quinta-feira, 8 de setembro de 2011


O juro caiu. E aí?

04 de setembro de 2011 | 0h 00

José Roberto Mendonça de Barros - O Estado de S.Paulo
O cenário para o crescimento mundial continua sendo revisto para pior. Na realidade, hoje restam apenas duas possibilidades para o mundo desenvolvido: um crescimento muito lento, por pelo menos dois ou três anos, ou, em caso de um evento de crédito que detone uma reação forte dos mercados, a temida segunda recessão em três anos.
Nossa percepção é que os EUA não terão um evento de crédito, a despeito das pressões sobre os bancos (amenizadas pelo investimento feito por Warren Buffet no Bank of America). Entretanto, as autoridades fiscais e monetárias estão claramente sem saber o que fazer. Na Europa, por outro lado, existe um rumo: o euro será mantido, o ajuste na Grécia segue um caminho que, embora pedregoso, leva a um acordo do tipo Brady, que os países latino-americanos fizeram nos anos 80.
Além disso, os esforços para manter Itália e Espanha fora do fogo seguirão intensos. Um avanço mais decidido na direção de um federalismo fiscal ainda está difícil no curto prazo e embora o rumo esteja sendo construído, o risco de um evento de crédito segue existente, o que garante muita incerteza e volatilidade.
As projeções mais recentes sugerem, portanto, um crescimento bem mais lento no mundo desenvolvido e uma leve desaceleração na expressiva expansão do mundo emergente. Por exemplo, o Banco Goldman Sachs reviu os números para 2012 da seguinte forma: o PIB mundial deve crescer 4,4%, e não 4,6%; a expansão das economias desenvolvidas passou de 2,8% para 2,3%; China e Índia manteriam o mesmo ímpeto, de 9,2% e 7,8%, respectivamente. Mesmo os mais pessimistas ainda não consideram a segunda recessão como o cenário mais provável.
No cenário básico, aquele no qual ocorre desaceleração, mas não recessão, nos países desenvolvidos e bom crescimento na Ásia, os principais efeitos para o Brasil serão:
- O dólar seguirá fraco e a liquidez elevada.
- Os juros americanos, especialmente, e europeus seguirão baixos, tanto pela liquidez abundante como pela busca de segurança na compra de papéis do Tesouro dos EUA e da Alemanha.
- Os preços de alimentos seguirão elevados, dada a manutenção de uma forte demanda na Ásia e um reduzido nível de estoques. Na verdade, eles subiram em agosto. Mais ainda, a safra americana de grãos está sendo revisada para baixo e ainda apresenta riscos climáticos consideráveis.
A primeira consequência desse cenário é que o real deverá se manter apreciado pela entrada de recursos externos. Mais importante é que não haverá importação de recessão vinda do exterior enquanto a China e o remanescente da Ásia continuarem a crescer de forma acelerada, como deverá ser o caso. Entretanto, essa não é a visão das autoridades brasileiras consubstanciada na decisão, surpreendente para muitos, do Banco Central em reduzir abruptamente a taxa de juros em 0,5 ponto e sinalizar a continuidade desse movimento nas próximas reuniões.
É importante refletir sobre o que representa essa decisão. Em primeiro lugar, foi feita uma reversão sem precedentes no curso dos juros, enterrando de vez qualquer comunicação do BC com os mercados. Basta comparar as notas liberadas após as duas últimas reuniões do Copom: teria sido preciso não uma, mas duas falências do Lehman Brothers para justificar a radical mudança de visão de mundo lá embutidas.
Ademais, o comunicado do BC assume claramente um mandato duplo. O desempenho do produto industrial (pois é apenas lá que se encontra desaceleração na atividade) vai dividir com a inflação a atenção do BC. Nesse sentido, o regime de metas de inflação tal como concebido está morto e acabado.
