sexta-feira, 4 de abril de 2025

Por que VLT no centro de SP é boa ideia, mas difícil de implantar, Mauro Calliari, FSP

 O veículo leve sobre trilhos, o VLT, está na pauta há anos. Agora, tocado pela SP Urbanismo, tem possibilidade concreta de sair do papel.

Ele traz vantagens evidentes para a cidade e os usuários. É silencioso, não emite poluentes no local e ainda se integra harmoniosamente com o ambiente urbano.

A imagem mostra uma área urbana com um sistema de transporte público, possivelmente um bonde, circulando em uma via. Há várias faixas de pedestres em verde e branco, árvores ao longo das calçadas e veículos em movimento. O ambiente é bem iluminado e apresenta um design moderno, com calçadas largas e áreas verdes.
Imagem do estudo urbanístico para implantação de VLT (veículo leve sobre trilhos) no centro de São Paulo; proposta faz parte de projetos de reaqulificação da região central e previsão de inauguração do primeiro trecho é para 2029 - Divulgação/SPUrbanismo

Referências

Zurique, Edinburgo, Berlim ou Melbourne, dezenas de grandes cidades no mundo fizeram a transição sem trauma do velho bonde para o VLT. Em Bilbao, o transporte é parte fundamental do fantástico projeto de revitalização da região ao redor do Museu Guggenheim. No Brasil, funciona na Baixada Santista, quase como um trem que liga Santos e São Vicente, e no Rio de Janeiro, onde os vagões se integram às ruas há anos.

O projeto em São Paulo prevê dois anéis que se encontram na avenida São João, com 12 km ao todo, conectando estações do metrô e terminais de ônibus do centro. A parte mais promissora é a possibilidade de usar o transporte como base para uma reforma urbana, redesenhando ruas e espaços públicos, melhorando a circulação e aumentando a atração dos edifícios comerciais e residenciais.

Desafios

Não é incomum que projetos não saiam do papel. Nesse caso, vale a pena lutar para dar certo e, para isso, não custa levantar alguns obstáculos que deverão ser transpostos.

O primeiro é o custo, R$ 4 bilhões, dinheiro grosso para qualquer cidade. Parte desse investimento deve vir do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), parte do capital privado. Se o modelo envolver PPP (parceria público-privada), como atrair o capital privado sem subsidiar sua operação com dinheiro público e sem dar vantagens indevidas? Como garantir integração tarifária com o sistema atual?

A resposta pode ser contratos inteligentes, que limitem as soluções não ortodoxas para a monetização da concessionária, principalmente no campo imobiliário. O erro no início do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, mostra que não se pode deixar que partes da cidade venham a ser geridas como propriedade privada, sem controle no lixo, na zeladoria e no transporte.

No campo da mobilidade, é preciso também explicar direitinho porque se descartaram os ônibus elétricos, mais baratos. E entender o potencial real de um transporte de média capacidade. Dificilmente os 130 mil passageiros diários previstos gerarão receita suficiente para bancar a operação. Automóveis irão perder espaço, linhas de ônibus serão canceladas, receitas mudarão de mão. A Prefeitura vai ter que repassar parte da receita do bilhete único sem aumentar o bolo.

No médio prazo, se um projeto desse tamanho der certo, a cidade pode ganhar. Espaços públicos mais convidativos aumentam a atratividade de imóveis e geram potencial de novos negócios. Para a Prefeitura, isso vai se traduzir em aumento de receita de IPTU e impostos, mas no longo prazo. Como, então, garantir que no curto prazo, moradores que ocupam imóveis baratos não percam suas casas?

O último risco está, como em qualquer projeto urbano, na qualidade da execução. Nos lindos croquis, vemos trilhos passando por ruas acessíveis ao lado de calçadas arborizadas e confortáveis. É difícil imaginar que a mesma prefeitura que tem conduzido com lentidão a reforma sem graça dos calçadões possa garantir esse nível de qualidade, ainda mais dentro do prazo do início de 2029, já em outro mandato.

São desafios que deveriam estimular e não desanimar os gestores públicos. Com energia e inteligência, dá para balancear o capital privado e o interesse público, que pode se traduzir num transporte moderno, limpo e silencioso, transformando a região que, com todos os problemas, ainda é o coração da cidade.

Juiz de SP é denunciado por usar falso nome britânico durante 45 anos, FSP

 Tulio Kruse

São Paulo

Um juiz aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que exerceu a carreira por 23 anos, foi denunciado sob suspeita de falsidade ideológica e uso de documento falso. Segundo a acusação, a farsa de Edward Albert Lancelot Dodd-Canterbury Caterham Wickfield, que se apresentava como descendente de britânicos, durou mais de quatro décadas.

