Dados do Banco Mundial indicam que em 2023 quase 50% dos adultos jovens (entre 15 e 25 anos) na África do Sul estavam desempregados. Situações catastróficas como essa não são exclusivas daquele país e, de certa forma, se reproduzem nas periferias de grandes centros urbanos, incluindo o Brasil.
A miséria associada a essa condição, na África do Sul, produziu os zama-zamas, palavra derivada do zulu que significa "aqueles que tentam a sua sorte". Por tentar a sua sorte entenda-se descer nos túneis de minas abandonadas. Por tentar a sua sorte entenda-se descer até 3 ou 4 km abaixo da superfície da Terra para tentar achar alguma coisa de valor. Se para nós, no Brasil, a imagem do formigueiro humano de Serra Pelada na década de 1980 é ainda viva, para as pessoas na África do Sul essa realidade se dá nos dias de hoje.
Privado de uma perspectiva de futuro, o ser humano busca a sua própria sorte. Corre o risco de morrer soterrado, morrer sem ar, sem água ou sem comida, pela remota chance de tirar a sorte grande. Na África do Sul, o governo teve que cortar o acesso de suprimentos e bloquear as minas para impedir que as pessoas continuem entrando nesses lugares. A retirada das mais de 4.000 pessoas desses buracos profundos é ainda um desafio para o governo.
Não dá muito consolo saber que por aqui o principal contingente é o dos nem-nems. Podemos não ter os zama-zamas, ou até temos sem denominações equivalentes, mas temos um gigantesco contingente de jovens sem alento, subeducados e sem perspectiva de trabalho. Qualificar essa importante fração da sociedade é fundamental. Poder oferecer postos de trabalho dignos depende não apenas de prover educação adequada, mas de termos uma economia dinâmica e moderna.
Nessa linha, o corte, o contingenciamento, a reserva de contingenciamento ou qualquer que seja o eufemismo usado para nomear o potencial não repasse de recursos ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) terá impacto devastador.
Investir em educação, ciência e tecnologia é o caminho para o futuro de qualquer país. Em anos recentes, cresceu no Brasil o número de doutores e o número de instituições de C&T, que passou a incluir também as privadas e não confessionais (por exemplo, Idor e Insper), antes quase inexistentes no Brasil. A lógica do suporte do Estado é o que permitiu ao Brasil ter a Embraer, a Vale e a Petrobras, cada uma líder em sua área de atuação. Nenhuma dessas empresas seria líder sem muita pesquisa, sem uma profunda inter-relação com a academia, a pesquisa que ali se faz e as pessoas que ali se formam.
Deixar de investir em ciência e em educação é o caminho certo para o empobrecimento do país e a sua condenação a um eterno berço esplêndido do qual nunca levantaremos e que mais começa a parecer um leito de morte. A presença do investimento público é um elemento central na criação e no estímulo ao investimento privado.
O governo federal acertou grandemente quando criou a Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e alavancou a pesquisa e o desenvolvimento de empresas de todos os portes. O governo de São Paulo, décadas atrás, fez um golaço quando criou a Fapesp, que é o mais importante pilar da ciência feita nesse estado. A própria Fapesp, com o programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), contribui ativamente para esse círculo virtuoso de apoio à ciência, à tecnologia e ao empreendedorismo.
O controle de gastos do Estado é pilar fundamental para o equilíbrio das contas públicas. Agora, cortar os investimentos provenientes do FNDCT que não impactam o cumprimento do arcabouço fiscal nem oneram o orçamento federal, é um absurdo. É difícil encontrar uma metáfora adequada para essa insensatez.
Cortar o FNDCT, como vem se aventando nas últimas semanas, é o caminho certo para ampliar os nem-nens e transformá-los em zama-zamas.
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