Em segundo lugar, é evidente que a decisão do BC foi do governo, e cuidadosamente planejada. Basta lembrar que, após anos de expansionismo fiscal (reafirmado na proposta orçamentária para o próximo ano), o recente discurso de consolidação teve pouca repercussão, até porque o próprio superávit primário deste ano é quase que totalmente explicado por um inesperado crescimento da arrecadação, especialmente no último mês, quando houve o pagamento de uma só vez, pela Vale, de um disputado tributo. Em consequência, o anúncio do bloqueio de R$ 10 bilhões feito na segunda-feira teve uma morna reação, o que levou à elaboração de um cozido fiscal rápido em panela de pressão, que foi vazado para alguns jornalistas como "Plano Dilma" na terça-feira, seguido por declarações de que os juros poderiam cair "quando o BC assim o decidisse", o que foi realizado na quarta-feira.
Essa brusca mudança de rumo da política monetária, afora o até aqui colocado, tem duas dificuldades adicionais, ligadas à inflação futura e à atividade industrial.
Quanto ao primeiro ponto, não vejo efeitos deflacionários fortes vindos de fora enquanto China, Índia e o resto da Ásia (exceto Japão) crescerem bem. Nosso BC sonha com isso desde quando a inflação estava próxima de 4%, há um ano, até os 7% de hoje, com o mundo desenvolvido já cheio de problemas.
Além disso, a renda das famílias e o seu acesso ao crédito vão continuar crescendo. O crescimento acumulado em 12 meses do salário médio dos admitidos já está na casa de 10%. O recente reajuste dos metalúrgicos de São Paulo foi de 10% mais R$ 2.400, o que dá algo entre 14% e 18% de ganhos nominais.
Finalmente, os preços dos serviços seguirão subindo e a inflação de 2011 e 2012 vai flutuar na faixa de 6%. Só uma grande catástrofe mundial puxará a inflação para baixo, e isso não está visível. Daí porque o risco assumido pelo governo e pelo BC é bastante elevado.
O que está tirando o sono das autoridades é a evidente perda de dinamismo da indústria, que passou a ampliar intensamente componentes e produtos importados, como já falamos inúmeras vezes neste espaço. Ora, a perda de competitividade da produção local é sistêmica (tributos, infraestrutura, custo da energia, má regulação, custo da mão de obra e do capital), e não será revertida ou muito amenizada pela queda de juros apenas, embora ela seja parte da solução. Basta lembrar que a recorrente elevação de tributos continua com o IOF, a revisão do Código Mineral, e agora, pela volta da conversa da CPMF.
O que está por trás da perda de competitividade é o modelo de crescimento atual: o governo eleva o gasto de custeios e transferências, que aumenta o consumo; para financiar essa expansão, eleva os tributos e ainda mantém juros altos para conter a resultante pressão inflacionária. Como o investimento público é mínimo, a energia é cara e a infraestrutura é deplorável. Como o governo gasta mal, a qualidade da nossa educação é triste (embora possa produzir candidatos a prefeito).
É este o conjunto que mata a competitividade do país, bem diverso do que a tão admirada China faz. Enquanto essa estrutura de política for mantida, assentada num projeto de poder que precisa de muito dinheiro para se manter e expandir, não iremos competir com ninguém, apenas importar cada vez mais. Até os setores mais produtivos estão sendo afetados pela doença dos custos elevados, como está evidente hoje no caso do complexo da cana de açúcar.
O futuro vai dizer se essa gigantesca aposta vai dar certo. Não acredito.
PS: Perdemos recentemente o professor Antônio Barros de Castro. Tinha por ele a maior admiração, construída ao longo de muitos anos. Antônio foi uma daquelas raras pessoas que vão crescendo e ganhando sabedoria ao longo da vida. Foi uma honra tê-lo conhecido.

ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS 


Terra para estrangeiros – a insegurança jurídica persiste

A demora em uma orientação precisa do governo sobre o tema de aquisição e propriedade de terras por estrangeiros continua a causar danos ao agronegócio. As restrições impostas aos estrangeiros para a compra de terras no Brasil estão tendo consequências várias na liberação de crédito para atividades rurais. Desde agosto de 2010, quando o parecer da AGU tornou-se “lei”, bancos estrangeiros e tradings multinacionais estão muito mais cautelosos neste tipo de operação pelo grau de insegurança das garantias dadas em terras. 
Explica-se: até então as instituições de financiamento aceitavam as terras como garantia dos seus empréstimos. Mas com a nova legislação pode haver problemas para transferir esses imóveis em caso de execução do título, uma hipoteca como exemplo. O problema teve início no ano passado quando o governo decidiu limitar a compra de imóveis por estrangeiros por conta de suposto interesse de fundos soberanos internacionais na compra de grandes extensões de terras no Brasil. O então Presidente Lula aprovou um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) destacando que qualquer empresa de capital externo tem de obter autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou do Congresso para concluir a negociação, dentro de situações específicas.
Há um consenso de que o Brasil tem legitimidade para restringir a compra de terras por estrangeiros, especialmente se houver evidências de que o negócio é especulativo. O que não está claro é como devem ser aplicadas as regras, face às dificuldades encontradas em um país de tão vasta extensão territorial. Desde a entrada em vigor, as regras já atrapalharam inúmeras transações de compra e venda de terras, com muitos investidores temendo fazer aquisições que possam vir a ser anuladas (isto se conseguirem o registro necessário).
A imprecisão já começa em Brasilia. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) diz que dos 851 milhões de hectares do Brasil, cerca de 4,5 milhões de hectares estão nas mãos de estrangeiros. Mas este número não tem qualquer credibilidade em função dos controles precários que o Incra e o governo em geral tem em mãos.
Temendo serem punidos por algum erro no processo de registro, nos principais estados onde ainda há muita terra agricultável a ser negociada, os cartórios não estão fazendo nenhuma escritura de aquisição por empresas que tenham sócios estrangeiros, mesmo que minoritários. Para redigir este texto consultamos vários cartórios de notas e de registro de imóveis em Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul. Todos conhecem a legislação mas, pasmem os leitores, nenhum deles diz ter passado sequer uma escritura ou feito um registro de negócios com estrangeiros, desde que a legislação foi imposta.
Foto: Brazil Map 1602 – encontrado em commons. wikimedia 