O Ministério Público estadual sustenta que o nome verdadeiro do magistrado é José Eduardo Franco dos Reis. Ele usava documentos com o nome falso desde 1980 e conseguiu se matricular no curso de direito do Largo São Francisco, da USP, e ser aprovado num concurso de juiz com essa identidade, com a qual viveu toda a carreira. Ele entrou na magistratura em 1995 e se aposentou em 2018.

Sua identidade original foi descoberta após ele comparecer a uma unidade do Poupatempo na Sé, no centro da capital, com a intenção de obter uma segunda via de seu RG com o sobrenome Wickfield. As impressões digitais, colhidas no Poupatempo e enviadas ao sistema de identificação automatizada estadual, mostraram o verdadeiro nome do juiz.

A reportagem não conseguiu contato com o magistrado. Em depoimento à polícia, Reis declarou que Edward Wickfield é seu irmão gêmeo, que teria sido doado a outra família durante a infância.

A imagem mostra a fachada do Palácio da Justiça, sede do TJ-SP, um edifício histórico com detalhes arquitetônicos elaborados. O topo da construção apresenta um ornamento central, enquanto as laterais possuem esculturas de figuras humanas. As janelas são retangulares e estão dispostas em várias fileiras, com um estilo clássico e simétrico. O céu ao fundo está levemente nublado.
Fachada do prédio do Palácio da Justiça de São Paulo, sede do Tribunal de Justiça de São Paulo - Eduardo Knapp - 14.out.19/Folhapress

De acordo com a denúncia, em julho de 1973 Reis recebeu sua primeira cédula de identidade em Águas da Prata, no interior paulista. Para isso, apresentou sua certidão de nascimento original e se identificou como filho de Vitalina Franco dos Reis e José dos Reis —segundo a Promotoria, sua filiação verdadeira.

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Sete anos depois, em 1980, apresentou-se ao Instituto de Identificação estadual como filho de Richard Lancelot Dodd Cantebury Caterham Wickfield e Anne Marie Dubois Vincent Wickfield. Para isso levou cópias de um certificado de dispensa do Exército Brasileiro, um título de eleitor, uma carteira de trabalho uma carteira de servidor do Ministério Público do Trabalho.

"Tais documentos, à época, não contavam com quaisquer dispositivos gráficos ou materiais de segurança, sendo facilmente falsificáveis", argumenta a Promotoria. A acusação diz ainda que não havia instrumentos capazes de comparar impressões digitais.

A Promotoria diz, ainda, que o magistrado manteve as duas identidades, usando-as com finalidades diferentes ao longo de décadas. A investigação identificou que ele obteve segunda via de sua identidade original, com o sobrenome Reis, em 1993. Apresentava-se como vendedor e declarava ter apenas o primeiro grau de instrução formal —embora, àquela altura, já estivesse formado em direito com o sobrenome Wickfield.

Em 1995, quando havia acabado de ser aprovado no concurso para juiz, a Folha o entrevistou para uma reportagem que retratava a nova geração de magistrados. Ele se apresentou como um descendente de nobres britânicos nascido no Brasil.

Afirmou que havia morado até os 25 anos na Inglaterra, onde estudara matemática e física, até voltar a São Paulo e decidiu estudar na USP. A reportagem também registrou, à época, a alegação de que seu avô teria sido juiz no Reino Unido. Reis repetiu essa alegação ao longo das décadas, segundo um profissional de direito que falou com a reportagem nesta quinta-feira (3).

O promotor Maurício Salvadori, da 116ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital, afirma que o magistrado cometeu os crimes em ao menos três ocasiões: num prontuário de biometria do Detran (Departamento Estadual de Trânsito), no Renavam (Registro Nacional de Veículos Automotores) e em sua carteira de identidade.

No depoimento à Polícia Civil em que citou o suposto gêmeo, em dezembro do ano passado, Reis afirmou que só conheceu o irmão na década de 1980, após a morte de seu pai. Segundo ele, Wickfield era professor e retornou à Inglaterra após a aposentadoria. Reis forneceu à polícia um endereço no bairro de West Kensington, em Londres, e um número de telefone para contato.

Apresentando-se à autoridade como artesão, Reis alegou que foi ao Poupatempo da Sé para renovar o RG a pedido do suposto irmão gêmeo. Declarou também que não tem outros irmãos. Ele foi questionado sobre duas mulheres que têm o mesmo sobrenome, mas respondeu que não as conhecia.

Procurado, o TJSP afirmou que "o Poder Judiciário não pode se pronunciar a respeito de efeitos de eventual condenação, que ainda não ocorreu" e que "não há, ao menos por ora, que se falar em atuação Administrativa do TJSP a respeito dos fatos", uma vez que se trata de um magistrado aposentado. Registrou, ainda, que o caso tramita em segredo de Justiça.