segunda-feira, 7 de abril de 2025

João Pereira Coutinho - Filme de Brady Corbet é arrojado, mas débil na explicação do fascismo, FSP

 Sabemos pouco sobre a infância dos tiranos. Hitler? Mussolini? As informações que nos chegaram não revelam nada de especial.

O primeiro era um rapaz introvertido e aterrorizado pelo pai, Alois Hitler, encontrando na mãe o refúgio e o afeto.

O segundo, mais rebelde, tinha uma propensão para a agressividade e para o conflito. Mas nada que fizesse supor uma carreira futura na delinquência internacional.

Tom Sweet em cena do filme 'A Infância de um Líder', de Brady Corbet - Divulgação

Eis o ponto: traços de caráter podem dar uma ajuda na construção de certos monstros. Mas são as contingências da história —no caso, a Primeira Guerra Mundial e suas consequências devastadoras para a Europa— que permitiram a Hitler e Mussolini embarcar no trem da história como alegados salvadores dos seus países.

O diretor Brady Corbet discorda. E apresenta no seu "A Infância de um Líder", sua primeira longa, uma leitura mais psicológica do que histórica para a construção de um líder autoritário. O resultado é formalmente arrojado, prenunciando sua obra-prima recente ("O Brutalista"), mas não estou convencido sobre a tese do exercício.

Estamos em 1919. Paris recebe os mais altos dignitários para a Conferência de Paz. Entre eles, está um assessor do governo americano, que viaja para França com a mulher (alemã) e o filho pequeno.

A criança parece adorável —um querubim de cabelo loiro, facilmente confundido com uma menina. Mas o seu comportamento revela uma perversidade que vai estilhaçando a harmonia familiar.

Se eu fosse um psiquiatra, diagnosticava ao rapaz uma séria perturbação de personalidade. Ausência de empatia. Narcisismo extremo. Invulgar capacidade de manipulação dos adultos. E fúria, muita fúria.
Perante este pequeno psicopata em formação, a família reage com os rigores típicos da época, contribuindo assim para o ciclo infernal do desafio e da punição.

O filme de Corbet parece sofrer do excesso de literalidade que a escritora Namwali Serpell denunciava semanas atrás na New Yorker: o cinema recente é "gritantemente óbvio", mesmo nas suas metáforas criativas. É como "bater num cavalo morto", escrevia a autora.

A escolha de Paris e do Tratado de Versalhes como cenário de fundo para o drama familiar é só um exemplo dessa previsibilidade. Sim, qualquer um sabe que Versalhes representou uma punição exemplar para a Alemanha, e que das entranhas do tratado nasceu o ressentimento nacional-socialista.

Mas a relação é menos direta do que Brady Corbet imagina. O crash da bolsa de Nova York em 1929 e a Grande Depressão que se seguiu foi mais decisiva para a vitória dos nazistas do que um tratado que, ao longo do tempo, foi sendo desrespeitado e renegociado.

Além disso, Corbet não resiste à tentação de explicar o mal com a patologização desse mal. O problema está numa criança doente, na sua problemática cabeça, eventualmente nos seus genes. O fascismo é o destino lógico desse defeito de fabrico.

Felizmente, não é, caso contrário milhares ou milhões de famílias teriam pequenos adolfos ou benitos prontos a submeter o mundo aos seus caprichos. Existe uma diferença entre tiranizar a família e tiranizar povos inteiros.

Como escreveu Thomas Mann no ensaio "Meu irmão Hitler" (1939), foram os "acasos felizes" (ou, melhor dizendo, infelizes) que levaram uma personalidade medíocre, imprestável, histérica e preguiçosa ao poder na Alemanha.

Em termos dramáticos, não é fácil filmar esses acasos. E, além disso, uma personalidade dessas —"um desgraçado", como lhe chama Mann— pode não ser grande inspiração artística.

Mas quem disse que a realidade era sempre interessante?

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