segunda-feira, 5 de setembro de 2011


O muro das lamentações dos rentistas
Coluna Econômica - 02/09/2011 , Por Luís Nassif
Daqui a algumas décadas, quando se voltar os olhos para esse fim de ciclo financista, o escândalo que armaram coma decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de baixar em meio ponto a taxa Selic será um dos pontos centrais do anedotário malicioso nacional. O país tem disparado a mais alta taxa de juros do planeta – 12,5% ao ano. O Copom decidiu reduzi-la em meio (0,5!) ponto. Permaneceu uma taxa imensa, de 12% ao ano, contra praticamente zero dos Bancos Centrais de países avançados.
Parecia que o mundo iria acabar. O estardalhaço foi inacreditável. Economistas ouvidos meia hora depois já ensaiavam o muro das lamentações, sustentando que a decisão marcava o fim da autonomia do Banco Central.  Comentaristas que dias atrás admitiam que o câmbio estava excessivamente apreciado, e que os juros poderiam ser baixados, de repente revisaram suas opiniões e dispararam a metralhadora vesga contra a decisão.
E todos absolutamente incapazes de traçar correlação mais sofisticadas sobre os efeitos da crise internacional na economia brasileira – inclusive para rebater os argumentos do BC.
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Depois de anos e anos de cantilena mercadista, depois do fracasso mundial do modelo de desregulamentação do mercado, das reações universais contra essa visão estreita de mercado, depois dos inúmeros levantamentos sobre a forma de atuação do lobby financeiro, o mise-en-scène desses atores serve apenas como material didático, para comprovar como a economia – pelo menos na discussão pública – é apenas uma ferramenta visando legitimar interesses de grupos específicos, através de um linguajar pretensamente técnico.
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Quando se critica essa visão financista, não se pense no sistema bancário, os fundos de investimento em geral. Trata-se de um segmento restrito de rentistas que só sabem viver das benesses dos juros altos e do câmbio baixo.
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O mercado financeiro e de capitais são peças relevantes para o desenvolvimento do país. E ambos ficaram por anos atrofiados pela política de juros altos.
Bancos comerciais têm a importante tarefa de emprestar dinheiro. Quanto maior a taxa de juros, menos útil será sua função de emprestar. Não se empresta a longo prazo e se restringe a financiamento ao consumo e ao crédito consignado.
Já o mercado de capitais é fundamental para reciclar a poupança, aplicar em novos setores que surgem, em infraestrutura, na reestruturação da economia. Mas com taxas de juros elevados, a poupança se concentra no financiamento da dívida pública e se torna preguiçosa, mesquinha, ilegítima.
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No curto período em que a taxa Selic caiu abaixo de dois dígitos, houve um frenesi em muitos gestores de fundos, pela brecha que se abrir para que o capital privado migrasse dos títulos públicos para outras formas de aplicação, inclusive em investimentos de risco em infraestrutura.
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Os pretensos porta-vozes mercadistas não representam o lado mais dinâmico e moderno do mercado. Representam apenas o lado viciado do rentista, do sujeito que aprendeu a viver de juros e não tem ânimo sequer para correr riscos em atividades mais úteis.
Copom surpreende e corta taxa de juros
Em decisão que surpreendeu o mercado, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) reduziu a taxa básica de juros em 0,5%, para 12% ao ano, sem viés, por cinco votos, contra dois votos pela manutenção da taxa em 12,50%. Segundo a nota divulgada após a reunião, o colegiado afirma que houve uma piora considerável no cenário internacional, apoiada, por exemplo, "em reduções generalizadas e de grande magnitude nas projeções de crescimento para os principais blocos econômicos".
IPC-S termina agosto com leve crescimento
O IPC-S (Índice de Preços ao Consumidor Semanal) encerrou o mês de agosto em alta de 0,40%, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), um acréscimo de 0,09 ponto percentual em relação ao visto na semana anterior. Com o resultado, o indicador acumula alta de 4,17% no ano e de 7,10% em 12 meses. Cinco das sete classes de despesa ampliaram suas taxas de variação, com destaque foi o grupo Alimentação, que passou de 0,55%, na semana anterior, para 0,80%.
Preços ao produtor sobem 0,07% em julho
O Índice de Preços ao Produtor (IPP) encerrou o mês de julho em alta de 0,07% na comparação com o mês anterior, revertendo a deflação de -0,65% apresentada em junho, segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ao todo, 10 das 23 atividades pesquisadas para o cálculo do indicador apresentaram variações positivas de preços na comparação com junho. Em 2011, o acréscimo acumulado chega a 0,63%.
Superávit comercial atinge US$ 3,873 bi em agosto
A balança comercial brasileira encerrou o mês de agosto com um superávit de US$ 3,873 bilhões (média diária de US$ 168,4 milhões), segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). As exportações somaram US$ 26,158 bilhões, com média diária de US$ 1,137 bilhão, enquanto as importações do período chegaram a US$ 22,285 bilhões, com uma média diária de US$ 968,9 milhões. No ano, o saldo apurado chega a US$ 19,959 bilhões.
Cenário externo vai definir rumo dos juros, diz Dilma
O comportamento da taxa básica de juros no Brasil vai depender da conjuntura internacional, segundo a presidenta Dilma Rousseff. Embora tenha defendido a queda dos juros, e dito que a elevação do superávit primário pelo governo federal criava condições para que isso ocorresse, a presidenta destacou que o BC tem autonomia. Na avaliação da presidenta, a crise econômica terá duração longa (de mais de dois anos), e as consequências ditarão o ritmo de algumas decisões econômicas daqui para frente.
Desaceleração do crédito das empresas deve avançar
A perspectiva de crédito às empresas caiu 0,5% em julho, marcando sua nona contração consecutiva, atingindo o valor total de 99,2 pontos, segundo dados divulgados pela consultoria Serasa Experian. Como a metodologia de construção do indicador tem a propriedade de antever os movimentos cíclicos da concessão de crédito com seis meses de antecedência, as quedas sinalizam que o crédito às empresas deverá seguir em queda pelo semestre, até o começo de 2012.