior à que se verifica na China e nos Estados Unidos.
Em pesquisa feita entre moradores de favelas do Rio, com objetivo de defesa de tese de doutorado, Gutierrez verificou que “53% dos entrevistados atribuíam a melhoria de vida a seu esforço; 24%, à fé pessoal; e apenas 5% ao governo”. E 40% desejam ser donos do seu próprio negócio. Na percepção desses trabalhadores, ser assalariado é perpetuar a condição de ser explorado, de viver sem futuro e sem realização pessoal. A saída é encontrar um jeito independente de ganhar a vida, é ser, enfim, empreendedor.
A principal novidade nesse movimento no Brasil é a atuação das igrejas evangélicas que estimulam a ascensão social por meio do trabalho autônomo. O sujeito rala e, com as bênçãos do Senhor, vai subindo na vida. Nesse sentido, o progresso na vida econômica é entendido como contrapartida da aliança com Deus. “Na religião, os fiéis encontram incentivo e apoio, desenvolvem a autoestima e encaram as agruras da vida com mais esperança.”
Assim, vai ganhando força entre as classes mais baixas novo ethos do trabalho, em que o empresário deixa de ser encarado como um inimigo e passa a ser visto como “colaborador de um mesmo ideal, sem divergência de interesses essenciais”.
Consequência importante desse novo estilo de vida é a relativa perda de importância do movimento sindical e menor propensão a aceitar o antagonismo das relações de trabalho entre patrões e empregados.
“Está em curso um processo de desconstrução da noção de classes sociais”, reconhece Gutierrez. Por aí não se pode deduzir que o conceito de classe social tenha deixado de ter consistência. Significa apenas que o trabalhador tende a não reconhecer a estruturação da sociedade desse jeito.
Entre os objetivos imediatos desse novo empreendedor brasileiro estão a redução da carga tributária e melhores condições de crédito. Deixa de ser prioritária a luta por aumentos salariais e movimentos pela ampliação dos direitos trabalhistas.
Em parte, essa mudança tem a ver com o aumento das atividades sem vínculo empregatício, que leva os trabalhadores a abrir uma PJ (empresa pessoal) e a atuar como terceirizados.
Se esse ponto de vista prevalecer, outra consequência macroeconômica será o fortalecimento da tendência à quebra da arrecadação da Previdência Social e a redução dos depósitos no Fundo de Garantia.
Essa nova realidade, observa Gutierrez, exige mudança radical no discurso das esquerdas do Brasil que continuam vendo as igrejas evangélicas como agentes de alienação e de atraso: “Se nos anos 70, a Igreja Católica politizava os trabalhadores, hoje as igreja evangélicas politizam os empreendedores. Isso não significa que a defesa do trabalhador e da Consolidação das Leis do Trabalho deixaram de importar a um amplo setor da sociedade. Significa apenas que novos interesses emergiram”.
Paradoxalmente, essa emergência de novos interesses tem em boa parte a ver com a política distributivista do governo em que importantes segmentos da população, antes considerados excluídos, passaram a participar, ainda que precariamente, dos mercados de trabalho e de consumo e, agora, pretendem ancorar sua vida no livre empreendedorismo e não mais no tipo de solidariedade proporcionada pela organização sindical.
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