Fala-se muito em quitinetes nesses tempos como uma opção interessante de moradia. Elas viraram as queridinhas do mercado imobiliário, assim como os estúdios, ainda menores. Em um passado não muito distante, porém, foram deixadas de lado pela classe média.
Quem trouxe o conceito para o Brasil foi o arquiteto modernista alemão Franz Heep. Ele viveu no país três décadas e projetou cerca de 30 prédios residenciais, comerciais e religiosos na cidade.
Chegou aqui em 1947 vindo da França. Lá, trabalhou no escritório do mestre Le Corbusier e construiu uma sólida reputação. Deixou a Europa por causa do encolhimento do mercado local e de traumas deixados pela Segunda Guerra Mundial.
Por aqui ficou alguns anos sem assinar projetos por falta de diploma, já que sua faculdade em Frankfurt havia sido bombardeada durante a guerra e ele não conseguia recuperar o documento. Demorou para receber seu registro de arquiteto.
Mesmo assim, começou a trabalhar assim que chegou no país e ganhou um cargo no renomado escritório de Jacques Pilon, onde revisou vários projetos e impôs uma linguagem mais racionalista. Seu primeiro edifício de quitinetes foi o Atlanta (1949), na praça da República, hoje em estado de abandono.
Depois vieram vários outros, como o Marajá (1952), o Marajó (1952), o Maracanã (1953), o Arapuan (1954), o Araraúnas (1955), o Iporanga (1956) e o Arlinda (1959). Heep tinha visão comercial, fazia edifícios belos e funcionais e sabia o que o mercado demandava.
Seus apartamentos são simples e têm janelas amplas, além de um característico ritmo de fachada e de excelente iluminação e ventilação. Usava frequentemente o "brise-soleil" para diminuir a temperatura ambiente. Dava também grande ênfase ao sistema construtivo e à padronização de componentes.
Esses apartamentos compactos que unificam sala e quarto com cozinhas pequenas e integrados a um banheiro viraram uma tendência na região nas décadas seguintes. Acompanharam a revolução dos costumes, atendiam cada vez mais gente que morava sozinha, mas também famílias, e possibilitavam um melhor aproveitamento do solo urbano.
Heep calculava que com as pessoas buscando o lazer cada vez mais fora de casa, as cozinhas podiam diminuir, assim como toda a área útil. Além disso, havia o obstáculo do pequeno tamanho dos lotes disponíveis no Centro. Com as quitinetes as construtoras rentabilizam seus empreendimentos.
O Copan, de Oscar Niemeyer, por exemplo, tem quitinetes. Na praça Roosevelt pelo menos metade dos edifícios têm quarto e sala conjugados e uma área em torno de 40 metros quadrados. Um deles é de Heep, o Icaraí (1955).
Com a decadência do Centro a partir da década de 1970, esse formato deixou de ser desejado. Nos bairros, ele sempre foi mais raro. Mas na década passada voltou a despertar o interesse dos compradores por serem econômicos e práticos e passou a ser uma das prioridades atuais das construtoras. Segundo o Secovi-SP, mais de 86 mil unidades de até 45 m² foram lançadas em 2024 na cidade.
Heep, discípulo da escola alemã de design Bauhaus, não construiu só prédios de quitinetes. Sua obra é vasta e marcante. Ele é autor de edifícios de luxo, como o Lausanne, o Ibaté, o Ouro Verde e o Ouro Preto e de prédios comerciais, como o Itália e o antigo edifício do hotel Jaraguá, no fim da Consolação. É dele também o projeto da igreja dos dominicanos, em Perdizes. O arquiteto voltou para Paris em 1977 e morreria meses depois, aos 75 anos.
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